Por Pedro do Coutto –

A campanha do ex-presidente Lula da Silva, que deveria ter comparecido ao debate de sábado no SBT, mas se ausentou, concentra-se na transferência de votos hoje com Ciro Gomes, os quais ele espera que no amanhecer do próximo domingo voltem-se a seu favor, permitindo que alcance a maioria absoluta, o que basicamente exclui a perspectiva sombria de um segundo desfecho tumultuado.

No O Globo e na Folha de S. Paulo de domingo, Elio Gaspari lembrou que os votos de Ralph Nader, dissidente do Partido Democrata na Flórida, impediram a vitória de Al Gore sobre George W. Bush. São diferenças mínimas que mudam o curso da história. Episódio semelhante aconteceu em 1968, quando o governador do Alabama, George Wallace, rompeu com o Partido Democrata e se candidatou à Presidência dos Estados Unidos.

MUDANÇAS – Teve 10% dos votos, venceu em três estados do Sul e com isso assegurou a eleição de Richard Nixon. Se vencesse em mais um estado, bloquearia a maioria absoluta do Colégio Eleitoral e levaria a decisão final para o Congresso Americano, entre o primeiro e o segundo mais votado. Mudou o curso da história.

Quatro anos depois  do episódio do Watergate na reeleição de Nixon, Richard Nixon havia perdido em 1960 para John Kennedy e tentou o governo da Califórnia em 1962. Perdeu para o governador Edmund G. Brown e anunciou o fim de sua carreira política. Mas seis anos depois, o Partido Republicanos encontrava um vazio em suas forças, Nixon ressurgiu e Wallace de forma indireta ajudou-o a chegar à Casa Branca.

ELEIÇÕES PARA A GUANABARA  – São diferenças mínimas que levam a espaços imensos nos quadros políticos. No Brasil, por exemplo, em 1960, houve eleições para governador do Estado da Guanabara. Disputaram Carlos Lacerda pela UDN, Sérgio Magalhães pelo PTB, Tenório Cavalcanti pelo PRT e Mendes de Moraes pelo PSD.

A eleição foi duríssima com um milhão de eleitores, Lacerda venceu por 2,4%. Sérgio cresceu muito no final da campanha, como sempre ocorre pelos segmentos de renda menor. Jango candidato a vice não veio ao Rio apoiar Sérgio. Brizola também não, e participou da campanha do PTB. JK estava no auge do prestígio no final de seu mandato, mas minimizou a importância da vitória de Lacerda.

RECEIO – Jango e Brizola não participaram, pois no fundo não queriam o surgimento de mais uma liderança no universo trabalhista. Tenório Cavalcanti era linha auxiliar de Carlos Lacerda. Teve 220 mil votos junto ao eleitorado de menor renda que sem o Homem da Capa Preta, como era conhecida, faria com que pelo menos 70% dos seus votos fossem para Sérgio Magalhães.

A vitória de Lacerda por diferença mínima projetou um quadro máximo contra a posse de Jango e na formação da base política para o golpe de 31 de março de 1964. Seguiram-se a cassação de Juscelino, de Jango e Brizola,  e 21 anos de ditadura militar. Lances mínimos reproduzem-se em cenários máximos.

MÃO-DE-OBRA – Excelente reportagem de Cássia Almeida e Caroline Nunes, O Globo de ontem, revela que quase 70% da mão-de-obra ativa brasileira ganham até dois salários mínimos. São 70% de 99 milhões de homens e mulheres. Trinta e nove milhões trabalham sem carteira assinada. Os dados são da pesquisa nacional por amostra de domicílios do IBGE.

São esses eleitores – agora, digo – que decidirão as eleições de domingo. Daí, a vantagem se descortina para Lula da Silva. O desemprego recuou, mas Bruno Imaizumi da Consultoria Tendências revela que caiu a renda do trabalho. Em 2019, 27 milhões de trabalhadores e trabalhadoras ganhavam até um salário mínimo. Atualmente, são 37%.

REAJUSTE – Esses 37% representam 35,5 milhões de pessoas. Um dos motivos, acrescento, de ter se ampliado a faixa dos que ganham até um salário mínimo está também no fato de que o salário mínimo é o único salário no país reajustado nos meses de janeiro de acordo com a inflação do IBGE. Claro, esta inflação é menor do que a verdadeira, como todos sentem. Mas é a única existente, reajustada de forma automática e é maior do que todos os demais reajustes no país.

No serviço público federal, por exemplo, há quatro anos não há um reajuste sequer. As perdas acumuladas atingem 25%. Até agora, só o Supremo Tribunal Federal propôs reajustar seus funcionários em 18,7%, o que não repõe as perdas inflacionárias acrescidas pelo aumento indireto do Imposto de Renda, uma vez que os valores recolhidos na fonte não têm incluído as correções anuais.

Neste quadro salarial absurdo é onde se realizam as eleições de domingo.

Pedro do Coutto é jornalista.

Enviado por André Cardoso – Rio de Janeiro (RJ). Envie seu texto para mazola@tribunadaimprensalivre.com ou siro.darlan@tribunadaimprensalivre.com


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