Por José Macedo

“Se os governadores não construírem escolas, em 20 anos, faltará dinheiro para construir presídios”. Darcy Ribeiro, em 1982.

A chegada do Estatuto, inicialmente, trouxe otimismo, sendo analisado e visto como avançado para os padrões da legislação vigente. Houve assim esperança e viu-se nele dispositivos legais, recepcionados da Constituição Federal de 1988, a defesa dos direitos fundamentais e humanos, reconhecendo o menor um cidadão, sujeito de direitos. Assim é que, inegavelmente, o ECA despertou a sociedade para conhecimento e discussão, atinentes aos problemas da criança e do adolescente e a proteção do Estado como garantidor da efetividade desses direitos.

É de suma importância a tipificação como crime de quem usa o Trabalho Infantil.

Aquele que, hoje, se utiliza da mão de obra infantil será processado e preso, cuja pena pode chegar a 8 anos (lei aprovada). Esse conjunto de diretrizes causou impacto positivo e esperança, diante da desesperadora situação da criança e do adolescente, vis a vis a precariedade dos abrigos, instituições onde o menor infrator é recolhido, que não o educa com eficiência para reintegrá-lo na sociedade, além dos constantes maus tratos, contribuindo para revoltas e fugas.

Com o ECA, os Conselhos Tutelares e o Ministério público passaram a exercer a função de defesa desses menores, dando ênfase a sua prioridade e proteção, como sujeito de direitos. O fenômeno criminalidade juvenil merecia ser olhado com urgência e imparcialidade, conhecendo os locais onde vivem, o grau de vulnerabilidade, a miséria, fome e analfabetismo, matrizes desse desequilíbrio social violento. O tema é complexo e seu enfrentamento só obterá resultados, com a execução de medidas socioeducativas, educação e melhor distribuição de renda das famílias.

Lembro de um episódio contado por Brizola. Certa vez foi visitado por um colega da escola primária. Perguntou: “Brizola, como você chegou a ser governador?”. Respondeu Brizola: “através da escola, através do estudo”. Brizola trabalhou em fábrica, mas estudava, formou-se em engenheiro civil. Quando governou o Rio Grande do Sul, construiu 6.000 escolas. Quando, governou o Rio de Janeiro, construiu mais de 500 CIEPs. Estas eram escolas de tempo integral e de qualidade. As crianças ficavam o dia inteiro na escola, retornando às suas casas, com banho tomado e após o jantar. Os políticos, que sucederam Brizola, destruíram essas escolas (os CIEPs), sob o pretexto de que eram caras e o Estado não poderia pagar.

O desinteresse da sociedade por integrar a criança negra e pobre na educação tem raízes históricas, vindo do período da colonização e dos 350 anos de escravidão. A exploração do trabalho infantil faz parte das sociedades opressoras, escravocratas e sedentas pelo lucro. Há tempos, interessei-me pelo assunto. Quando adolescente, li “Capitães da Areia”, o livro de Jorge Amado. Esse livro impressionou-me, porque me fez tomar conhecimento e consciência daquelas crianças, que moravam nas ruas de Salvador, sobreviviam praticando pequenos delitos, como furtos. Os cenários da narrativa, presentes no livro, eram o Cais do Porto, as ruas de Salvador e as praias, locais preferidos de grupos marginalizados, abandonados pelas famílias, escorraçados pela sociedade. Essas crianças delinquem, motivadas pelo abandono dos pais, vítimas da pobreza e falta de moradia digna.

A ausência do Estado no descumprimento de suas responsabilidades e de suas funções, não disponibilizando escolas, não os amparando com efetivos programas sociais são fatores determinantes para o aprofundamento da miséria, da violência, do crescimento da população de rua e da delinquência, matriz dos criminosos adultos de amanhã. Apesar das semelhanças entre os jovens delinquentes de ontem e os de hoje, os atuais são mais embrutecidos, sabem manusear armas e são partícipes ativos do crime organizado e seu aliado, o tráfico de drogas. Os abrigos e instituições de internação dos menores infratores sobrevivem sob o manto da hipocrisia, cumprem ordens de um juiz, do ministério público, desejo da sociedade opressora e policial, que tem como objetivo obter a própria tranquilidade e comodidade. Esse nexo causal está formado num ciclo que se perpetuará, na hipótese em que não sejam extirpadas esses males em suas raízes. Nesse contexto, o ódio e a voracidade dos donos do poder, dos ricos, da classe média e da elite atrasada clamam por uma legislação penal rígida e mais punitiva. A situação tende a sair do controle, apesar das leis. As medidas previstas no ECA, por si só, são impotentes, quando não são implementadas com ações efetivas, sócio educativas, escolas de qualidade e assistência às famílias, ofertando emprego, saúde e moradia. Essas medidas estão previstas na Constituição de 1988. De outro lado, essa sociedade opressora, egoísta e atrasada é cúmplice de sua própria insegurança.

A educação, nos governos Brizola são exemplos positivos, integrando a família do menor na escola nesse processo socioeducativo, centrando maior atenção nas famílias mais necessitadas e vulneráveis. Os resultados foram promissores, mas destruíram esse modelo, optaram pela punição, como a diminuição da maioridade penal, ora em discussão no Parlamento.

A Situação é preocupante e de calamidade, tornamo-nos a terceira população encarcerada do mundo, com mais de 775.000 mil prisioneiros nas penitenciárias, mais um depósito humano, semelhante às masmorras da Idade Média. Hoje, no Brasil, 32 crianças são assassinadas, diariamente, sendo que 75% são crianças negras, das favelas e da periferia. Nesse contexto, a cada governo, aferimos índices crescentes e preocupantes de violência e miséria. O governo atual pratica uma política genocida, quando desmonta os programas sociais e dificulta o acesso dessas crianças à escola e afasta as comunidades mais pobres dos benefícios que o Estado dispõe. Na verdade, após 2016, com o atual governo e o anterior, produziu-se um amálgama para que tenhamos uma população inacabada, inadaptada e refratária ao processo civilizatório tornando-se um ambiente fértil para a violência.

O ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei 8069 de 13 de julho de 1990, não é panaceia ou solução, mas um instrumento auxiliar, trouxe resultados positivos, inicialmente, mas não avançou, cujos motivos foram indicados nesse espaço. Será difícil ou impossível construir uma sociedade equilibrada e menos violenta, que passe a ver, efetivamente, a criança e o adolescente como sujeito de direitos, previsto em lei, do contrário, no futuro, não teremos dinheiro para construir presídios, repito. O fenômeno criminalidade juvenil merece ser olhado com urgência e imparcialidade, examinando os locais onde vivem, o grau de vulnerabilidade e da miséria absoluta, fome e analfabetismo, matriz desse desequilíbrio social e da violência. Finalizando, lembro dessa frase: “Mais crianças nas escolas, menos delinquentes e infratores nas Ruas”.


JOSÉ MACEDO – Advogado, economista, jornalista e colunista do jornal Tribuna da Imprensa Livre.