Por George Torres Barbosa

“Apesar de todas as evidências de que a dívida da Petrobrás era adequada aos projetos de exploração do pré-sal, a mídia hegemônica criou o senso comum de que era necessário cortar não só a gordura mas a própria carne e até no osso”, escreve o advogado George Torres Barbosa, concursado da Petrobrás.

Integrei o quadro de advogados da Petrobrás, mediante concurso público, de 1990 até março deste ano, 2021. Não conheci pessoalmente, mas a fama do engenheiro naval Julio Faerman é notória entre os mais antigos.

Ele foi tirado a peso de ouro da Petrobrás nos idos de 1974 pela maior fabricante mundial de plataformas, a holandesa SBM, e instalado em Londres para articular seus interesses perante a estatal, não só como fabricante, mas inclusive no bilionário ramo do afretamento de barcos. Outro engenheiro naval, o famoso Barusco, notório por devolver 100 milhões auferidos na forma de propina, confessou que recebia propina do cartel de empreiteiras desde 1997, em plena era FHC, sem que Dallagnol e os filhos de Januário se interessassem por investigar o aliado que não se pode melindrar, segundo Sergio Moro.

Cerveró falou das estripulias do filho de FHC no abominável Plano Prioritário Termelétricas PPT, no qual El Paso, Eletrobolt, EDF, Enron e congêneres recebiam o gás para suas termelétricas, subsidiado pela Petrobrás que depois era obrigada a comprar a eletricidade superfaturada, mesmo que ela não existisse !!! Nesta farra da rentabilidade garantida também se lambuzou o Gregorio Marin Preciado,  aparentado de Serra (que prometeu desfazer o marco regulatório do pré-sal à CHEVRON, no consulado dos EUA, durante a campanha de 2010). Até Eike Batista se locupletou na farra do PPT com a famosa TERMOLUMA.

Tudo isso conduzido com mão de ferro pelo czar do apagão, Pedro Parente, ao ensejo de obviar o apagão que os tucanos arquitetaram, ao sucatear a Eletrobrás e, sobretudo, sabotar o planejamento Brasil 2014, que vinha do regime militar, prevendo a construção de grandes hidrelétricas, as quais, só nos governos petistas, vieram a ser construídas, com todo o cuidado ambiental que os militares não cogitavam. Mas parte delas foi feita nos governos Lula e Dilma, como Santo Antônio, Jirau (aquelas em que se fazia escada para os peixes subirem na piracema, assim disse Lula) e Belo Monte, onde houve mais de 5 bilhões de reais em compensação ambiental.

O czar do apagão, Pedro Parente, presidiu o Conselho de Administração de 1999 a 2003, quando foi vendida a maioria das ações preferenciais (PETR4) da Petrobrás na bolsa de New York por meros 5 bilhões, implicando a submissão da estatal à lei dos EUA daí em diante. A União só não perdeu o controle acionário por causa das ações ordinárias (PETR3) que, apesar de em menor número na estrutura societária, são as únicas que têm direito a voto na Assembleia Geral. Na década seguinte, o aumento de capital conduzido pelo presidente José Sergio Gabrielli elevaria a participação da União no bloco de controle e alcançaria o maior valor de mercado da Petrobras, até hoje registrado: 275 bilhões, naquele que foi o maior aumento de capital da história do capitalismo mundial. Ao fim da era FHC, a Petrobrás valia míseros 15 bilhões, era decadente em reservas provadas e um ícone dos desastres ambientais. Pedro Parente comprou 49% do grupo argentino Perez Companc por U$ 1,2 bilhão, quando a própria Perez Companc havia declarado um rombo de U$ 1,4 bilhão. Segundo depoimentos de Cerveró à Lava Jato, foram pagos 100 milhões de dólares para que essa compra fosse feita. Uma vez mais, escaparam incólumes os tucanos de alta plumagem aos seletivos investigadores da república de Curitiba.

Pedro Parente comandou uma troca de ativos da Petrobrás no valor de U$ 3.052.000.000,00 com a Repsol norte-americana, lá na Argentina, no valor de U$750.000.000,00, exatamente quando Menen e subsequentes governos neoliberais já haviam conseguido quebrar aquele país aplicando à risca o receituário neoliberal e entreguista. Pedro Parente, quando presidiu o Conselho de Administração  da Petrobrás, na era FHC, entregou metade da Refinaria Alberto Pasqualini, em Canoas, e do campo gigante de Albacora Leste, na bacia de Campos, além de centenas de postos da BR distribuidora, tendo como contrapartida micos da Repsol na Argentina, que valiam bem menos. Essa troca de ativos foi perpetrada quando lá na Argentina se teve 3 presidentes em uma só semana e todos os empresários e os capitais empreendiam fuga da Argentina desesperadamente. Tal troca de ativos é objeto de uma ação popular impetrada por Cesar Antonio PRZYGODZINSKI e outros filiados ao SINDIPETRO de Canoas e chegou até o STJ, com a Apelação Cível 2001.71.12.002583-5/RS mas tornou ao primeiro grau para realização de perícia. Apesar dessa controvertida vida pregressa, Pedro Parente foi guindado à presidência da Petrobrás por Temer, inaugurando a cruel política de preços de paridade internacional – PPI que é o custo em dólar do derivado lá nos EUA mais frete marítimo, seguro da carga, custos tributários de internação da mercadoria e adicional de frete marítimo. Enquanto nossas refinarias operam a meia carga, abrindo espaço para importadores e, mais grave ainda, tornando interessante a compra dessas refinarias encampadas por João Goulart no  célebre discurso da Central do Brasil, quando também se estendeu o monopólio da Petrobrás para o segmento de transporte de óleo e gás. Tornando às agruras do presente, o hediondo PPI eleva opreço dos  combustíveis e gás de cozinha à estratosfera compelindo o povo trabalhador à uma escolha de Sofia. Ou compra o gás ou compra a mistura e vai cozinhar com lenha, em pleno século XXI.

Enquanto isso se vende variada gama de ativos ativos geradores de caixa da Petrobrás, por preço irrisório, como a NTS e TAG, malhas de gasodutos do Sudeste e Nordeste, imediatamente alugados pelos felizardos para a própria Petrobrás,  o que permite aos compradores recuperar o preço pago à Petrobras em menos de 4 anos. Esses ativos em mãos privadas, sobremaneira, as refinarias, darão lugar a monopólios privados em cada região do Brasil, agravando enormemente a pauperização dos brasileiros.

Pedro Parente vendeu o campo de Carcará, no pré-sal, cujo preço do barril de petróleo foi mais barato do que uma lata de refrigerante. Vendeu a Petroquímica de Suape, única produtora de poliestireno da América Latina, pelo equivalente ao faturamento de uma semana daquela petroquímica. Vendeu e arrendou, por preços irrisórios, Fábricas de Fertilizantes Nitrogenados. Já sob a gestão Castello Branco, fechou-se a FAFEN ARAUCÁRIA que produzia fertilizantes a partir de resíduos asfálticos (engenhosa solução ambiental) e que também poderia ser convertida para a produção de oxigênio, crucial para salvar vidas em Manaus.

A Fábrica de Fertilizantes em construção na cidade de 3 Lagoas (MS) foi abandonada com mais de 86% de conclusão. Moro e Dalagnol emitiram ordens para que a Petrobrás não pagasse mais os créditos de todas empreiteiras nacionais sem que elas nem ao menos fossem declaradas inidôneas, mediante o devido processo legal, com o direito ao contraditório e a mais ampla defesa, perante o órgão competente que é a CGU ou o TCU, não a Petrobrás sumariamente.

A cúpula do jurídico da Petrobrás acatou essa sentença de morte contra a engenharia nacional e, pressurosamente, criou a figura do bloqueio cautelar para eximir-se de pagar os serviços já executados e medidos. Em consequência, surgiram cidades fantasmas pelo Brasil afora, como em Rio Grande e Itaboraí com milhares de desempregados da noite para o dia, vagando com suas famílias ao relento. Tudo sob o pretexto de combater a corrupção e  reduzir a dívida da Petrobrás que sempre foi  compatível com os investimentos necessários para produzir no pré-sal, com gigantesco volume de óleo leve de alto valor. A dívida contraída pela Petrobrás não discrepa dos níveis de endividamento de suas congêneres, as majors do petróleo. É uma dívida maior pela singela razão de que nenhuma outra empresa de petróleo tinha um projeto de tamanha envergadura e tão promissor. A redução da dívida implementada nestes moldes e o cruel PPI permitiram a distribuição de dividendos em escala sideral, como acaba de acontecer neste último trimestre (42 bilhões de reais) mas compromete, irremediavelmente, a geração de caixa a médio e longo prazo. Privar a Petrobrás de suas reservas de óleo e gás é o melhor caminho para que, em dado momento, ela fique só com a dívida e sem condições de honrar a própria dívida contraída para produzir plataformas e navios necessários para explorar o pré-sal a 300 km da costa e 7 mil metros de profundidade.

Tanto é verdade que tal dívida não era ameaça alguma para  a Petrobrás,  que ela lançou bônus de  dívida para resgate em 100 anos, os CENTURY BONDS. Tal emissão de dívida se deu em  1º de junho de 2015, no auge do linchamento midiático, como se lê na página A3 do JORNAL DO COMMERCIO que circulou em 02/06/2015, o que prova sobejamente a confiança dos investidores internacionais na solvência da Petrobrás. A emissão desses bônus de dívida para resgate em 100 anos,  no valor de 2,5 bilhões de dólares, teve uma procura 4 vezes maior do que a emissão da Petrobrás.

Portanto, não subsiste o argumento ad terrorem de que a Petrobrás teria que vender seus ativos a toque de caixa, abaixo do valor de mercado, como vem sendo desde Temer e, já agora, sob o curioso regime do fascismo antinacional. A venda da Refinaria Landulfo Alves, na Bahia, se deu abaixo da estimativa feita pela XP Investimentos, entusiasta da Lava Jato e de Paulo Guedes.

Ainda no ano de 2015, a Petrobrás recebeu pela terceira vez o maior prêmio da indústria de óleo e gás, o OTC, em Houston EUA. Também naquele mesmo ano de 2015, a Petrobrás superou a Exxon Mobil em geração de caixa livre, tornando-se a primeira do mundo neste quesito dentre outras petroleiras internacionais de capital aberto. Enquanto isso, a Globo satanizava a Petrobrás, com a divulgação permanente daqueles dutos enferrujados jorrando dinheiro, enquanto glorificava Moro, Dallagnol e os filhos de Januário.

A Refinaria de Manaus, doada à ATEM, sonegadora de impostos federais, assim como o restante das 37% de ações da BR Distribuidora pelo equivalente ao preço do Copacabana Palace, não fazem sentido por qualquer prisma que se possa examinar. Embora seja comum a prática do farm in e farm out entre as petroleiras, por razões de melhor alocação de capital, o que se vê na Petrobrás desde 2016 é um esquartejamento frenético sem nenhuma responsabilidade com a perenidade da empresa e o interesse nacional.

A própria decisão do Pedro Parente de pagar aos fundos abutres 3 bilhões de dólares em uma class action nos EUA sem que houvesse, ao menos, uma decisão de primeiro grau, que ainda seria passível de recurso, revela que nunca houve problemas de caixa a reclamar a venda do almoço pra comprar a janta, como propalam os arautos do mercado encastelados na Globo, Estadão, Veja e Folha, que são aríetes assestados permanentemente contra a Petrobrás.

Todas as gestões da Petrobrás posteriores ao golpe permanente que se iniciou com as pedaladas imaginárias adotaram a praxe de adiantar pagamento aos bancos internacionais e nacionais, antes mesmo do respectivo vencimento, inclusive 10 bilhões de reais ao BNDES, este último sem, ao menos, haver a justificativa de que se queria trocar por dívida mais barata.

Também foi o caso do pré-pagamento, sem nenhuma necessidade, do empréstimo feito pela China, através da SINOPEC, para ser  pago, não em dinheiro, mas apenas em  exportações de óleo, o loan for oil. A China fez essa operação no momento em que todos queriam levar a Petrobrás à insolvência, a começar pelo auditor independente, PWC, que nunca detectou nenhuma irregularidade nas décadas anteriores, mas  exigiu uma baixa contábil, totalmente artificial, de 88 bilhões, sob pena de não assinar o balanço patrimonial de 2015, o que, aí sim, levaria ao vencimento antecipado de toda a dívida da Petrobrás (covenants).

Apesar de todas as evidências de que a dívida da Petrobrás era adequada aos projetos de exploração do pré-sal, a mídia hegemônica criou o senso comum de que era necessário cortar não só a gordura mas a própria carne e até no osso (catabolismo total) e, nesse clima de terror, o STF decidiu por 9 a 2 que a Petrobrás podia vender ativos e subsidiárias sem licitação e sem prévia autorização do Congresso Nacional, com as honrosas exceções de Lewandowski e Fachin.

Até mesmo a Assembleia Geral da Petrobrás foi escanteada pois tais alienações a preço de banana são aprovadas pela diretoria executiva, sem o escrutínio do órgão máximo de uma sociedade anônima que é a Assembleia Geral de acionistas. Assim foi com Pedro Parente, foi com Castello Branco, e é agora com o general Luna e Silva. Um fast track do desmanche.

Tudo isso sob o pretexto de reduzir a dívida e, aproveitando a cortina de fumaça propiciada pela campanha insidiosa e implacável desencadeada pela mídia  em conúbio espúrio com a lava jato que danificou, profundamente, a imagem da Petrobrás perante a população.

Entoa-se ad nauseam a cantilena de que houve 6 bilhões de reais de superfaturamento nas obras no período de 2004 a 2014, o que, do ponto de vista das regras internacionais de contabilidade, é imaterial se comparado ao faturamento da Petrobrás,  de 2 trilhões e 400 bilhões de reais,  nesse mesmo período.

O circo dos horrores se abateu sobre o corpo técnico da Petrobrás que passou a ser investigado em verdadeiros tribunais de exceção por escritórios de advocacia norte-americanos, como o Gotlieb (ganhador de fortunas na Petrobrás e no BNDES para a natimorta investigação da caixa preta que custou a cabeça de Levy). Outro escritório de advocacia norte-americano, o Baker & Mackenzie está no epicentro do Pandora Papers, em companhia de Paulo Guedes, do presidente do Banco Central, Globo et caterva. São escritórios  indicados pela CIA e o Departamento de Justiça dos Estados Unidos que deram uma gorjeta de 2,5 bilhões para a república de Curitiba criar seu fundo partidário, em boa hora anulado pelo STF.

Tais escritórios foram contratados, mediante honorários exorbitantes, não para defender a Petrobrás em processos nos EUA ou escrever um parecer sobre direito norte-americano. Foram contratados para conduzir o compliance da Petrobrás, que a  é  indústria da moda a que se dedicam próceres da lava jato, como o Carlos Alberto Lima e Sergio Moro na Alvarez & Marsal (gestora dos escombros da Odebrecht), ambos veteranos do escândalo do BANESTADO, assim como o doleiro Alberto Youssef que, por haver descumprido obrigações anteriores daquele caso, envolvendo as contas CC5, não poderia ser beneficiado pela delação premiada na lava jato.

Os escritórios de advocacia norte-americanos, verdadeiros biombos para a CIA, chegaram a apreender celulares e notebooks de cerca de 2 mil empregados da Petrobrás para as suas investigações ironicamente denominadas CIAS, ao fim das quais nada se apurou de relevante. Tanto que o ex-presidente Roberto Castelo Branco se viu compelido a pedir desculpas públicas aos empregados, na intranet da Petrobrás, após serem  espionados ao longo de meses pelas famigeradas CIAS que ainda contaram com o auxílio luxuoso do escritório da respeitável ex ministra do STF Ellen Gracie Northfleet.

Há muito mais a dizer, mas deixo para outro momento. Certo é que há muito mais do que meros aviões de carreira no ar. É a tal da guerra híbrida.

GEORGE TORRES BARBOSA – Advogado concursado da Petrobrás de 1990 a 2021. Foi presidente do Conselho de Administração da Termomacaé Ltda., conselheiro da UEG ARAUCÁRIA e diretor financeiro da Baixada Santista Energia SA. É especialista em direito ambiental e LL.M. em direito corporativo.

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