Por José Carlos de Assis

Diz-se que a era da internet é a era da comunicação. Falso. A internet, em tempos quando mais se precisa dela, é um embaraço à comunicação social. Isso está claro pelo que se tem visto, na prática, durante a pandemia do coronavírus. Acaso não concorda? Então procure fazer um telefonema, uma live ou, se for ambicioso, uma videoconferência, mobilizando para isso um grupo de amigos ou correligionários. Só com muita dificuldade conseguirá.

Falo de experiência própria. Na condição de jornalista e economista sênior, tenho algum prestígio nessas categorias e mesmo fora delas, inclusive por ter sido o introdutor do jornalismo investigativo no Brasil ainda no regime autoritário. Por esses dias, propus e fiz uma publicidade amadorística de promoção de duas videoconferências e aulas destinadas a denunciar com evidências a omissão do governo diante da crise do vírus e da recessão.

Praticamente ninguém foi. A razão? Surgiu a gravação de outra live e de outra videoconferência na mesma hora. É claro que não houve má fé nisso. As pessoas “tinham” necessariamente que atender a outro compromisso. Mais do que isso, descobri que não há fórmula no tempo para resolver o dilema: se marcar com muita antecedência, o sujeito esquece; se marcar pra em cima da hora, ele é atropelado por outro evento.

As pessoas não estão percebendo bem o alcance ou a extensão desse processo. É, em certo medida, a anulação de um instrumento político formidável nas mãos dos líderes das classes sociais mais baixas, que tem procurado se apropriar da internet, justificadamente, como um instrumento que favorece as maiorias. Na linguagem de Hegel ou de Marx, trata-se de um fenômeno social típico no qual mudanças quantitativas levam a mudanças qualitativas.

Como reorientar esse processo em favor das massas, ou pelo menos evitando que as classes superiores monopolizem a internet funcional a seu favor? É simples. Os líderes dos trabalhadores devem recorrer ao planejamento minucioso do uso de instrumentos virtuais. Assim, se você vai fazer um evento pela deposição de Bolsonaro, planeje com suficiente antecedência e combine com todas as pessoas do mesmo campo para deixar a área virtual aberta, em determinados momentos disponível também para adversários de boa fé.

Além disso, para deixar fluir livremente a informação e elementos de comunicação, é preciso fazer com que todos os potenciais interessados no evento tenham meios prévios para se informarem. Em outras palavras, é o velho release, como comunicação pessoal para convocar o evento, que funciona. Ele deverá permitir que os dirigentes usem uma linguagem comum antes da videoconferência, adiantando as linhas gerais de um eventual manifesto ou proclamação que venham a ser decididos no evento. Em suma, em tempos da internet, este deve ser o espírito da comunicação, se quiser ser funcional para os trabalhadores e seus líderes mais inteligentes.


JOSÉ CARLOS DE ASSIS – Jornalista, economista, escritor, professor de Economia Política e doutor em Engenharia de Produção pela Coppe/UFRJ, autor de mais de 25 livros sobre Economia Política. Colunista do jornal Tribuna da Imprensa Livre. Foi professor de Economia Internacional na Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), é pioneiro no jornalismo investigativo brasileiro no período da ditadura militar de 1964. Autor do livro “A Chave do Tesouro, anatomia dos escândalos financeiros no Brasil: 1974/1983”, onde se revela diversos casos de corrupção. Caso Halles, Caso BUC (Banco União Comercial), Caso Econômico, Caso Eletrobrás, Caso UEB/Rio-Sul, Caso Lume, Caso Ipiranga, Caso Aurea, Caso Lutfalla (família de Paulo Maluf, marido de Sylvia Lutfalla Maluf), Caso Abdalla, Caso Atalla, Caso Delfin (Ronald Levinsohn), Caso TAA. Cada caso é um capítulo do livro. Em 1983 o Prêmio Esso de Jornalismo contemplou as reportagens sobre o caso Delfin (BNH favorece a Delfin), do jornalista José Carlos de Assis, na categoria Reportagem, e sobre a Agropecuária Capemi (O Escândalo da Capemi), do jornalista Ayrton Baffa, na categoria Informação Econômica.