Redação

A Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça começou a decidir, nesta quarta-feira (2/12), se é cabível e justificável a abertura de um inquérito para investigar se o desembargador Eduardo Siqueira, do Tribunal de Justiça de São Paulo, cometeu crime na ocasião em que ofendeu um guarda municipal em Santos.

O pedido foi feito pelo Ministério Público Federal por entender que, ao destratar o guarda enquanto caminhava sem máscara na praia, ele cometeu, em tese, os crimes de abuso de autoridade, infração de medida sanitária e desacato.

O caso motivou a abertura de processo administrativo disciplinar e levou ao afastamento de Siqueira pelo Conselho Nacional de Justiça. Ele também responde a processo ajuizado pelo guarda municipal, o qual chamou de analfabeto na ocasião. Para o Ministério Público Federal, o caso não se restringe à área administrativa, devendo ser apurado na seara penal.

Relator do caso, o ministro Raul Araújo indeferiu monocraticamente a abertura do inquérito, por entender que não há justa causa para reprimenda penal. Nesta quarta, sustentou os argumentos e foi acompanhado pelo ministro Napoleão Nunes Maia.

Abriu divergência o ministro Francisco Falcão, para quem não caberia ao relator arquivar o pedido de inquérito de plano, conforme o regimento interno do STJ. A ministra Maria Thereza de Assis Moura e Luís Felipe Salomão também divergiram, apontando que há necessidade de apuração das condutas do desembargador.

Pediu vista a ministra Laurita Vaz.

Nem em tese
Para o ministro Raul, a análise do caso aponta que não há, nem em tese, a possibilidade de um crime de abuso de autoridade pelo desembargador. Isso porque a lei federal 13.869/2019, que tipifica a conduta, refere-se ao caso da autoridade que invoca condição para se eximir de obrigação legal.

Por outro lado, a guarda municipal de Santos abordou Eduardo Siqueira por caminhar sem máscara na praia informando sobre infração de norma que consta de decreto municipal. Assim, sem a obrigação em lei, não há crime.

O ministro Raul reconhece que, à época do ocorrido, já estava em vigor a lei federal 14.019/2020, que trata da obrigatoriedade do uso de máscaras de proteção individual para circulação em espaços públicos. A própria norma, no entanto, prevê regulamentação federal para a matéria, o que ainda não havia sido feito.

Para o relator, ao desafiar a guarda municipal, o desembargador agiu convicto de que não estava a descumprir uma obrigação legal. Não à toa, bradava: “Decreto não é lei”.

“Não se compactua aqui nem se admite como aceitável a grosseria e a arrogância da parte de quem exerce uma parcela de poder estatal. Porém, tais atributos de incivilidade não são tipificados como crime”, disse o ministro Raul. “Não se pode subtrair do agente seus direitos constitucionais apenas para satisfazer a ocasional sanha popular”, acrescentou.

Em tese, sim
Para a ministra Maria Thereza de Assis Moura, o voto bem fundamentado do relator foi além do que se requer para definir a abertura de inquérito: ingressou no mérito. Em suma, o que a Corte Especial precisa encontrar é a resposta para a pergunta: em tese os fatos se enquadram no Código Penal?

“Essa analise o relator fez a partir do mérito, como se fosse dizer: rejeito a denúncia. Temos que investigar os fatos para saber se Ministério Público vai oferecer ou não uma denuncia”, afirmou.

“Há necessidade de apuração dessas circunstâncias para se chegar à mesma conclusão do ministro Raul. Antecipou-se a sentença absolutória sem a colheita da prova. Sem que pudéssemos conhecer a imputação que foi feita e a partir dali, com a colheita dos depoimentos ainda que em sindicância ou com inquérito, não se poderia adiantar a absolvição”, concordou o ministro Luís Felipe Salomão.

Inq 1.442


Fonte: ConJur