Por Gabriela Moura de Oliveira –
Qualquer menina já escutou de seus pais as seguintes frases: “Não beba muito. Fique atenta ao seu copo.” “Não use esse tipo de roupa, pois pode chamar atenção.” “Se mexerem com você na rua, abaixe a cabeça e finja que não escutou.”
As mulheres são condicionadas a se omitirem quanto às violações sofridas dentro ou fora de casa e a tolerar esses comportamentos como naturais.
A história de Adão e Eva retrata a existência da mulher a partir do homem, ainda que o homem exista pela capacidade biológica gestacional feminina. Mesmo assim, a sociedade aderiu as regras impostas pelo masculino, como verdadeiro ditador da ordenação social.
Os costumes e a cultura foram desenvolvidos com propósitos masculinos e a sociedade adaptada ao seu atendimento. Não obstante, até os dias atuais, ainda existem homens que realmente acreditam possuir autonomia sobre o corpo de qualquer mulher.
O medo espreita. Não importa a idade, a cor da pele, a origem, a roupa que esteja usando e, muito menos, o horário. Qualquer mulher é suscetível de ser violentada sexualmente, pois muitos homens se sentem autorizados a realizar seus fetiches sexuais com a primeira mulher que passar a sua frente. Por mais que não haja toque físico, comentários ou atos obscenos são suficientes para aquele ato nunca mais ser esquecido pela vítima.
A violência de gênero é uma dura realidade. Poucas vítimas expõem as suas dores por medo e vergonha. Os papéis insistem em ser invertidos recaindo a culpa sobre os ombros femininos, até mesmo, em razão da maquiagem que passa como convidativo a prática do abuso sexual.
Existe uma questão a ser juridicamente analisada quando um homem sente prazer em cometer um ato sexual forçado e, sobretudo, a excitação em ver o sofrimento alheio a partir do seu ato. É necessário observar que a esse comportamento torna duvidosa a capacidade cognitiva do agressor, o que deve ser diagnosticado por um especialista, e sendo o caso, tratado como uma enfermidade, pois o juízo de periculosidade é evidente.
Abdulali1 ressalta que a lição a ser ensinada pelos estupradores durante a prática do ato sexual é a submissão, ou seja, as mulheres devem se submeter a sua vontade e ao seu controle.
A violação ao corpo feminino representa um vazio existencial, como uma sombra a atormentar a vítima por toda a sua vida. Aquela mulher nunca mais será a mesma, pois o abuso jamais sairá de sua mente. Contudo, para estupradores e assediadores, a própria satisfação sexual é o que verdadeiramente importa.
A legislação avançou consideravelmente quanto a esse ponto. A Lei nº 13.718/2018 inseriu novos tipos penais no Código Penal como a importunação sexual, a exemplo quando um homem ofende verbalmente uma mulher se utilizando de conotação sexual ou, até mesmo, satisfaz a própria lascívia mediante ato libidinoso na presença de uma mulher contra a sua vontade, muitas das vezes a atingindo.
A cultura do estupro ainda está enraizada. As mídias recentemente tem explorado um caso de um sujeito que possui a convicção de que o dinheiro compra a dignidade de qualquer pessoa. Ele não aceita a rejeição e violenta fisicamente uma mulher para dominá-la até mesmo em ambientes públicos. Ele não teme nada e ninguém. É capaz de sequestrar, se utilizar de alucinógenos, estuprar e até tatuar seu nome no corpo das vítimas para mostrar que tem poder.
No caso acima narrado, o que fez esse estuprador em série ser noticiado foi a palavra de uma vítima. O fato desta mulher ter buscado ajuda, encorajou outras vítimas anteriores silenciadas pelo medo a expor os atos criminosos praticados por aquele homem. A cada reportagem com uma nova vítima, outras apareciam para contar suas dores.
A sororidade é um ato de sobrevivência. Ela representa a empatia com a dor da outra. A sororidade é a união de mulheres representada pela luta feminina na conquista pelo respeito e igualdade no tratamento de gênero. Quando uma mulher grita e mostra a sua força, outras mulheres se encorajam a também gritar. Desse modo, até o mundo estar pronto para que homens convivam com mulheres como iguais é preciso que todas se apoiem.
No Estado do Rio de Janeiro foi apresentada mais uma ferramenta digital no combate à violência contra a mulher. Em 21 de outubro de 2022, foi lançado o aplicativo “Rede Mulher” desenvolvido pela PM-RJ, o qual permite o contato da vítima com a Polícia Militar por meio de um clique. A vítima precisa somente realizar um cadastro prévio seu e de três familiares ou pessoas de confiança antes de acionar o botão de emergência. Assim, após a solicitação de atendimento, tanto a Polícia Militar quanto as pessoas cadastradas receberão a localização da vítima disponibilizado pelo GPS do seu aparelho2.
O acesso ao aplicativo é camuflado, ou seja, além de não apresentar sua real finalidade em sua aparência, contempla também um login de acesso com senha. Ainda, a vinculação direta com à Central 190 possibilita a localização da viatura mais próxima da vítima, bem como o registro da ocorrência online3.
Apesar de grande avanço, é preciso observar a efetividade prática de todo o aparato disponibilizado, tendo em vista o escasso policiamento no Estado e o atendimento as demandas urbanas. Muitas políticas públicas ainda precisam ser aplicadas para reeducar a sociedade. É necessária uma força tarefa por meio de um trabalho conjunto entre todos os Poderes, Entidades e Órgãos Públicos para conseguir garantir o espaço e a voz de uma mulher.
É de extrema importância a união feminina em prol de sua proteção e fortalecimento. A conscientização de cada mulher para auxiliar suas iguais e as discussões públicas sobre a relevância da denúncia das vítimas podem evitar que mais uma mulher seja agredida sexualmente.
Todas as vítimas precisam de amparo, principalmente, psicológico, pois um trauma dessa magnitude pode fazê-la ceifar a própria vida. É dever de todas as mulheres se defenderem e se protegerem. Ainda que o Estado falhe, a força feminina sempre será o próprio escudo contra a violência à mulher.
1 ABDULALI, Sohaila. Do que estamos falando quando falamos de estupro? Tradução: Luis Reyes Gil. 1ª edição. São Paulo: Vestígio, 2019. p. 22.
2 Disponível em: <https://oglobo.globo.com/rio/noticia/2022/10/aplicativo-de-combate-a-violencia-contra-mulher-e-lancado-pelo-governo-do-rio.ghtml>. Acesso em: 21 nov. 2022.
3 Idem.
Bibliografia:
ABDULALI, Sohaila. Do que estamos falando quando falamos de estupro? Tradução: Luis Reyes Gil. 1ª edição. São Paulo: Vestígio, 2019.
https://oglobo.globo.com/rio/noticia/2022/10/aplicativo-de-combate-a-violencia-contra-mulher-e-lancado-pelo-governo-do-rio.ghtml
GABRIELA MOURA DE OLIVEIRA é advogada.
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