Por Luiz Carlos Prestes Filho

Quando pergunto para a atriz, cantora, liderança do Movimento Negro e gestora de Direitos Autorais Musicais, Zezé Motta, sobre as mudanças ocorridas no Brasil nos últimos dois anos ela responde de imediato: “Mudanças? Cultura? O que menos se vê nesse país hoje são mudanças positivas e cultura. Infelizmente temos um Presidente da República que está mais preocupado em munir a população com armas de fogo do que investir em equipamentos culturais para o povo.” Em entrevista exclusiva, para o jornal Tribuna da Imprensa Livre, uma das mais populares artistas da televisão e do cinema brasileiro reafirma sua disposição em continuar a desenvolver sua arte e a lutar por um Brasil mais justo e igualitário, pela harmonia das etnias e das culturas reunidas historicamente em nosso território: “Sou otimista e acredito na força das artes, principalmente na força da arte brasileira.”

Luiz Carlos Prestes Filho: Como está sendo para a inquieta e criativa Zezé Motta o isolamento social que veio com a Covid 19?

Zezé Motta: Já passei por todas as fases acho… Perdi a minha mãe . Ela teve pneumonia, seguida de parada cardíaca. Meu irmão teve Covid-19 e ficou internado 30 dias no hospital. Quase entrei em depressão… Além de estar trabalhando, estou praticando pilates – virtualmente – três vezes por semana e ligando frequentemente para os meus amigos, principalmente para aqueles que eu sei que estão sozinhos. Comecei a fazer terapia virtual, esta sendo ótimo. A demanda aumentou muito, por incrível que pareça, nos últimos dois meses tenho trabalhado mais que antes. Mas não posso reclamar da vida, graças a Deus tem surgido muito trabalho. Isso me mantêm ocupada, quando vejo acabou o dia, passou mais uma semana, mais um mês, quando eu vejo já é setembro…

Ruth de Souza e Zezé Motta em foto de 1984, ano em que interpretaram Jussara e Sônia, mãe e filha em ‘Corpo a Corpo’ (Foto: Globo / Divulgação)

Prestes Filho: Foi possível obter resultados concretos do ponto de vista artístico? Acompanhou as mudanças ocorridas para a cultura desde a posse do presidente Jair Bolsonaro?

Zezé Motta: Mudanças? Cultura? O que menos se vê nesse país hoje são mudanças positivas e cultura. Infelizmente, temos um presidente da República que está mais preocupado em munir a população com armas de fogo do que investir em equipamentos culturais para o povo. Cultura e educação transformam um país, principalmente a vida dos mais pobres. Temos lugares no Brasil que ainda não tem teatro, salas de cinema, museus, bibliotecas e centros culturais. Não tivemos ainda um secretário nacional de cultura para que surgissem mudanças. Temos um presidente que não valoriza a nação, então como podemos falar em mudanças? É muito triste o que estamos vivendo hoje, em pleno ano 2020, mas sou otimista e acredito na força das artes, principalmente na força da arte brasileira.

A cantora Zezé Motta, ‘Dengo’ – Selo: Wea Music (Divulgação)

Prestes Filho: Grandes mudanças aconteceram no cenário internacional para com o Movimento Negro e a luta contra o racismo. Você tem acompanhado o Movimento Negro no Brasil?

Zezé Motta: Sou uma das fundadoras do Movimento Negro Unificado (MNU), no início dos anos 70, e desde então, houve alguns avanços, embora a gente tenha muita luta pela frente. Sou do tempo que em novela tinha apenas dois ou três atores negros, que faziam sempre papéis subalternos. O problema não era fazer empregados, mas é que esses personagens viviam a reboque. Essa era a questão, não tinham uma história própria, estavam a serviço de outros personagens. Então, se a gente faz uma comparação, vamos ver que houve avanços, mas ainda somos poucos em muitos departamentos. Há questões no Brasil que não funcionam por erros básicos. A começar pela legislação, que é falha. Quando sai uma lei a favor dos negros, fica todo mundo dizendo que é paternalismo, esquecem onde estão os negros: nas prisões, nas favelas, morando em encostas. Na verdade, o erro vem desde a abolição, quando abriram as portas das senzalas sem ter um programa para que essas pessoas tivessem uma vida digna. Os negros, então, ficaram sem casa, comida e cultura. Uma coisa perversa. O Brasil tem uma dívida com as populações negra e indígena. As cotas podem minimizar esses erros históricos. Vejo a questão das cotas como uma medida provisória. Se esse negro que for beneficiado, tiver uma boa preparação, ele não vai precisar de cotas para o seu filho. O Dia da Consciência Negra foi um avanço, celebrado em 20 de novembro, é uma das grandes conquistas do movimento negro, do qual eu faço parte desde os anos 1970. É uma grande vitória porque, antes dessa conquista, se referiam a Zumbi como um baderneiro. Não era dada a ele a importância que ele teve para o país, que foi a luta pela liberdade, nem o status de herói. Ele era apresentado como um bandido! Então foi uma conquista porque hoje em dia o pessoal vê o Zumbi com outros olhos, conhece a história do Zumbi de outro ângulo, que é o ângulo verdadeiro, de um herói da liberdade. Para que se faça justiça com o negro, com o índio, com os quilombolas, a história do Brasil tem que ser reescrita. Está tudo errado, tudo invertido, tudo misturado, tudo ajeitadinho da maneira que interessa para “eles” e “aqueles”. Negro não incomoda quando ele não compete com o branco. O negro não incomoda, por exemplo, quando ele não tenta entrar na Faculdade. Enquanto houver racismo, temos que nos reunir, discutir, denunciar, dar cotovelada e combatê-lo. No início do MNU, parte da sociedade dizia que os militantes estavam criando uma “discriminação ao contrário”. Quando o movimento negro surgiu, nos anos 1970, nós fomos acusados de estar importando um problema que não tínhamos no Brasil e que só existia nos Estados Unidos.

Em 1976, o diretor Cacá Diegues lança “Xica da Silva”, seu maior sucesso de público (Divulgação)

Prestes Filho: Qual a importância das políticas públicas e empresariais para a cultura e para a educação?

Zezé Motta: É mais que fundamental. Sem políticas públicas e empresariais claras não existe um sistema que faça gerir alguma coisa boa em prol da população e principalmente dos menos favorecidos. Mas, é preciso de mais investimentos e uma devida atenção para o tema.

Prestes Filho: Seus planos, suas ações para o futuro?

Zezé Motta: O futuro a Deus pertence, risos, mas tenho sim planos! Amo o que faço. Fico em estado de graça quando estou atuando e representando. Enquanto tiver saúde quero continuar viajando por esse país e levando minha arte. Para o futuro penso muito em me dedicar, também, a direção de shows, de teatro e até de cinema. São 54 anos produzindo, a gente vai ganhando um olhar sobre as coisas. Já estive na direção de alguns projetos, mas para o futuro penso muito em focar mais nisso.

Zezé Motta com a jornalista Iluska Lopes após o show do cantor Agnaldo Timóteo no Tijuca Tênis Clube, ano 2008 (Foto: Daniel Mazola/TIL)

Prestes Filho: Arrecadação de direitos autorais musicais diminuiu em 50% como reverter essa situação?

Zezé Motta: Sem dúvida nenhuma esse rombo de 50% na arrecadação dos direitos autorais, que é feita regularmente pelo Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (ECAD), é uma tragédia. Como reverter esta situação? Somente os profissionais ligados às sociedades autorais, que defendem os direitos dos compositores, letristas, arranjadores, músicos e interpretes poderão responder com exatidão. Sou da Diretoria Executiva da Sociedade Brasileira de Administração e Proteção de Direitos Intelectuais (Socinpro), fundada em 1962. Temos uma trajetória de muitas lutas em defesa e proteção do Direito autoral no país. Minha preocupação imediata nesse momento é com os artistas que estão fora da grande mídia, que não tem contrato com gravadoras, que trabalham na noite. Durante todo esse período oferecemos uma ajuda de custo esses nossos associados. Mas sei que é uma solução paliativa, não resolve. A cada dia está ficando mais e mais complicado. Até porque não temos ideia quando o mundo vai voltar ao normal.

Em 2019 no Especial de Natal da TV Globo ‘Juntos a Magia Acontece’ (Divulgação / TV Globo)

Prestes Filho: Quais deveriam ser as principais reivindicações nas próximas eleições para prefeito e para vereador?

Zezé Motta: Cultura e educação, sem sombra de dúvidas! Igualdade. Que os futuros membros do executivo e os legisladores municipais de todo o Brasil cuidem do nosso Meio Ambiente. Que olhem para os Índios. Que as cidades localizadas na Amazônia, cuidem da Amazônia. O mesmo desejo para aqueles municípios localizados no coração do Cerrado, da Caatinga, dos Pampas Gaúchos, da Mata Atlântica e do Pantanal. Enfim, a lista é longa.


LUIZ CARLOS PRESTES FILHO – Cineasta, formado na antiga União Soviética. Especialista em Economia da Cultura e Desenvolvimento Econômico Local, colunista do jornal Tribuna da Imprensa Livre. Coordenou estudos sobre a contribuição da Cultura para o PIB do Estado do Rio de Janeiro (2002) e sobre as cadeias produtivas da Economia da Música (2005) e do Carnaval (2009). É autor do livro “O Maior Espetáculo da Terra – 30 anos do Sambódromo” (2015).