Lincoln Penna

Em 26 de novembro de 1942 estreava o filme Casablanca, reverenciado por uma legião de cinéfilos e que passados 80 anos ainda desperta os mais lindos sentimentos de paixão e compaixão, de fraternidade e solidariedade em um momento dos mais tensos do desenrolar da Segunda Grande Guerra Mundial.

Ao lembrar-me desse filme que a mim e a um grande número de pessoas da minha e de outras gerações foi visto e revisto inúmeras vezes essa recordação nos desperta a vontade de retornar àquele cenário arrebatador envolto por temores, destemores, mas, sobretudo, de esperanças. Não há, portanto, como não fazer um paralelo com o que se passa no mundo de hoje. Nestes também esses sentimentos humanos se manifestam, talvez sem que consigamos conjugar o verbo esperançar. Porém, o desejo de superação não morreu.

Aquele Marrocos que ambientou o cenário externo do filme, que por isso mesmo leva o título de sua cidade mais sedutora e ao mesmo tempo misteriosa, é o mesmo país que pouco mais de vinte e cinco anos depois eu tive a oportunidade de conhecer, nessa mistura de encantamento sedutor e de enigmas misteriosos. Já tinha assistido ao filme, é claro, mas apenas uma única vez. Não precisa dizer que depois da minha estada em Rabat, Meknes, Fes, Marrakesh e naturalmente Casablanca tenho visto e revisto creio que pelo menos uma dúzia de vezes e cada vez mais fascinado pelo enredo, personagens e o entorno de um momento histórico ainda de difícil previsibilidade.

Não me darei ao trabalho de resenhar a película como dirias meu avô Mário, por ser desnecessária essa descrição. O motivo é o farto conhecimento de todos que estão a ler essa pequena crônica inspirada na mais extraordinária produção cinematográfica em minha opinião, que creio seja compartilhada por muitos, respeitados os discordantes. O que espero com essas linhas é dizer que mesmo nas situações mais angustiantes, sejam as de caráter político e ideológico ou de natureza passional, o que importa é a presença da sensibilidade no trato entre as pessoas.

Casablanca passa um conjunto de expressões típicas desses momentos de conflito, sem que perca o resgate permanente do ser humano presente sempre nessas emoções a multiplicar os sentimentos mais abjetos como os mais caros à humanidade. E em todos esses sentimentos se fazem presentes as lembranças que se foram e que retornam a todo instante a despertar ainda mais o nosso imaginário retroativamente e prospectivamente.

O diretor do filme, Michel Curtis, conseguiu mexer com o expectador ao escolher a trilha musical de sua obra genial. Sem dúvida, As Time Goes By, de Dooley Wilson não poderia ter sido outra senão esta a conduzir os apaixonados mais ardentes ou mais discretos e recolhidos ao êxtase. E se não bastasse o embalo musical o par romântico formado por um ator ímpar como Humphrey Bogart e a linda e deslumbrante Ingrid Bergman compôs com brilho incomparável as cenas mais pungentes.

Afora toda a carpintaria do filme é fantástica a reprodução do ambiente em que se vivia naquele meio de uma guerra inacabada e com desfecho imprevisível. O tom premonitório que se encontra representado ao final, quando o capitão Louis, francês presente em um território do protetorado da França, como era então o Marrocos, a se entender com o refugiado Rick (Bogart) ao dar embarque ao casal Laszlo para a fuga para Lisboa. E ambos se comprometem a permanecer solidários ao prenunciar dessa maneira o compromisso dos Aliados contra o nazi-fascismo.

A força desse compromisso na luta contra os inimigos da humanidade prevaleceu sobre a paixão que um dia uniu dois seres apaixonados. Venceu a fraternidade, a coletividade sobrepujando o encanto de dois seres, mas que naquele instante eram menores do que o desejo da liberdade e da vitória sobre a opressão. Não se aplicava nesse caso, como em muitos outros que a nossa história registrou o abandono da amada. Nascia naquele momento o amor coletivo. Era a aposta no desejo de libertação de todas as nossas amarras egoístas.

Os tempos exigiam o fortalecimento da união de todos contra as agruras do nazi-fascismo, mesmo com perdas afetivas caras.

Casablanca revive em nós a cada desafio que a realidade nos impõe. Escolher caminhos não é fácil se estamos ainda acorrentados ao passado. É preciso destemor e ele só acontece quando nos desvencilhamos das nossas prisões interiores a nos impedir de ousar, o que nos faz permanecer aprisionados em crenças, concepções arraigadas e descoladas do tempo mutante. Há certas situações em que se deve dar prioridade que ultrapassa os nossos desejos individuais não importa que com isso percamos os rumos traçados porque eles nem sempre conseguem se irmanar com os demais. E nesse caso, o dilema demanda sentimentos e impulsos mais generosos.

Essa é uma das muitas leituras de um filme. Não tenho pretensão de dizer que é assim que se deve entender o filme, mas é conveniente que em nossas redes sociais procuremos qualificar de forma consciente e ao mesmo tempo democrática os nossos pontos de vista.

Afinal, é um simples olhar interessado na expectativa que desperte outros olhares para uma troca.

LINCOLN DE ABREU PENNA – Doutor em História Social pela Universidade de São Paulo (USP); Conferencista Honorário do Real Gabinete Português de Leitura; Professor Aposentado da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ); Presidente do Movimento em Defesa da Economia Nacional (MODECON);  Vice-presidente do IBEP (Instituto Brasileiro de Estudos Políticos); Colunista e Membro do Conselho Consultivo do jornal Tribuna da Imprensa Livre.

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