Por Jeferson Miola –
O gabinete de transição anunciou a proposta de reformular o GSI – Gabinete de Segurança Institucional.
Embora a reformulação possa eventualmente representar um avanço em relação ao instituído atualmente, seria adequado e oportuno a gestão Lula extingui-lo já na arrancada do governo.
Precedentes recentes e históricos confirmam que não basta reformular o GSI, assim como não faz sentido preservar seu status de ministério, e tampouco designar um militar das Forças Armadas para o cargo.
O gabinete de transição corretamente excluiu o GSI da posse e da segurança do Lula na fase inicial do governo devido às justificadas desconfianças em relação aos militares. Se o GSI é dispensável para esta que seria sua função primordial e ponto alto da sua missão institucional, então a existência do órgão na estrutura do Estado brasileiro é absolutamente prescindível.
Manter o GSI e, além disso, com status ministerial, é do interesse direto dos militares, pois a preservação deste órgão preserva a cultura de controle, espionagem, vigilância e poder institucional dos fardados sobre o poder e a sociedade civil.
O GSI é um enclave das cúpulas militares no coração do poder civil. A permanência deste órgão é conflitante com uma institucionalidade democrática e republicana.
Além de desnecessário e inadequado, o GSI comandado por militares também é incompetente, como ficou comprovado no episódio da gravação de Temer pelo empresário Joesley Batista no Palácio Jaburu, e no tráfico internacional de cocaína em avião presidencial.
Na mudança ministerial de outubro de 2015, a presidente Dilma extinguiu o GSI, repassou suas atribuições para a Casa Militar e vinculou a ABIN – Agência Brasileira de Inteligência, que pertencia à estrutura do órgão, à Secretaria de Governo.
A recriação do GSI foi um dos primeiros atos do usurpador Michel Temer ao assumir o cargo com o golpe, em 12 de maio de 2016, por meio da Medida Provisória nº 726, publicada no mesmo dia.
Com a recriação do GSI, Temer nomeou ministro o general-conspirador Sérgio Etchegoyen, que junto com o general-conspirador Villas Bôas traiu a presidente Dilma, que em 2015 os havia designado respectivamente para a chefia do Estado Maior e para o Comando do Exército, e depois conspiraram com Temer para derrubá-la.
O GSI comandado por Etchegoyen funcionou como uma plataforma estratégica para a aceleração do projeto – ainda secreto, à época – de poder dos militares com Bolsonaro.
Na breve gestão dele iniciou-se a colonização do aparelho de Estado brasileiro pelos militares, fenômeno depois exponenciado no governo militar nominalmente presidido por Bolsonaro.
Com Etchegoyen, também foram reativados e reconfigurados os dispositivos de inteligência, bisbilhotagem, vigilância, sabotagem, chantagem e controle da ditadura que foram empregados no atacado por seu sucessor no cargo, o general Heleno.
Dois meses depois da recriação do GSI, o general Etchegoyen ampliou sua influência e poder. Em julho de 2018 a ABIN – Agência Brasileira de Inteligência foi vinculada ao ministério, que ainda “ganhou” a responsabilidade pela Política Nacional de Inteligência. Uma medida perigosa, que assemelhou o GSI ao antigo SNI da ditadura e atribuiu a atividade de inteligência à estrutura de segurança presidencial sob controle dos militares.
O interesse estratégico dos militares no GSI foi explicitado pelo general Etchegoyen em 3 de dezembro de 2018, por ocasião de uma cerimônia esdrúxula, porque alusiva aos alegados 80 anos do órgão – que foi criado pela primeira vez em 1999, não em 1938, como sofismou o general.
No discurso, Etchegoyen elogiou Temer; que, na visão dele, teve a “correta percepção da estrutura político-estratégica do nosso país, que o levaram a recriar o GSI em maio de 2016”.
Numa crítica implícita à presidente Dilma, que havia extinguido o órgão, o general disse que foi possível recriar “um GSI que, ao cumprir a sua missão, desnudasse a obtusa miopia ideológica dos que, no passado, puderam julgá-lo prescindível”.
Repetindo a visão delirante das cúpulas militares sobre o papel das Forças Armadas na tutela política, e ignorando que a missão institucional do GSI é primordialmente a de proteger o presidente e vice-presidente da República, Etchegoyen celebrou “um GSI à altura da grandeza do Brasil”, apto a assessorar a Presidência “nos temas afetos à segurança institucional e ao desenvolvimento da Nação”.
Etchegoyen terminou o discurso conclamando a se olhar para o futuro “não por retrovisores trincados que distorçam o passado”. E, citando Caxias, o patrono do Exército brasileiro, lançou “maldição eterna aos que ousarem invocar nossas dissensões passadas”. Uma ofensa ao direito constitucional da sociedade à memória, à verdade e à justiça e, também, uma ameaça a quem luta por tal direito.
Como se observa nas “teses” do general Etchegoyen, o GSI tem uma relevância estratégica para a tutela militar sobre a democracia e o poder civil. A permanência do GSI interessa às cúpulas militares partidarizadas, não à democracia.
A desmilitarização do Estado e da sociedade brasileira é um requisito essencial não só para a governabilidade do governo Lula, mas para a sobrevivência da democracia.
A extinção do GSI, que é um aparato ainda vivo da ditadura, da repressão e do terror de Estado, é um passo vital que precisa ser dado na perspectiva de desmilitarização e desfascitização do Estado brasileiro.
JEFERSON MIOLA – Jornalista e colunista desta Tribuna da Imprensa Livre. Integrante do Instituto de Debates, Estudos e Alternativas de Porto Alegre (Idea), foi coordenador-executivo do 5º Fórum Social Mundial.
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