Por Daniel Mazola

Em função da repercussão das matérias exclusivas: “SIRO DARLAN: a Força, a Indignação e a Verdade“ e “SIRO DARLAN: eu conheço a fome, eu conheço o frio, vivi a vida dos jovens e das crianças abandonadas – essa é a minha origem”, um tsunami de manifestações e solidariedade inundou a caixa de entrada dos nossos e-mails.

Em 2015 ficamos atônitos e indignados com a destituição do desembargador Siro Darlan da coordenação das Varas da Infância e Juventude do TJRJ, de onde nunca deveria ter saído, agora tentam afastá-lo definitivamente do judiciário. A partir de hoje (24/1), estamos publicando uma série de depoimentos de diversos membros da sociedade civil sobre a “perseguição implacável” – como a maioria tem se referido ao caso – que culminou com a suspensão do exercício da função do desembargador Siro Darlan.

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SOMOS SIRO DARLAN

#campanharestaurarverdade

ANTONIO VERONESE é pintor brasileiro auto-didata com uma obra considerável, realizou centenas de exposições individuais, tem obras expostas em numerosos museus, coleções públicas e privadas nos Estados Unidos, Suíça, França, Japão, Chile e Brasil. Radicado na França desde 2004, antes de deixar o Brasil deu aulas de arte para menores infratores nos Institutos João Luiz Alves, Padre Severino e Santos Dumont, no Rio de Janeiro, e no Caje de Brasília. Utilizou a pintura como forma de reabilitação psico-pedagógica dos adolescentes entre 12 e 18 anos com a bandeira” estética é remédio!”. Alguns dos trabalhos produzidos pelos jovens foram expostos em Genebra (Suíça), no Salão Negro do Congresso Nacional, em Brasília, e na Universidade de San Francisco, nos Estados Unidos. Em 1998, representando o Brasil no Encontro de Esposas de Chefes de Estado, cobrou da então primeira-dama, Ruth Cardoso, medidas para tirar das ruas crianças abandonadas, tendo recebido o apoio de Hilary Clinton. Pela denúncia da violência contra menores no Rio de Janeiro, que faz através de sua pintura e de engajamento constante deste 1986, Veronese foi convidado à Comissão de Direitos Humanos da ONU – em Genebra, para proferir palestra, lá causou grande indignação ao apresentar fotografias de 160 crianças, marcadas por cicatrizes massivas decorrentes da violência urbana, doméstica e policial.

Antonio Veronese

Tribuna da imprensa Livre: O desembargador Siro Darlan é uma referência entre os magistrados brasileiros, em especial, por sua atuação junto a população que vive em situação de exclusão social, concorda?

Antonio Veronese: Inquestionavelmente e esta é a essência de sua trajetória. Um dia bati à sua porta para solicitar apoio ao meu projeto, considerado uma loucura à época, de ensinar a pintar menores infratores privados de liberdade. Dr. Siro entendeu na hora meu pleito e não somente o autorizou como transformou-se num entusiasta de ideia. Meninos e meninas, maioritariamente negros e pobres, passaram a aprender pintura à óleo ouvindo Mozart e Debussy… Uma revolução estético-emocional na cabeça daqueles que são órfãos absolutos do Estado brasileiro.

Tribuna da Imprensa Livre: Na sua opinião o desembargador Siro Darlan sempre atuou com seriedade e cumprindo rigorosamente os mandamentos éticos da magistratura?

Antonio Veronese: Minha experiência com ele é rica e reveladora de um homem extremamente sensível, sofisticado e íntegro. Nunca soube de nada que pudesse desaboná-lo e guardo dele uma impressão de grande dignidade e probidez.

Tribuna da Imprensa Livre: Escreva sobre um fato relevante vivido, pessoalmente, ao lado do desembargador Siro Darlan. Momento quando o magistrado ofereceu exemplo de cidadania e profissionalismo.

Antonio Veronese: Poderia alongar-me por páginas e páginas sobre como ele foi importante para o projeto de levar provocação estético-cultural a jovens infratores privados de liberdade.  Sem Siro Darlan o projeto de ressocialização de meninos infratores através da arte teria “morrido na praia”. Mas nada define mais a experiência que junto vivemos do que este texto que escrevi em 1998:

“600 MENINOS

“O Estado perde, por omissão, seus melhores filhos”. (Euclides da Cunha)

Imaginem uma sala pequena e suarenta, quase escura, com 46 meninos dentro. Vinte cinco são negros, doze mulatos e nove brancos. Dezesseis estão com piolho, quatro com escabiose, onze com conjuntivite, um tem o corpo coberto por furúnculos. Dezesseis têm cicatrizes massivas resultantes de agressões. Doze já foram baleados, quatro feridos à faca, três têm marcas de queimaduras. Vinte e seis são analfabetos totais, doze só sabem escrever o próprio nome, vinte e oito são órfãos de pai, oito órfãos de mãe, seis de pai e mãe. Nove deles foram violentados, trinta e nove já fumaram maconha, quarenta e um já cheiraram cola, vinte e dois revelam uma grande “fissura” por chá de cogumelo. Sete têm tiques nervosos entre os quais a gagueira, um tem hipermetropia e catarata degenerativa, um está com pneumonia, um com suspeita de tuberculose, um tem a pele da perna direita fragilizada devido a queimaduras de terceiro grau. Vinte e três estão com algum tipo de doença venérea, seis estão jurados de morte pelo tráfico, onze têm desavenças sérias na própria comunidade ou no presídio, um tem dezoito marcas de queimaduras a cigarro espalhadas pelo corpo, um tem um pedaço de vidro encravado na face, e um perdeu totalmente a articulação do cotovelo esquerdo após ser amarrado a um automóvel e arrastado. Desses quarenta e seis, doze estarão mortos antes de completar 25 anos. A sala, dentro de um presídio de menores, tem uma mistura de odores produzidos pelos desarranjos intestinais e a copiosa sudorese.

Esse grupo de infelizes não incomoda mais; está retirado das ruas, não causa mais risco a ninguém… Esse grupo nasceu malnascido, cresceu malnutrido, desde pequeno apanhou como gente grande, ainda impúbere fez sexo como gente grande… Esse grupo de desgraçados logo descobriu que uma ponta de cola de sapateiro,  que custa dez vezes menos do que um cachorro quente, tira a fome e ajuda a dormir… Esse grupo de meninos, órfãos absolutos do Estado, até que tentou arrumar um emprego, mas acabou sucumbindo ao canto de sereia dos traficantes, com suas ofertas de dinheiro fácil e emoções sem limites. Esse grupo, de trágico passado e sombrio futuro, está reunido nesta pequena sala na modorra da tarde para ouvir Mozart e pintar a óleo e, surpreendentemente, o trabalho que resulta desta tosca oficina encanta a todos e revela, apesar de tudo, uma remanescente alma de criança nesses meninos de cara feia e história triste. Pelo simples exercício de pintar e ouvir música mais de 50% deles tem suas penas reduzidas ou comutadas, sendo considerados readaptados ao convívio social. Provocados por atividades estético-culturais emocionam-se e recuperam rapidamente a autoestima e a dignidade. A violência intra grupo cai a zero e a sua reincidência no crime é três vezes menor.

Somente no Rio de Janeiro mais de 600 meninos são assassinados a cada ano! Outros 5.500 sofrem lesões corporais dolosas, e 60% de todas as crianças cariocas, independentemente de classe social ou geografia urbana, sofrem de doenças psicossomáticas relacionadas ao medo, de acordo com estudo do Hospital Miguel Couto. Acabo de apresentar à Comissão de Direitos Humanos das Nações Unidas, em Genebra,  fotografias de 160 dessas crianças que trabalharam comigo, as quais têm em comum corpos e espíritos marcados por cicatrizes da violência urbana, doméstica e policial. Os números censitários da violência contra menores no Rio nos permitem afirmar que há um genocídio de jovens em curso no Brasil! E disso precisamos tratar prioritariamente! Não advogo impunidade pois sei que muitos destes infratores têm tal septicemia moral que têm que ser afastados do convívio social. Mas o que especialmente me incomoda é a constatação de que a imensa maioria deles poderia ser salva, mas , apesar disso, está simplesmente sendo jogada no lixo.

ERRATA – “Das 2h48 do dia 24 de janeiro de 2021 às 7h50 do dia 18 de agosto, publicamos incorretamente o depoimento de Antonio Veronese sobre o Desembargador Siro Darlan. No entanto, a informação correta segue acima e o erro ocorreu porque nosso estagiário trocou os autores dos depoimentos. O texto foi corrigido. Pedimos desculpas aos nossos leitores”. (Daniel Mazola, editor-chefe)

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MARCOS RIBEIRO é professor e consultor em educação sexual. Já prestou consultoria para a Fundação Roberto Marinho, Canal Futura, Ministérios da Saúde e Educação e UNESCO. Autor de mais de uma dezena de livros sobre educação sexual, é o único autor brasileiro da área de sexualidade premiado pela Academia Brasileira de Letras.

Marcos Ribeiro

Desde sempre conhecemos o Dr. Siro Darlan através da lente da democracia e da luta por direitos iguais, principalmente no que refere-se a crianças e adolescentes e aos excluídos.  Como juiz e desembargador, vejo que a trajetória se pauta na luta por democracia, justiça social, respeito a todas as pessoas e as suas diferenças.

Me lembro de um episódio que estávamos indo para uma palestra e lhe falei (diante de uma decisão polêmica, mas pautada nas leis e na nossa Carta Magna): “vão lhe perguntar sobre tal assunto”.  Dr. Siro calmamente respondeu: “Que bom! Assim tenho a oportunidade de esclarecer e o nosso interlocutor ser informado!”.

É isso! Ele busca informar a todos, transformando o jargão jurídico numa linguagem acessível as pessoas das mais diferentes realidades. E nem todos gostam disso!

A Casa grande surta quando a senzala entra pela porta da frente e tem a garantia dos seus direitos. E principalmente quando esta porta é aberta por um desembargador, com ética e verdade.

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WANDERLEY REBELLO FILHO é advogado e vice-presidente da Associação Nacional e Internacional de Imprensa (ANI). Atua nas comissões da OAB/RJ de Direitos Humanos, de Direito Ambiental e de Políticas sobre Drogas há mais de 35 anos.

Wanderley Rebello Filho e o desembargador Siro Darlan

Conheci o desembargador Siro Darlan em minhas andanças como membro e vice-presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB/RJ, isto por volta de 1990. E de lá para cá acompanhei a sua trajetória.

Participamos juntos das conversas sobre a criação dos conselhos tutelares, e deixamos juntos uma reunião na Câmara Municipal quando o assunto descambou para o tema “salários” dos conselheiros, posto que um queria receber mais do que o outro.

Saindo da Câmara, fomos repentinamente abordados e cercados por um grupo de meninos que, ao verem o magistrado Siro Darlan começaram a gritar: “Tio, tio…”. E ele parou para conversar com os “meninos de rua”.

A única voz no TJ/RJ que sempre, efetivamente, se levantou a favor de crianças e adolescentes, excluídos e em situação de risco, foi calada! Já tentavam fazer isto há muito muito tempo!

O único magistrado do TJ/RJ que sempre foi visto nas ruas, de dia e à noite, defendendo e ouvindo crianças e adolescentes excluídos e em situação de risco, foi parado! A única esperança das crianças e adolescentes excluídos, e em situação de risco, foi ceifada! Há muito afastaram Siro de qualquer contato com comissões ou instituições voltadas para a proteção de crianças e adolescentes.

Siro Darlan tem um sorriso que todos conhecem. Nele está estampada a imagem de quem sempre fez o bem, e de quem está com a consciência tranquila. Seus detratores o temem, pois eles sabem que não têm nem a humildade, nem o mínimo interesse, de fazer nem 1/10 do que Siro Darlan já fez.

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Envie seu depoimento para: mazola@tribunadaimprensalivre.com


DANIEL MAZOLA – Jornalista profissional (MTE 23.957/RJ); Editor-chefe do jornal Tribuna da Imprensa Livre; Consultor de Imprensa da Revista Eletrônica OAB/RJ e do Centro de Documentação e Pesquisa da Seccional; Membro Titular do PEN Clube – única instituição internacional de escritores e jornalistas no Brasil; Pós-graduado, especializado em Jornalismo Sindical; Apresentador do programa TRIBUNA NA TV (TVC-Rio); Ex-presidente da Comissão de Defesa da Liberdade de Imprensa e Direitos Humanos da Associação Brasileira de Imprensa (ABI); Conselheiro Efetivo da ABI (2004/2017); Foi Assessor de Imprensa da Federação Nacional dos Frentistas (Fenepospetro) e do Sindicato dos Frentistas do Rio de Janeiro (Sinpospetro-RJ); Vice-presidente de Divulgação do G.R.E.S. Estação Primeira de Mangueira (2010/2013); Editor do jornal FAFERJ (Federação das Associações de Favelas do Estado do RJ); Editor do jornal do SINTUFF (Sindicato dos Trabalhadores da Universidade Federal Fluminense-UFF); Editor do jornal Folha do Centro (RJ); Editor do jornal Ouvidor Datasul (gestão empresarial e tecnologia da informação); Subeditor de política do jornal O POVO, Repórter do jornal Brasil de Fato; Radialista e produtor na Rádio Bandeirantes AM1360 (RJ).