Por Ricardo Cravo Albin –
Não bastassem acontecimentos negativos nessa última semana – um acúmulo de aflições que parece não ter fim, onde se enfileiram graves preocupações como:
1- A crise institucional, impulsionada pelas interpretações do art. 142 da Constituição de 88, e agravada há dias pela provocação de um ataque de fogos de artifícios disparados acima do prédio do Supremo Tribunal em Brasília – perfeita ideia de jerico só cabível em cabeças debiloides – e,
2- O recrudescimento da pandemia, tanto pela não testagem em todos os brasileiros (aliás, o que havia sido prometido há 3 meses), quanto pela temeridade de se abrir o confinamento sem uma gestão rigorosa para cumprir protocolos obedecidos pelos países que estão se livrando da pandemia. E que impusesse aos infratores pesadas multas e até prisões (aí, sim, seria a hora conveniente de exemplos radicais das autoridades, tanto para a população, quanto para prefeitos e governadores temerários (afinal, vidas humanas não podem ser trocadas por lucros de um shopping, ou por dízimos de uma atividade religiosa, ou até pela possível liberdade de confraternizar em calçadões, ou em transportes lotados, ou em areias das praias.
Pelo andar da carruagem a pandemia não cessará antes da chegada de 2021. Quem viver, verá.
Tão graves quanto as duas aflições acima perfiladas me parecem, entre tantas outras, ao menos duas desditas que se cristalizaram nesses tempos de horror. A primeira, o preconceito racial que fez o mundo inteiro gemer e protestar por conta do assassinato de George Floyd em Minneapolis. E que também se funde, ao meu ver, com a tragédia que parece agora desabar sobre os povos indígenas da Amazônia. Até por que eu também acho que o desprezo das autoridades aos milenares habitantes dessas terras são vítimas também de forte preconceito racial, além do cultural – social.
Certa vez, Darcy Ribeiro me levou a conhecer o Marechal Rondon. E desse raro herói brasileiro tive o privilégio de ouvir uma recomendação que me marcou até hoje – “Olhe, meu filho, a responsabilidade que vocês jovens têm é muito séria, lutar contra o preconceito que existe contra os nossos índios, chamados até de bípedes exóticos, ou de um peso morto para o país. Há algo que ateste mais o que se entende por preconceito?”.
O fato é que as notícias que nos chegam agora da Amazônia nos dão conta de que a pandemia se alastra pela maioria das tribos mais expostas.
O povo yanomami, em áreas próximas ao garimpo ilegal nesta região, é projeção que se anuncia muito preocupante, ou seja, 40% dos indígenas dessas áreas próximas à ilegalidade podem contrair Covid-19. Segundo estudiosos, a presença de 20 mil garimpeiros no território é uma das causas principais da tragédia anunciada, já agora com revisão da Fundação Oswaldo Cruz. Os pesquisadores alertam que, se nada for feito, 40, 50 % dos yanomamis atendidos nos 14 polos bases em região do garimpo, serão infectados. Se a letalidade, como eles advertem, for de duas vezes maior do que a da população não indígena, poderá chegar até o trágico número de quase mil óbitos. Até há poucos dias, os dados mostravam que 60 indígenas tinham sido infectados. Segundo indigenistas que lá trabalham por décadas, seria este o considerado maior genocídio contra os yanomamis. Ainda segundo os mesmos técnicos, não adiantam mais equipes de saúde. A solução mais eficaz seria a retirada imediata dos garimpeiros ilegais, a partir de Roraima.
Pelo visto, em nada sendo feito, o povo indígena morrerá por falta de respiração, tal como Floyd. E, por certo, pela ausência de cuidados hospitalares em plena selva. Só que os algozes dos índios não seriam policiais brancos, mas garimpeiros ilegais que lhes injetaram os vírus fatais pela convivência indesejada, sufocando-lhes a respiração pelo vírus letal.
Aliás, sobre o horror do racismo o cineasta e escritor Cacá Diegues publicou há dias crônica onde assevera que no Brasil o racismo se instalou desde que Cabral aportou a nossas praias. Ele foi da violência selvagem da escravidão secular até ao tratamento preconceituoso aos indígenas (observação minha, de que talvez Cacá possa compartilhar).
Ele ainda acrescenta que no Brasil valia a previsão histórica de Joaquim Nabuco: mesmo proclamada a Lei Áurea em 1888, ainda permaneceria a escravidão como característica do nosso comportamento. Uma cultura que para ser eliminada não seria suficiente nosso mito de doçura e delicadeza.
É claro, conclui Cacá, que o crime de Minneapolis nos leva a uma total solidariedade com sua vítima. Mas naquela semana de sua morte, a polícia carioca havia liquidado vários cidadãos negros, inclusive crianças, apenas por estarem onde não deveriam. A vítima mais recente fora o menino Pedro, de 14 anos, morto com quatro tiros dados pelas costas.
Pelas costas, como em geral acertamos nosso racismo bem peculiar. Que pode equiparar negros, por que não?, a índios. Desapiedadamente.
Aos racistas e preconceituosos cabe dirigir a frase clássica da escritora francesa Madame de Staël – O remorso pelo malfeito é a única dor da alma que nem a reflexão nem o tempo atenuam.
Este cronista apõe aqui sua assinatura simbólica ao movimento “Enquanto houver racismo não haverá democracia”, que fez publicar há dias manifesto nos jornais brasileiros.
RICARDO CRAVO ALBIN – Jornalista, Escritor, Radialista, Pesquisador, Musicólogo, Historiador de MPB, Presidente do PEN Clube do Brasil, Presidente do Instituto Cultural Cravo Albin, Colunista e Membro do Conselho Editorial do jornal Tribuna da Imprensa Livre.
MAZOLA
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