Redação

A pandemia de coronavírus começou a atingir com força as comunidades carentes no Brasil. Somente até a última terça-feira (7), na favela da Rocinha, no Rio de Janeiro, já havia registro de cinco mortos pela doença. Até o momento o Rio de Janeiro registrou 122 óbitos pela doença.

O cenário tende a ser ainda mais grave nas favelas, que, em grande medida, contam com casas de cômodos pequenos e com mais de três pessoas por quarto, segundo levantamento da ONG Casa Fluminense. Em relatório divulgado em seu site, a organização reitera o conselho da Organização Mundial da Saúde (OMS) e do Ministério da Saúde, de que a população deve priorizar o distanciamento social e o isolamento domiciliar como estratégias eficazes para conter o avanço da disseminação do coronavírus.

Porém, o mesmo relatório apresenta o contexto do adensamento populacional excessivo nas periferias da região metropolitana do Rio de Janeiro. “Dados produzidos pela Casa Fluminense, a partir do Censo 2010 e do Índice de Progresso Social 2018, apontam que 300 mil casas na região metropolitana do Rio de Janeiro têm mais de 3 pessoas por quarto”, aponta a ONG.

Como exemplo, a entidade mostra a situação do município de Japeri, na Baixada Fluminense, que “possui o maior adensamento habitacional excessivo, com 14% dos domicílios nesta condição. A favela do Jacarezinho, na zona norte do Rio, lidera entre as regiões administrativas da capital, seguido por Maré, Rocinha, Cidade de Deus, Zona Portuária e Santa Cruz”.

O coordenador da pesquisa, Vitor Mihessen, aponta que a falta de acesso a direitos não vem de hoje e que, diante da pandemia de covid-19, não é diferente. “A pandemia tem escancarado as desigualdades nas metrópoles, o indicador de adensamento habitacional excessivo do Rio ajuda a mostrar que é preciso assegurar habitação adequada e renda básica para a população permanecer em distanciamento social”, aponta Vitor.

As favelas no Brasil abrigam 5,2 milhões de mães, com média de 2,7 filhos cada uma.

“Quando a gente fala evitem aglomerações,tem uma quantidade enorme de pessoas que vivem em famílias numerosas em casas de um único cômodo. Essas pessoas ao ficarem em casa estão aglomeradas”, alertou o deputado federal Marcelo Freixo (Psol-RJ), para a TV Câmara na terça-feira (8).

Não é à toa que levantamento do Instituto Locomotiva, em parceria com Data Favela, mostra que 75% dos moradores de favelas se sentem muito preocupados com sua saúde diante da pandemia de coronavírus. Mas quando se trata de parentes idosos a preocupação aumenta, chegando a 90%.

Os pais também sentem medo de transferir a doença aos filhos. No total, 82% dos entrevistados se disseram muito preocupados em transmitir covid-19 aos filhos.

Barriga vazia

Além do vírus, a pandemia atingirá as comunidades carentes em outros pontos. Segundo o levantamento, ao menos 60% dos moradores de favelas ficarão sem ter o que comer em uma semana, caso não haja uma intervenção estatal.

O mesmo levantamento chama a atenção para o fato de que, praticamente nenhum dos 1.808 entrevistados, residentes em 269 favelas, têm alimento para um mês. A pesquisa foi feita no último fim de semana.

Usado politicamente por apoiadores de Jair Bolsonaro para contrariar o isolamento horizontal – única medida defendida pela OMS como eficaz para conter a pandemia -, o fato de que muitos moradores de periferia precisam sair de suas casas para ir atrás do alimento de cada dia também foi apontado pela pesquisa. Oito em cada dez moradores de favelas no país precisam sair das comunidades para conseguir alimentos e itens de higiene.

Ceilândia é um espelho do Brasil

Para o coordenador pedagógico na Rede Urbana de Ações Socioculturais (RUAS), Max Maciel, um mês após o decreto que regulou a quarentena do Distrito Federal, as famílias da periferia do DF começaram a afrouxar o isolamento. Max é morador de Ceilândia, onde, segundo o Anuário do DF, 20% das famílias seguem sem acesso ao saneamento básico.

É em Ceilândia que fica Sol Nascente, conhecida como maior favela horizontal da América Latina. Segundo o Censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Sol Nascente tem 56.483 moradores.

“A maioria das nossas pessoas está na informalidade, elas precisam do dia a dia para fazer renda, porque comercializam algo, ou para fazer bico. Eu estou falando de camelô, de empregada doméstica, de pedreiro… Essas pessoas pararam nos primeiro 15 dias, com o mínimo de reserva possível e a partir dali começou a criar um sentimento de ‘eu não vou dar conta de segurar a quarentena'”, conta Max.

O ativista social diz ter visto na prática o quão prejudicial foram as falas do presidente Jair Bolsonaro, que desaconselhou o isolamento social. “Ele chegou a visitar Ceilândia, há uns dois domingos atrás. Ele veio na cidade, parou na rua, parou no centro, foi no mercado. A partir desse momento a gente percebeu que as pessoas começaram a afrouxar a quarentena”, afirma Maciel.

Ceilândia já surgiu como fruto da desigualdade social. O seu surgimento, segundo conta nos documentos públicos do governo do DF, foi em decorrência da Campanha de Erradicação de Invasões (CEI), que foi o primeiro projeto de erradicação de favelas realizado no Distrito Federal pelo governador Hélio Prates. As remoções para a nova cidade foram iniciadas em 27 de março de 1971, estabelecendo a data de sua fundação a partir da transferência de, aproximadamente, 80.000 moradores de antigas favelas.

Hoje, apenas 1/3 dos moradores de Ceilândia trabalham no local, os trabalhadores, em grande medida, no Plano Piloto, e é justamente na região central de Brasília que está mais de 50% dos casos de coronavírus do Distrito Federal.

“A nossa média no Distrito Federal é de três a quatro pessoas por família. Em Santa Luzia, por exemplo, que é uma invasão na Estrutural, as casas são só com sala, cozinha e banheiro. As salas viram quarto a noite. A pessoa não tem como isolar seus parentes. Por isso que o nosso maior medo dessa epidemia chegar na periferia é por esse fator”, declara Max.

Renda Básica Universal

Para o ativista social, a renda emergencial que começa a ser paga nesta quinta-feira (9) pelo governo, dez dias depois de ter sido aprovada pelo Congresso Nacional, pode ajudar a manter as pessoas em casa novamente, porém, além da mudança de discurso do presidente da República, Max acredita que esse seja o momento do país pensar em programas permanentes de renda básica.

Maciel atenta para os fatos de que os moradores de rua do país seguem sem ter acesso a nenhum tipo de ajuda estatal, o que pode fazer com que haja um aumento dos casos de violência nas ruas brasileiras.

Campanha de arrecadação

Outro setor desprovido de assistência durante a pandemia é o cultural, em especial, entre os fomentadores culturais periféricos, que muitas vezes não trabalham com nenhum tipo de registro. Para ajudar essas pessoas, o ativista criou uma campanha de financiamento coletivo, que visa a fornecer vales emergenciais de gás, açougue e hortifrúti aos profissionais da cultura que se cadastraram nos formulários do RUAS.

Max acredita que, a exemplo do que tem feito, a população pode sair diferente da epidemia. “Já tenho visto as pessoas passarem mais tempo com a família. Cuidar dos idosos. O cara sabe que ele não pode ir pra qualquer lugar se expondo se ele tem um idoso em casa”, diz Maciel, que mantém acesa a esperança de uma sociedade transformada e, quem sabe, melhor no mundo pós-pandemia.


Fonte: Congresso em Foco