Por Ricardo Cravo Albin

“Até que ponto vão as mentiras cabeludas nesta sala?”. (Senador Omar Aziz, Presidente da CPI).

De fato, não há como fugir da fatalidade que é repetida por quase cem por cento dos que tentam analisar este país: O Brasil é cada vez mais o país dos paradoxos, que se sobrepõem uns aos outros. É de farto reconhecimento mundial que as vacinações sempre nos levaram a um destaque de excelência, de pioneirismo e de sucesso por décadas a fio. Por que então o negacionismo do Chefe da Nação em não ter se vacinado? O que ainda nos causa certo desconforto mesmo para quem torce por ele com fervor? O constrangimento provocado por esse fato em Nova York ainda não se apagou da memória afetiva do país. Isso poderia ser irrelevante não fosse a significação mítico-histórica que um Presidente, como o imperador, ou rei, ou até um ditador sanguinário sempre exercerá sobre o país que lidera. Ele é o chefe, é o Pai da Pátria, é o exemplo de mando a ser absorvido até pela pele (como creio que o Da Matta ressaltou) pelos cidadãos comandados.

Pois bem, compartilho agora com nossos leitores minha extrema preocupação com a queda da vacinação das crianças brasileiras. Ainda estamos mergulhados no Coronavírus, depois de quase dois anos de terror, depois da sofreguidão da maioria da população pela busca desesperada de se vacinar. Agora chegam notícias desoladoras. As de que se agrava a tendência observada desde 2015, de queda nos percentuais de aplicação das vacinas contra pólio, sarampo, caxumba, hepatite, tuberculose e outras tradicionalmente previstas, sempre com sucesso no calendário de nossas crianças. Os especialistas nos alertam – fartos de razão- de que a luta justíssima contra a Covid 19 pode ser sucedida por surtos de doenças que já estão à beira da extinção. É o caso da pólio, tema célebre de campanhas de marketing com o Zé Gotinha a frente, em passado nem tão remoto assim. Em 2015 a vacinação contra a terrível pólio cobriu quase 100% das crianças até um ano. Pasmem vocês agora: em 2020 a cobertura caiu para 73,8%. E, de acordo com estatísticas de infectologistas, a cobertura neste 2021 ficará abaixo dos 70%. Meu Deus, deu a louca neste país! O temor é que a queda na vacinação possa trazer epidemias praticamente extintas em retorno devastador. O que já aconteceu com o sarampo altamente contagioso. Considerado erradicado por aqui em 2016, voltou a atacar e matar.

No ano passado foram verificados casos, por conta da vacinação infantil deficiente em 21 estados da União.

Segundo a Fiocruz, o buraco aberto pelo desinteresse da vacinação infantil terá dois fatores a preponderarem. Primeiro a degradação do outrora campeão -um orgulho do país- o Programa Nacional de Imunização (PNI), agora sucateado pela gestão insuficiente do Ministério da Saúde. Logo o PNI! Um raro exemplo internacional de eficiência na erradicação da varíola, da pólio, da febre amarela, ou do sarampo. A segunda é que o desinteresse pela vacinação provoca o óbvio, a falta de campanhas públicas de combate à desinformação. Não há por que não sugerir ao Presidente uma declaração pública (e urgente) de apelo a favor das crianças indefesas deste país. É só reservar um minutinho na Rede Nacional de emissoras…

No caso da Covid 19, os veículos de imprensa se uniram para impor à população ampla campanha publicitária, a favor da urgentíssima imunização, ampla, geral e irrestrita dos adolescentes, nossos filhos e netos. Finalmente agora estendida, mesmo com restrições dos setores negacionistas de sempre. Um ganho assegurado pela Justiça há pouco tempo.

Agora, registro que meu programa favorito de TV, as sessões às tardes da CPI da Covid nesses últimos meses, está por se encerrar. Como acentuo no prólogo do meu livro recém-lançado “Pandemia e Pandemônio” (Editora Batel), a CPI deverá fornecer um balanço aproximado de todos os acontecimentos trágicos, sempre desoladores (600 mil mortes atordoam qualquer país), outros tantos, os casos de corrupção levantados, são tristes, muitíssimo tristes.

O que nos faz cobrar uma atenção generalizada por parte do país como um todo. Em especial do governo, de que se espera cuidados especiais ao receber eventuais denúncias. Que infelizmente devem ocorrer.

RICARDO CRAVO ALBIN – Jornalista, Escritor, Radialista, Pesquisador, Musicólogo, Historiador de MPB, Presidente do PEN Clube do Brasil, Presidente do Instituto Cultural Cravo Albin e Membro do Conselho Consultivo do jornal Tribuna da Imprensa Livre. Em função das boas práticas profissionais recebeu em 2019 o Prêmio em Defesa da Liberdade de Imprensa, Movimento Sindical e Terceiro Setor, parceria do Jornal Tribuna da Imprensa Livre com a OAB-RJ.


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