Por Luiz Carlos Prestes Filho

No romance de Nikolai Gogol, escrito entre 1835/1841, com o título “Almas Mortas”, assistimos a venda de escravos mortos, por preços bem baixos, como se vivos estivessem. Ao contabilizar no papel esses trabalhadores mortos como vivos, o comprador, Chichikov, se apresenta como um fazendeiro de sucesso que, por ter uma quantidade extraordinária de escravos, pode buscar crédito no mercado.

Passaram-se mais de 170 anos da publicação desta obra clássica da literatura russa. Mas parece que, em muitos casos, a natureza humana continua sendo a mesma.

No Brasil, quando foi proibido o trafico negreiro, fazendeiros resolveram investir na reprodução de escravos. Mantinham centenas de mulheres negras em cativeiro. Estas eram submetidas a relações sexuais forçadas para engravidar. Quando as crianças nasciam, eram retiradas das mães, depois do período vergonhosamente chamado de “engorda”. Em seguida, eram vendidas no mercado de compra e venda. A lei permitia, não eram negros importados. Somente em 1871, com a assinatura da Lei do Ventre Livre pela Princesa Isabel, que a situação começou a mudar.

O que essas duas histórias tem em comum? Penso que demonstram como aqueles que buscam o poder e o dinheiro acreditam que tudo vale a pena a qualquer custo. Mas será que vender almas mortas ou vender almas vivas, atuando dentro dos limites da lei, inocenta frente à ética, à moral… ao amor?

Não podemos banalizar nem a vida e nem a morte de seres humanos. Não podemos brincar com números para justificar ações governamentais ou empresariais.

Costumo lembrar que o Brasil, que participou da luta contra o fascismo na Europa, durante a II Guerra Mundial, teve 492 baixas. Será que a dor de uma mãe brasileira foi menor do que aquela sentida por uma mãe russa? Dor menor porque foram 20 milhões de russos mortos naquele conflito armado mundial? Não, a dor não pode ser medida por números.


LUIZ CARLOS PRESTES FILHO – Cineasta, formado na antiga União Soviética. Especialista em Economia da Cultura e Desenvolvimento Econômico Local, colunista do jornal Tribuna da Imprensa Livre. Coordenou estudos sobre a contribuição da Cultura para o PIB do Estado do Rio de Janeiro (2002) e sobre as cadeias produtivas da Economia da Música (2005) e do Carnaval (2009). É autor do livro “O Maior Espetáculo da Terra – 30 anos do Sambódromo” (2015).