Por Cid Benjamin –
Uma observação oportuna foi postada recentemente nas redes sociais.
Junto à imagem de um papagaio, a legenda dizia: o bicho aprendeu a repetir as expressões “corte de gastos” e “ajuste fiscal” e foi contratado como comentarista de economia na grande imprensa. brincadeira tem mais verdade do que parece. O debate econômico nos jornalões e nas emissoras de TV parece o samba de uma nota só.
Recentemente, uma crítica de Lula aos juros altos e à chamada “independência do Banco Central” deu margem a uma profusão de críticas. Aliás, cabe a pergunta: “Independente de quem ou de quê? De um governo eleito pelo povo, ou dos bancos e do chamado mercado”?
Vale lembrar que o Banco Central é um dos principais instrumentos da política econômica. Por definição, entre outras coisas deve zelar pela estabilidade dos preços e fomentar o pleno emprego. Não tem sentido retirar o seu controle das mãos do governo eleito, nem exigir que este aplique a política do candidato derrotado. Mais ainda quando, como no caso do Brasil, a dívida pública é em reais e, como lembrou em recente artigo André Lara Resende, sempre há o recurso de emitir moeda. A propósito, essa autonomia (seria melhor dizer blindagem) da direção do BC foi criada no governo Bolsonaro em fevereiro de 2021.
O Brasil tem a maior taxa de juros reais do mundo (8,16%, já descontada a inflação). Numa lista de 40 países, divulgada pela gestora de recursos Infinity Asset e publicada pelo portal Poder 360, está em primeiro lugar (https://www.poder360.com.br/economia/brasil-tem-os-maiores-juros-reais-do-mundo/). Isso faz o jogo dos bancos e prejudica os investimentos e a criação de empregos. Aliás, vários países desenvolvidos têm taxas de juros reais negativas.
Mas o mundo veio abaixo com as críticas de Lula. Até integrantes do governo, correram para amenizar suas palavras e agradar ao “mercado”. Não lhes faria mal um puxão de orelhas.
Um argumento é usado na defesa da independência do BC: a economia não pode ficar à mercê de comportamentos demagógicos. É verdade. Mas a saúde pode? A educação pode? O meio ambiente pode? Ora, uma infinidade de exemplos semelhantes poderia ser dada.
A chamada grande imprensa, que em sua maioria funciona como porta-voz do grande capital, parece não levar em conta o fato de que Lula venceu a eleição. E que, por isso, não faz o menor sentido que seja exigido dele que aplique a política de seu adversário derrotado.
Celso Furtado várias vezes chamou a atenção para a necessidade de a direção do BC ser composta por servidores públicos exemplares, numa crítica à porta giratória em que executivos de bancos privados circulam entre cargos no BC e na banca privada. Essa promiscuidade não serve senão aos interesses do capital financeiro, até porque a direção do BC dá acesso a informações reservadas sobre as carteiras de todos os bancos.
Por fim, nunca é demais repetir: a macroeconomia não é uma ciência exata. Não há apenas uma política possível. Há várias, conduzindo a resultados distintos e respondendo a interesses diferentes. Por isso, é desonestidade jornalística a grande imprensa apresentar supostos “especialistas” para dar credibilidade para tal ou qual política proposta.
Para cada “especialista” opinando como o papagaio citado no início deste artigo, na defesa de “corte de gastos” e “ajuste fiscal”, poderia ser trazido outro sustentando prioridades diferentes, como crescimento econômico e criação de empregos.
É questão de gosto.
Ou, melhor, de interesses.
CID BENJAMIN foi líder estudantil nos movimentos de 1968, participou da resistência armada à ditadura e foi dirigente do Movimento Revolucionário Oito de Outubro (MR-8). Libertado em troca do embaixador alemão, sequestrado pela guerrilha, passou quase dez anos no exílio. De volta ao Brasil em 1979, foi fundador e dirigente do PT e, depois, participou da criação do PSOL. É jornalista, professor e autor dos livros “Hélio Luz, um xerife de esquerda” (Relume Dumará, 1998), “Gracias a la vida” (José Olympio, 2014) e “Reflexões rebeldes” (José Olympio, 2016). Organizou, ainda, a coletânea “Meio século de 68 – Barricadas, história e política” (Mauad, 2018), juntamente com Felipe Demier.
PATROCÍNIO
Tribuna recomenda!
MAZOLA
Related posts
Editorias
- Cidades
- Colunistas
- Correspondentes
- Cultura
- Destaques
- DIREITOS HUMANOS
- Economia
- Editorial
- ESPECIAL
- Esportes
- Franquias
- Gastronomia
- Geral
- Internacional
- Justiça
- LGBTQIA+
- Memória
- Opinião
- Política
- Prêmio
- Regulamentação de Jogos
- Sindical
- Tribuna da Nutrição
- TRIBUNA DA REVOLUÇÃO AGRÁRIA
- TRIBUNA DA SAÚDE
- TRIBUNA DAS COMUNIDADES
- TRIBUNA DO MEIO AMBIENTE
- TRIBUNA DO POVO
- TRIBUNA DOS ANIMAIS
- TRIBUNA DOS ESPORTES
- TRIBUNA DOS JUÍZES DEMOCRATAS
- Tribuna na TV
- Turismo