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Vinicius, o embaixador do Brasil (O texto abaixo sobre Vinicius dedico agora aos 80 anos de seu grande amigo Chico Buarque) – por Ricardo Cravo Albin
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Vinicius, o embaixador do Brasil (O texto abaixo sobre Vinicius dedico agora aos 80 anos de seu grande amigo Chico Buarque) – por Ricardo Cravo Albin

Por Ricardo Cravo Albin

Ando onde há espaço, meu tempo é quando (Vinicius 1931-1980)

Acabo de receber das mãos do embaixador Jeronimo Moscardo o livro que enuncia o titulo acima, já que havia deixado meus dois únicos exemplares na Universidade de Nova York, quando lá havia feito um seminário sobre o letrista Vinicius.

Este livro celebra sua promoção a embaixador da Republica em 2010, uma iniciativa que comoveu o país. E que teve em Moscardo, então presidente da Fundação Alexandre de Gusmão, um dos seus essenciais propulsionadores, ao lado do então chanceler Celso Amorim.

Vinicius de Moraes e Tom Jobim, provavelmente, no Bar Veloso – atual Garota de Ipanema -, onde Vinicius constumava beber com os amigos e compor suas músicas

Convidado, elaborei para o livro um extenso texto, cuja primeira parte publico agora:

“Dizer-se que a música popular brasileira é devedora – e muito – da poesia e da presença de Vinicius de Moraes é quase lugar-comum, repetido à exaustão em todos os manuais escolares. Menos usual, contudo, é dizer-se que se deve também à passagem de Vinicius pela MPB a inconveniência do apelido, “Poetinha”, que lhe fora pespegado ao começo dos anos sessenta por duas razões. A primeira, pela maneira renitentemente carinhosa do poeta em usar e abusar do diminutivo “inho”, aplicado a amigos, parceiros e até objetos do seu universo afetivo, como, por exemplo, o uisquinho, ou a cervejinha. E, finalmente, porque alguns amigos seus, jornalistas e cronistas do porte de Sérgio Porto e Antônio Maria, começaram a acarinhá-lo em citações e até crônicas pelo diminutivo, no exato momento em que sua popularidade pessoal subia à estratosfera, alavancada pela consagração mundial da bossa nova, a partir de 1962. Eu sempre considerei a palavra “poetinha” preconceituosa.

De início, ela era um afago apenas admissível aos mais íntimos. Depois, contudo, passou a ganhar a força dramática do próprio diminutivo, servindo, muitas vezes, para uma interpretação caolha e até maligna da obra, da poesia e até da pessoa do grande poeta, um ser humano superlativo. Ou seja, a ideia de “poetinha” passaria a ser suspeita, quase sinônimo, para muitas pessoas, de poeta decadente, de bicão da literatura, de pândego, até de bufão de parolagens ou de festas etílicas em que se celebrassem, noite e dia, a indigência intelectual e as farras mais grosseiras. Ao menos, nessa exata acepção de menosprezo e repugnância, a palavra “poetinha” teria sido dita pelo General Presidente Costa e Silva ao então Ministro das Relações Exteriores, José de Magalhães Pinto, quando o desligou da carreira diplomática. Um caudilho de ocasião cortava-lhe abruptamente a profissão, que ele cumprira com prazer décadas a fio e da qual retirava seu sustento pessoal. Com efeito, tendo em vista o que constava do processo MRE 312.4/ 69, Vinicius foi aposentado em 29 de abril de 1969, pelo Ato Institucional nº 5, de 13 de dezembro de 1968, como primeiro secretário da Carreira de Diplomata. O ato colocava um ponto final a uma série de insatisfações do poeta com o governo militar, no poder desde 1964. O fato é que nesse período – 1964 a 1969 – o reconhecimento público a Vinicius como compositor e cantor o elevara a uma posição única. Ele não era apenas o grande poeta de antologia, incensado pela crítica e pelos cadernos literários, mas também uma sólida liderança no meio musical do país, que vivia então um momento culminante, galardoado pelos polêmicos festivais da canção.

Da esquerda para a direita: Antonio Carlos Jobim, Vinicius de Moraes, Ronaldo Bôscoli, Roberto Menescal e Carlos Lyra, provavelmente, no apartamento de Vinicius de Moraes

Essa febre dos festivais começara nos meses iniciais de 1965, quando a televisão Excélsior de São Paulo lançou o primeiro deles, cujo ganhador seria, nada mais, nada menos, que Vinicius. A música intitulava-se “Arrastão” e nela o já consagrado letrista lançou Edu Lobo, um jovem cantor e compositor de quase vinte anos, filho do seu amigo de tertúlias musicais desde o começo dos anos 50, o jornalista e compositor Fernando Lobo. Para surpresa geral, e também para consagração de Vinicius, o segundo lugar do mesmo festival ficou com “Valsa dos anos que não vêm”, interpretada pela cantora Elizeth Cardoso e que era uma parceria sua com Baden Powell, violonista excepcional com quem ele começara a fazer música três anos antes. Vinicius, é verdade, só ganharia o primeiro dos festivais, mas sempre estimulava novos e antigos parceiros a inscrever suas músicas. O último dos grandes festivais, a meu juízo, seria o Internacional da Canção do Rio, transmitido para o Brasil e para o mundo pela já poderosa TV Globo. Ali, travou-se a batalha musical entre “Sabiá” (de Chico Buarque e Tom Jobim) e “Caminhando” (de Geraldo Vandré).

Vinicius estava no Maracanãzinho, torcendo discreta mas fervorosamente pelos amigos e parceiros Tom e Chico. Em determinado momento dirigiu-se ao júri, do qual eu fazia parte ao lado de outros amigos dele, como Eneida, Paulo Mendes Campos e Ary Vasconcellos, e me segredou com a doçura e delicadeza habituais: “– Olha, eu tenho certeza de que você vota no “Sabiá” apenas pela qualidade inquestionável da música. O meu medo é que os ânimos políticos estejam exacerbados e que a Eneida ou o Paulinho (Mendes Campos) e até o Ary, ou mesmo o Alceu Bocchino, votem politicamente no Vandré. E aí Tom e Chico se estrepam.” Vinicius concluiu com sabedoria sua fraterna recomendação: “Convença-os de que politicamente nós todos estamos ao lado do Vandré. Mas musicalmente nós temos que estar com Tom e Chico. Até porque isso é um festival de música. E se o público daqui quer a política e não a música, o público vai ficar ainda mais contra a ditadura, se o júri der o prêmio à música e não à política”.

Vinicius estava certo. Tudo o que previra foi o que aconteceu. Vandré perdeu, Tom e Chico ganharam, embaixo da mais injusta vaia que registra a história da música popular brasileira.

Bar Veloso. O bar funcionou de 1945 a 1967 na extinta rua Montenegro 49 em Ipanema. Hoje o endereço abriga o Garota de Ipanema e rua se chama Vinicius de Moraes

E “Caminhando – Pra dizer que não falei de flores” acabou por se transformar num dos estopins da decretação do AI-5, que fez exilar centenas de brasileiros, inclusive boa parte dos envolvidos no festival. Além de castrar a carreira diplomática do já considerado maior letrista da MPB em seu tempo, o poeta Vinicius de Moraes. (Continua no próximo texto).

RICARDO CRAVO ALBIN – Jornalista, Escritor, Radialista, Pesquisador, Musicólogo, Historiador de MPB, Presidente do PEN Clube do Brasil, Presidente do Instituto Cultural Cravo Albin e Membro do Conselho Consultivo do jornal Tribuna da Imprensa Livre. Em função das boas práticas profissionais recebeu em 2019 o Prêmio em Defesa da Liberdade de Imprensa, Movimento Sindical e Terceiro Setor, parceria do Jornal Tribuna da Imprensa Livre com a OAB-RJ.

Envie seu texto para mazola@tribunadaimprensalivre.com ou siro.darlan@tribunadaimprensalivre.com


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