Por Ricardo Cravo Albin –
Ao refletir sobre a obra de Tom Jobim, uma conclusão se impõe: ninguém cantou com mais adequação e com mais qualidade o Rio do que ele.
Esta cidade de tantos encantos já foi cantada em prosa e em verso por viajantes de todas as partes e por cariocas aqui nascidos ou não (que ser carioca é mais que nascer no Rio, é adotá-lo no coração e nele morar, de preferência por toda a vida). Desde tempos do Vice-Rei, a opulência das florestas, das montanhas e das praias do Rio – um conjunto natural único no mundo – já era objeto dos ais e dos ohs dos poetas e dos violeiros anônimos das ruas.
De lá pra cá, mesmo severamente castigada por administrações públicas bisonhas, que mais a destruíram que a dignificaram, a cidade sempre esteve no coração dos poetas e músicos. Noel Rosa – em plena época de ouro da MPB – pusera no título de uma canção (de pouco sucesso, por sinal) um dos mais adequados apostos das centenas com que o Rio sempre foi mimoseado: “Cidade Mulher”.
Conversando com Tom, pouco antes de sua morte, ocorreu-me lembrar a ele esse antigo esboço de homenagem ao Rio feito por Noel. Tom acendeu-se. E logo em seguida dissertou uma deliciosa e criativa tese sobre o Rio-mulher, para concluir que o Rio deveria mesmo assumir de vez sua imbatível feminilidade e mudar de artigo, passando a ser feminina. A Rio das curvas sensuais das montanhas e das praias, do barroco e do art-nouveau, das garotas de Ipanema e das tulipas dos chopes cariocas cor de ouro, cheios de espuma.
Tom Jobim ali estava – diante de mim, velho amigo – a falar com paixão do seu tema preferido, o Rio de Janeiro, cuja defesa intransigente sempre o levava, graças a Deus, a indignar-se e a reclamar das mazelas e da politicagem rastaqüera que infelicita a cidade.
Como arquiteto que nunca chegou a ser, mas como urbanista diplomado pela sensibilidade e pela vivência de amor à cidade, Tom comentou, regalado entre baforadas de charuto, a possibilidade da recuperação tão desejada do Rio.
Mas nem só os espinhos e as desditas das ações contra o Rio espicharam nossa prosa. Flores também vieram à tona. Comentamos ainda a Lapa de Manuel Bandeira, Mário de Andrade e Noel. E recordo do seu entusiasmo final quando lhe falei do fenômeno espontâneo do renascimento da Lapa, com centenas de pessoas fervilhando nos fins de semana, definindo ali um novo centro de lazer para o carioca: a retomada por livre vontade dos citadinos de uma das tradições de alegria, bom humor e boemia da cidade, características quase perdidas e definidoras do nosso espírito. Ou seja, a volta de um ponto referencial do Rio.
Foi grande acerto para os, amigos e admiradores de Tom Jobim, a solução de a cidade homenagear Tom Jobim incorporando seu nome ao Aeroporto Internacional do Galeão. Recordo aqui – e cabe fazer isso – as tentativas insensatas, logo combatidas, de apear de suas glorias nomes como Vieira Souto e o Visconde de Pirajá para impor o nome do nosso Tom.
Os prefeitos do Rio precisam ter a circunspecção de proteger a cidade e zelar por seus pontos referenciais. O Rio, afinal, é a cidade mais bonita do mundo. Todos nós a amamos e a queremos cosmopolita e inteira. E não provinciana no mau sentido, como se fosse administrada por coronéis feudais e incultos, que acimentam seus atos com a “jequice” do marketing fácil.
Alguém jamais imaginou que o Champs Elysées mudasse de nome quando gente maravilhosa como Piaf, Montand ou Sartre morreram? A alguém ocorreu o disparate de mudar o nome do Central Park quando os americanos choraram o brutal desaparecimento de John Lennon? E os admiradores deles ficaram ofendidos? Claro que não.
Do jeito que vi o andor, que se acautelem as Avenidas Rio Branco e Atlântica. Em breve, podem mudar de nome como, de resto, poderá também perder sua identidade qualquer outra artéria pública já consagrada pela memória da cidade, independentemente do bem comum que ela deve representar, como ponto de referência natural.
Que os bons espíritos de Pereira Passos, Carlos Lacerda e Negrão de Lima protejam e velem, com mais força, nosso formoso e desditoso Rio.
RICARDO CRAVO ALBIN – Jornalista, Escritor, Radialista, Pesquisador, Musicólogo, Historiador de MPB, Presidente do PEN Clube do Brasil, Presidente do Instituto Cultural Cravo Albin e Membro do Conselho Consultivo do jornal Tribuna da Imprensa Livre. Em função das boas práticas profissionais recebeu em 2019 o Prêmio em Defesa da Liberdade de Imprensa, Movimento Sindical e Terceiro Setor, parceria do Jornal Tribuna da Imprensa Livre com a OAB-RJ.
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