Por Miranda Sá

“Discurse sobre a virtude e eles passarão como rebanho. Assobie e cante, e terás uma plateia” (Diógenes de Sinope)

Quanta verdade encontramos nesta epígrafe! Seu autor, conhecido na antiga Grécia como Diógenes – o Cínico, foi um filósofo que passou praticamente a vida toda discursando combatendo os ocupantes do poder que considerava os representantes de uma sociedade corrupta.

Ele teve muitos seguidores graças à sua eloquência e à coragem de expressar ataques violentos contra gente poderosa; pelo seu exemplo, lembrei-me da admiração que adquiri pelo grande orador paraibano, José Américo de Almeida, de quem gravei uma antológica frase do discurso que proferiu contra Getúlio Vargas nas vésperas do golpe e implantação da ditadura que foi de 1937 a 1945.

Disse José Américo: – “É preciso que alguém fale, e fale alto, e diga tudo, custe o que custar…”; e, no correr da fala, apontou mazelas ministeriais citando os corruptos do governo nascido da revolução de 1930. E disto se valeu Getúlio para depois do golpe demitir todos eles…

Infelizmente desapareceu na política brasileira o brilho da eloquência que gostávamos, mas deixou como herança a propensão de muitas pessoas para discursar, como um jornalista que conheci no Rio Grande do Norte.

Colunista social, meu personagem se tornou uma das celebridades do jornalismo mais lidas entre os potiguares. Ficou conhecido também por exercitar a oratória em qualquer oportunidade, aniversários, batizados e enterros; dessa maneira, muitos o convidavam para eventos, esperando dele a exibição discursiva.

Hábil divulgador de empreendimentos, ganhou como prêmio da Varig uma viagem ao Rio de Janeiro. Embarcando, sentou-se nas primeiras poltronas do avião, e logo após a aeromoça anunciar o fechamento da porta para o início do voo, e desejar uma viagem tranquila a todos passageiros, o Colunista se levantou e tomou solenemente a palavra: – “Certo de representar todos aqui presentes, agradeço comovido a fala generosa que me antecedeu…“; e manteve o discurso de louvaminhas até a aeronave pousar no Recife….

Sobre tal impulso, dizem os psicólogos que estudam oratória geral e sermões, que os seus autores se preparam duas ou três semanas para um “improviso”. O inconveniente é quando oradores e pregadores estendem a explanação exagerando nos adjetivos e com zero de conteúdo.

Por isto, alguém já disse (não recordo quem) que “a eloquência só faz sentido quando o discurso é verdadeiro”.

A palavra “Discurso” dicionarizada, é um substantivo masculino de etimologia latina “discursus”, particípio passado do verbo “discurrere” (correr ao redor), significando as voltas da linguagem articulada, escrita ou oral, expondo um certo tema.

É citado mais usualmente como a mensagem oral diante de uma assistência. A História registra a formidável retórica de Catão no Senado Romano, com o seu famoso discurso “Delenda est Carthago”, que atiçou uma guerra ceifando milhares de vidas e arrasando o grande império da África do Norte.

George Orwell, autor de “1984”, escreveu que “a linguagem política dissimula para fazer as mentiras soarem verdadeiras e para dar aparência consistente ao puro vento”; é uma observação interessante, pois quase nunca o discurso político exprime a verdade, embora possa influenciar quem o ouve.

Para os políticos que ocupam o poder, o padre Antônio Vieira deixou uma lição que deveria ser seguida, ao dizer que “todos os que querem governar pelo discurso, erram e se perdem”.

E é isto que assistimos na pandemia: o capitão Bolsonaro usa e abusa de conceitos disparatados e ilógicos contra as medidas preventivas no combate ao vírus, e atacando criminosamente as vacinas. Pouco afeito ao estudo e à disciplina militar, decerto não tomou conhecimento de Napoleão Bonaparte, que disse:  – “Os   discursos passam, mas os atos ficam“.

Por seus atos estúpidos e necrófilos, os fanáticos que o seguem em rebanho, aplaudem – na contramão da História -, o discurso malcriado, xucro e mentiroso que fez na ONU, aviltando o Brasil no concerto das nações.

MIRANDA SÁ – Jornalista profissional, blogueiro, colunista e diretor executivo do jornal Tribuna da Imprensa Livre; Trabalhou em alguns dos principais veículos de comunicação do país como a Editora Abril, as Organizações Globo e o Jornal Correio da Manhã; Recebeu dezenas de prêmios em função da sua atividade na imprensa, como o Esso e o Profissionais do Ano, da Rede Globo.


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