Por Luiz Carlos Prestes Filho

O imaginário da infância muitas vezes determina quem somos na vida adulta. Olhamos para o espelho do nosso passado e dialogamos com o que fomos para buscar a pureza dos sonhos sonhados, a vida de criança que tivemos para seguir adiante.

O livro “Lila em Moçambique” de minha sobrinha, Andreia Prestes, lançado neste mês de junho, confirma essa afirmativa. Ao ter o mesmo em mãos lembrei de Octavio Paz, que certa vez escreveu: “Nos dias atuais todos nós falamos, se não a mesma língua, uma espécie de linguagem universal. Não existe um único centro e o tempo perdeu sua coerência. Leste e Oeste, passado e futuro se misturam dentro de nós. Diferentes tempos e espaços se combinam aqui, agora, tudo de uma vez só.”

As cores das ilustrações são fortes e alegres, por vezes parece que estamos numa feira popular de Maputo, cidade onde Andreia passou a infância. Ela nos convida adentrar nas barracas com frutas exóticas, legumes, sementes, temperos e tecidos estampados, com os mais variados temas étnicos. Existem os momentos de tensão, com explosões e incêndios dos tempos da guerra que viveu com toda sua família. Quando o imperialismo buscava eliminar o revolucionário que liderou a luta pela independência de Moçambique, Samora Machel.

São onze passos poéticos, através dos quais aprendemos as palavras: capulana; we gomara; xichangana; ni ma; ni marabenta; ni ma pompa; kanimambo; lichile; hoyo; e tunduro. Palavras que desconhecemos nos Brasil, que abraçavam e abraçam a autora e leva o leitor a estudar cuidadosamente a etimologia de cada uma. Aqui pensei, poderia ter um glossário no final.

Pelo agradecimento que Andreia faz a aclamada escritora Sonia Rosa, no início do livro, pensei que a escrita era direcionada somente para crianças. Sim, é… mas, também, não é. A obra pode ser degustada por aquele adulto que deseja voltar para sua infância. Que busca na memória as cores, os sabores e os sons, quando vivia guardado pelos seus pais e avós.

Este livro é autobiográfico, cada página nos faz entrar no espelho da autora. Ela nos leva pelas mãos. Com elegância prova que não existem as fronteiras culturais ou físicas que separam Moçambique do Brasil. O Oceano Atlântico, as línguas, as cores, os sons, os anos que se passaram não são barreiras. Por isso, despeja sobre o leitor: “Tudo de uma vez só.”


LUIZ CARLOS PRESTES FILHO – Cineasta, formado na antiga União Soviética. Especialista em Economia da Cultura e Desenvolvimento Econômico Local, colunista do jornal Tribuna da Imprensa Livre. Coordenou estudos sobre a contribuição da Cultura para o PIB do Estado do Rio de Janeiro (2002) e sobre as cadeias produtivas da Economia da Música (2005) e do Carnaval (2009). É autor do livro “O Maior Espetáculo da Terra – 30 anos do Sambódromo” (2015).