Por Miranda Sá –

“Coincidências são pequenos milagres onde Deus prefere não aparecer” (Provérbio Árabe)

Quando se fala em milagre o nosso interesse se volta imediatamente para o sentido religioso da palavra. Leva-nos a pensar de uma interferência sobrenatural na vida de alguém; entretanto, a palavra tem um sentido mais amplo.

Como verbete dicionarizado, Milagre é um substantivo masculino de origem latina, “miracŭlum,i”, significando coisa extraordinária, assombrosa, inexplicável. Como ação divina é uma dádiva que beneficia uma pessoa, “milagre de Nossa Senhora”; como ocorrência extraordinária, “milagre da Medicina”; ou que causa surpresa, “milagre, fulano passou no concurso da PF”…

Registra-se na História do Teatro uma espécie de tipo de drama medieval, baseado na vida dos santos e seus milagres, inspirador de Ariano Suassuna no seu “Auto da Compadecida, aparecendo posteriormente como filme.

Para o poeta Walt Whitman, é tudo: “Cada momento de luz ou de trevas é para mim um milagre”, análise encantadora que cai muito bem na cultura popular brasileira, onde encontramos a acepção da palavra para o artesanato em madeira e cera, ou arte pictórica que servem como oferenda aos santos por uma graça obtida.

Temos mais do que isto. São mais de 30 municípios e distritos batizados de “Milagres” no País; destacam-se cidades nas Alagoas, na Bahia, no Ceará, no Maranhão e nas Minas Gerais.

Pelo menos para conhecimento geral são poucas referências para a origem do nome dessas cidades homônimas.  Fala-se numa cruz na entrada da cidade ou da vila, da passagem de frade milagroso, da edificação de santuário e de ermidas construídas por anônimos.

Tentei uma pesquisa e encontrei mais citações sobre o turismo religioso do que alusão aos fatos ocorridos. Os acontecimentos não estão disponíveis, omitindo-se circunstâncias, datas e nomes.

Estas áreas urbanas são, porém, o testemunho da religiosidade dos brasileiros, principalmente nos rincões interioranos do país, com suas oradas ajudando a multiplicar a crença nos fenômenos que transgredem a ordem natural das coisas.

Einstein, autor de uma frase muito citada nos círculos rabínicos em defesa da religião, quando disse que “a ciência sem a religião é manca, a religião sem a ciência é cega”, fala do milagre com uma simplicidade ímpar quando escreveu: “Só há duas maneiras de viver a vida: a primeira é vivê-la como se os milagres não existissem. A segunda é vivê-la como se tudo fosse milagre.

O grande poeta gaúcho Mário Quintana, ao contrário do Físico criador da Lei da Relatividade, é cético e nos deixou versos zombando dos crentes: “O milagre não é dar vida ao corpo extinto, / Ou luz ao cego, ou eloquência ao mudo…/ Nem mudar água pura em vinho tinto…/ Milagre é acreditarem nisso tudo! ”

Atribuindo à coincidência (que os árabes fatalistas consideram ‘pequenos milagres’) li outro dia a referência histórica às bravatas do ministro da propaganda nazista, herr doctor Goebbels, muito adotado no Brasil pelos populistas de direita e esquerda.

Quem escreveu foi um diplomata britânico, então em Berlim.  Conta que numa festa ocorrida em 1939, no auge do poder hitlerista e o esplendor totalitário, Goebbels discursou numa festa da chancelaria dizendo cheio de entusiasmo que despedaçaria a crença cristã como quebraria a taça de champanhe que tinha às mãos. Atirou-a contra a parede e ela caiu no chão sem trincar…  Sob risos (ainda havia quem sorrisse em Berlim) saiu da festa cheio de ódio.

Tem muito político fanfarrão capaz de subestimar a realidade por puro achismo, como fez o presidente Bolsonaro considerando a pandemia do coronavírus uma ‘gripezinha’; a partir daí o que assistimos é que ele vem perdendo cada vez mais a confiança da maioria dos que votaram nele.

Ao declarar que era ‘messias’, mas não fazia milagres, confessou a incapacidade de enfrentar a peste… A seguir, por vocação totalitária, referindo-se ao Congresso e ao Judiciário, baixou a palavra-de-ordem para os seguidores. “Acabou, porra! ”.

Assim, mesmo alinhando-me entre os que não creem em milagres e mitos, vejo, por coincidência, um castigo real chegar ao Presidente pela pesquisa do Instituto Orbis, dando-lhe 48% de rejeição…


MIRANDA SÁ – Jornalista, blogueiro e colunista do jornal Tribuna da Imprensa Livre. Trabalhou em alguns dos principais veículos de comunicação do país como a Editora Abril, as Organizações Globo e o Jornal Correio da Manhã. Recebeu dezenas de prêmios em função da sua atividade na imprensa, como o Esso e o Profissionais do Ano, da Rede Globo.