Por Sérgio Cabral Filho –
Zuenir Ventura, jornalista e escritor imortal, estava se afogando no mar de Rio das Ostras. No barco, a turma já estava alta. Geraldo Carneiro, pai, era o nosso anfitrião. Eu, menino, vi o Zuenir em apuros no mar, e avisei aos adultos do barco. Daí que Ziraldo gritou: “Zuenir não sabe nadar!” Os menos alcoolizados mergulharam e salvaram o imortal Zuenir. Mary quase ficou viúva jovem… Ziraldo faz parte da minha vida de todas as formas.
Nasci no Engenho Novo, subúrbio do Rio. Meu pai, jornalista, e minha mãe, professora, se casaram em fevereiro de 1962. Nasci em janeiro de 1963; do meu nascimento até 1969, moramos no subúrbio. Engenho Novo e Lins de Vasconcellos.
Em 69, Cabral, Ziraldo, Jaguar, Millor, Paulo Francis, Tarso de Castro, Fortuna e Luis Carlos Maciel fundam o semanário “ O Pasquim”. Aventura empresarial de intelectuais de esquerda que, em duas semanas de existência, já era um fenômeno nacional de vendas. Linguagem inovadora, estética que bagunçou os jornalões da época. Debochando da ditadura com uma irreverência que ganhou corações e mentes de jovens por todo no o Brasil. Havia filas nas bancas na espera pelo semanário.
O Pasquim chegou a vender 200 mil exemplares por semana! Daí que mudamos da rua General Belegarde, no Engenho Novo, para a quadra da praia na rua Rita Ludolf, Leblon, em 1970. Uma mudança de endereço e de padrão de vida, graças ao Pasquim.
No final de 1971 a ditadura prendeu Cabral, Ziraldo e cia. Aos sete anos ia visitar meu pai na Vila Militar, zona oeste da cidade do Rio. Ao chegar em casa, minha mãe lia uma carta do meu pai para meus irmãos Cláudia e Maurício. Nela meu pai dizia que estava em São Paulo, a trabalho. Para que meus irmãos não soubessem a verdade. Aos 7 anos, tive que ser cúmplice de meus pais para não afligir meus irmãos.
Ziraldo, Cabral e cia faziam campeonatos de mata barata nas celas imundas, para achar alguma graça naquele horror, “torneio deteflon”, marca da época. Num domingo, o oficial de dia da Vila Militar aparece na cela com um violão debaixo do braço e pede para o meu pai tocar o instrumento. Cabral diz que não sabe tocar. Daí que o soldado que estava de guarda, revela que sabe tocar violão. O oficial passa o violão para o recruta, o fuzil fica no colo de meu pai e começa um sarau de alguns minutos, até que o oficial percebe a situação surrealista: “isso aqui tá uma esculhambação!”.
Mudamos para São Paulo, após a “gripe do Pasquim”, como se dizia à boca pequena. Bem, e o Ziraldo? Sempre presente! Ficamos um ano em Sampa. Voltamos para o Rio e fomos morar em Copacabana, no mesmo apartamento que meus pais vivem até hoje. Lá estava o Ziraldo. Sempre presente. Festas com intelectuais, sambistas, políticos, jornalistas, músicos, eram constantes lá em casa. Carlinhos de Jesus, oriundo do bairro suburbano de Cavalcante, como meu pai, surgiu para a burguesia carioca nessas festas lá de casa. E Ziraldo sempre por perto.
A campanha de meu pai a vereador, em 82, tinha os traços de Ziraldo. O convite de casamento da minha irmã, teve o traço de Ziraldo. No meu primeiro casamento, com a Susana, tivemos Ziraldo e Vilma de padrinhos, em 86. Minha primeira eleição a deputado, em 90, teve os traços de mestre Ziraldo. Em meus mandatos, sempre tive o carinho e o entusiasmo do gênio de Caratinga. Nunca me pediu nada. Me ligava para dar ideias e sugestões. Vibrou com a Biblioteca Parque na avenida Presidente Vargas. Chegou a ir em solenidades do meu governo. Ziraldo, aliás, exerceu cargo público. Foi presidente da Funarte, escolhido por Tancredo Neves, de quem era amigo, e importante militante da histórica campanha de 1985, quando vencemos o regime militar com a chapa Tancredo/Sarney.
O gênio de Caratinga conquistou o mundo com seus personagens. Ganhou os principais prêmios internacionais pelo seu traço único e inconfundível. Seus personagens e suas narrativas alcançam, há décadas, gerações que saboreiam as aventuras do Menino Maluquinho e tantas outras criações do mestre.
À sua família querida os meus sentimentos. O Brasil perde um dos seus filhos mais importantes da segunda metade do século passado. Viva Ziraldo!
SÉRGIO CABRAL FILHO – Jornalista e Consultor Político da Tribuna da Imprensa Livre.
Instagram @sergiocabral_filho
Envie seu texto para mazola@tribunadaimprensalivre.com ou siro.darlan@tribunadaimprensalivre.com
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