Redação –
O STF (Supremo Tribunal Federal) arquivou todos os pedidos de impedimento ou suspeição feitos e já analisados contra seus ministros em mais de três décadas, além de ter violado seu regimento em ações sobre imparcialidade, segundo pesquisa da FGV Direito SP.
Pesquisadores do Supremo em Pauta, projeto da Fundação Getulio Vargas, analisaram durante dois anos as chamadas arguições de impedimento ou suspeição — processos que levantam dúvidas sobre a isenção de um magistrado.
O artigo “Fora dos Holofotes: estudo empírico sobre o controle da imparcialidade dos ministros do STF” tratou de 111 ações até outubro de 2018 —o julgamento de apenas uma delas ainda não foi finalizado.
Os autores do levantamento da FGV são Rubens Glezer, Lívia Guimarães, Luíza Ferraro e Ana Laura Barbosa. O estudo foi feito com base em processos apresentados desde 1988, ano de promulgação da Constituição. Procurado, o Supremo não respondeu sobre as conclusões.
Os pedidos de suspeição de integrantes do STF podem ser feitos por alguma das partes envolvidas nos processos. Há situações em que o ministro se declara impedido antes do questionamento das partes. A pesquisa só tratou dos casos em que pedidos foram feitos em arguições.
Em 14 desses casos, os ministros se declararam impedidos por conta própria, levando ao arquivamento. Nos demais, além da rejeição generalizada dos questionamentos, os pesquisadores apontam que, em 20, houve descumprimento de regras do tribunal pelo ministro presidente ao tomar a decisão.
Esses processos foram lançados ao arquivo por decisão monocrática (individual), usando uma etapa processual não prevista no regimento interno do tribunal. O estudo aponta que, pelas regras, eles deveriam ter sido levados à análise do plenário da corte.
O rito pelo regimento é formado por três fases. Na primeira, o presidente analisa se a ação deve seguir ou não, podendo arquivá-la. Na segunda, pede esclarecimentos ao ministro. Na terceira, o caso deveria ir para o plenário.
De acordo com os pesquisadores da FGV, nos 20 casos em que houve desobediência ao regimento, eles foram enviados ao arquivo logo depois da manifestação do ministro alvo, sem passar pelo plenário.
Na avaliação do estudo, em 17 dessas ações não haveria a necessidade de questionamento ao ministro —bastaria seguir a jurisprudência. Porém três ações deixaram de ir ao plenário mesmo sem haver decisões anteriores que poderiam servir de precedente. Por demora no julgamento, outras cinco na mesma condição foram arquivadas.
Para os pesquisadores, o problema não é o volume de processos rejeitados. O tribunal, escrevem, usa “uma jurisprudência consistente e razoável para negar os pedidos de impedimento e suspeição”.
Segundo eles, porém, “ritos e processos são conduzidos com tons de deferência, com violações aos ritos e etapas processuais, sem transparência sobre os fatos e argumentações jurídicas para afastamento ou manutenção do ministro do caso”.
O estudo fez análise quantitativa e qualitativa dos processos. “Há nesse espaço uma clara violação do processo regimental e um potencial para arbitrariedades pela presidência.” A pesquisa aponta essa etapa como sistêmica.
“Eles não levam muito a sério os ritos e os procedimentos que deveriam seguir”, diz Glezer. “Os ministros agem com opacidade em vários níveis.”
Segundo o professor de direito constitucional da FGV Direito SP, a transparência deveria ser um elemento de destaque na conduta dos ministros.
“Há uma distinção entre publicidade e transparência. Os dados são públicos, mas foram necessários quatro pesquisadores para coletar, reconstruir e mostrar como é esse processo”, afirma ele.
Guimarães explica o título do estudo. “O holofote é ser o centro das atenções na mídia, querer ser transparente, mas não no procedimento. É mais personalista do que institucional”, afirma.
A pesquisa da FGV Direito SP mostra que três ações em que houve arquivamento sem análise do plenário e cinco que deixaram de ser julgadas em razão da demora da tramitação mereciam destaque por inovar na jurisprudência.
Em dois processos, referentes a um único caso, as partes questionavam a participação de Toffoli em um recurso sobre o registro da candidatura de João Capiberibe (PSB-AP) a senador, nas eleições de 2010.
O ministro já havia atuado como advogado do candidato. As partes alegavam ainda que se tratavam de “amigos íntimos”. Em manifestação, Toffoli negou a amizade e disse que já havia decidido contra interesses de Capiberibe.
A terceira ação questionava a parcialidade de Gilmar como relator de uma ADPF (ação de descumprimento de preceito fundamental). Como advogado-geral da União, ele defendeu a constitucionalidade da lei que trata de ADPFs.
Gilmar, em manifestação, disse que esse não teria sido o único caso do tipo. Disse ainda que o STF não vê impedimento de integrante por ter sido ministro de Estado.
As ações arquivadas pela morosidade também se referiam a Gilmar. Todas foram ajuizadas pela PGR (Procuradoria-Geral da República).
Dois processos envolviam Lélis Marcos Teixeira e Jacob Barata Filho —o “rei do ônibus” no Rio de Janeiro, alvo de um desdobramento da Operação Lava Jato.
A PGR alegava que a mulher do ministro trabalhava em escritório com interesse na causa. Houve ainda questionamento por relação de amizade. Gilmar foi padrinho de casamento da filha de Barata com o sobrinho de sua mulher.
Gilmar, em manifestação, rejeitou os argumentos de Rodrigo Janot. Disse que foi o acaso, e não vontade sua, que lhe entregou o habeas corpus. Destacou que havia negado vários pedidos feitos no caso. Ele afirmou que o pedido seguiu “linha difamatória”.
“Nesses cinco novos casos, o novo CPC [Código de Processo Civil] criou nova hipótese, e, em arguições, o STF nunca se pronunciou como interpretar, se mais restritivo. Por isso, são inconclusivos e deveriam ter ido ao plenário”, diz Ana Laura Barbosa.
O STF terá de se posicionar nos próximos meses sobre um pedido de suspeição feito pela defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), preso em Curitiba. O caso, porém, não tem relação com um integrante da corte. A ação questiona a conduta do então juiz da Lava Jato Sergio Moro, hoje ministro da Justiça do governo Jair Bolsonaro. (fonte: Folha)
MAZOLA
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