Por Luiz Carlos Prestes Filho

Em entrevista exclusiva ao jornal TRIBUNA DA IMPRENSA LIVRE, o Dr. Luiz Santini, médico que durante dez anos (2005/2015) foi diretor do Instituto Nacional do Câncer (INCA) afirma que a pandemia Covid 19 prova que o Sistema Único de Saúde do Brasil (SUS) precisa ser preservado e fortalecido.

Luiz Carlos Prestes Filho: A rede de saúde pública (SUS) e a rede de saúde privada no Brasil estavam preparadas para enfrentar a pandemia? Quem melhor respondeu ao desafio?

Dr. Luiz Santini: Essa pandemia pegou despreparados tanto o sistema público quanto o privado no Brasil. Na realidade isso ocorreu em todos os países do mundo, por exemplo o reino Unido, a Itália e a Espanha, que possuem sistemas de saúde muito bem organizados, sofreram um grande impacto sobre os mesmos com a pandemia. E por que razão: Por causa da rápida transmissão entre as pessoas, a ausência de medicamentos específicos e a gravidade com que atingiu a um percentual expressivo de pacientes que necessitaram de cuidados intensivos ao mesmo tempo, sobrecarregando os CTIs. Apesar de existirem conhecimentos gerais sobre a família dos vírus Corona, esse especificamente, o Sarscovid 19, tem um comportamento biológico muito distinto atingindo vários órgãos do corpo humano de forma muito agressiva destrutiva.

Prestes Filho: Como administrador hospitalar o senhor considera que era necessário construir hospitais de campanha?

Dr. Luiz Santini: A experiência tem demonstrado que até o momento quem melhor respondeu a pandemia foram os países que seguiram as recomendações da OMS de realizar o isolamento social, os cuidados de higiene pessoal quase obsessivamente, e realizaram a testagem em massa para identificar os contaminados e controlar os comunicantes. Outra requisito fundamental, que o Brasil é um exemplo de fracasso, é a necessidade de Liderança, Confiança e Comunicação clara com base em evidencia cientifica . Nesses requisitos o governo foi irresponsável. Portanto a estratégia brasileira ficou confusa, errática e possivelmente com um paradoxo muito grave com relação a aplicação de recursos financeiros. Houve falta de recursos e ao mesmo tempo desperdício e fraude. Isso tudo agravado por nossa histórica e profunda desigualdade social, de renda e de acesso a bens e serviços. A construção dos hospitais de campanha na maioria das vezes foi mal planejada, muitos ficando ociosos ou até nem chegaram a funcionar, enquanto – por exemplo – parte da rede de hospitais federais do Rio de Janeiro ficou subutilizada. Muitas vezes a não utilização dos hospitais de campanha poderia ser consequência da eficácia das medidas de prevenção, o que seria um bom resultado. Mas acho que não foi o caso no Brasil, infelizmente.

Prestes Filho: O isolamento social e a reabertura do comércio são temas que devem ser debatidos em cada estado, cidade ou distrito separadamente. Foi certa a decisão do STF em autorizar cada estado elaborar o seu plano de combate a pandemia?

Dr. Luiz Santini: Em relação ao isolamento social, enquanto não houver vacina eficaz ou tratamento medicamentoso é a única estratégia para reduzir a incidência e a mortalidade da epidemia no Brasil. Mas é possível respeitar as diferenças regionais e até locais, mas para isso é fundamental seguir protocolos científicos onde a testagem é fundamental. A decisão do STF foi correta, no entanto isso não exclui a importância da liderança nacional e, sobretudo, da mensagem clara pior parte do ministério da saúde, infelizmente há mais de um mês sem ministro e a todo momento confundindo a população diretamente ou por meio da desastrosas declarações e principalmente atitudes irresponsáveis do presidente.

Prestes Filho: Quais foram as consequências da pandemia Covid 19 para o atendimento dos pacientes de câncer e outras doenças crônicas? O Dr. considera que é necessário uma atualização das práticas?

Dr. Luiz Santini: O impacto da Covid 19 em pacientes crônicos e sobretudo em pacientes de câncer está sendo muito grande e será ainda por muito tempo .O INCA acabou de publicar um trabalho cientifico mostrando um aumento da mortalidade de pacientes internados com diversos tipos de câncer por terem contraído a Covid 19 . há vários trabalhos no Brasil e no mundo mostrando uma redução do acesso de pacientes a consultas ,exames e tratamentos de câncer. Além disso, o impacto econômico que toda essa crise irá causar no financiamento dos sistemas de saúde, sobretudo no Brasil que já é subfinanciado será muito grave. O Sistema Único de Saúde do Brasil, o SUS, precisa ser preservado e fortalecido mas vai necessitar de adaptar-se aos novos desafios ,inclusive na relação com o setor privado. Também, para preservar o SUS vai ser necessário um grande investimento em conhecimento, pesquisa em recursos humanos. Sem dúvida que serão necessárias adaptações não só nas práticas, mas também na estrutura, na organização e até no design das organizações de saúde.

Prestes Filho: Como foi para o Dr. – que curou tantos e tantos pacientes do câncer – ter que buscar a sua cura?

Dr. Luiz Santini: Quanto à minha experiência pessoal com o câncer, eu a vivi como procuro transmitir aos pacientes: o câncer se transformou numa doença controlável, não existe uma bala de prata, mas existem opções de abordagem e tratamento de acordo com a evolução da doença. E com o passar do tempo novas oportunidades vão surgindo. Carpe Diem, é o lema.


LUIZ CARLOS PRESTES FILHO – Cineasta, formado na antiga União Soviética. Especialista em Economia da Cultura e Desenvolvimento Econômico Local, colunista do jornal Tribuna da Imprensa Livre. Coordenou estudos sobre a contribuição da Cultura para o PIB do Estado do Rio de Janeiro (2002) e sobre as cadeias produtivas da Economia da Música (2005) e do Carnaval (2009). É autor do livro “O Maior Espetáculo da Terra – 30 anos do Sambódromo” (2015).