Por Jeferson Miola

O Brasil ainda levará muito tempo para estimar o significado da perda de um dos seus filhos mais prodigiosos, o embaixador Samuel Pinheiro Guimarães Neto, cuja existência física chegou ao fim neste 29 de janeiro de 2024, aos 84 anos de idade.

Um amigo, um grande mestre, um camarada. Um mentor. Um intelectual refinado, erudito, com uma vasta leitura sobre o Brasil, o povo brasileiro e o sistema mundo.

Um gigante teórico-cultural com uma humildade desconcertante, sempre a postos tanto para reunir com atores centrais da cena política mundial, como para participar de reuniões com o MST em algum assentamento no interior do país.

Samuel é um ser humano generoso, afetuoso, e dono de um impecável senso de humor. Um ser inquieto, sempre irresignado com as desigualdades, com as disparidades e as injustiças regionais e sociais do país.

Um anti-imperialista da maior grandeza e que, por isso, paga o preço de décadas de monitoramento pelo Departamento de Estado e Pentágono.

Samuel é um operário incansável da integração sul-americana e latino-americana. Ele é a antítese das oligarquias brasileiras –eurocentradas, americanóficas e colonizadas–, que renunciam à ideia de inserção autônoma e independente do Brasil no mundo.

O artigo 4º da Constituição brasileira funciona como sua “bíblia geopolítica”: “A República Federativa do Brasil buscará a integração econômica, política, social e cultural dos povos da América Latina, visando à formação de uma comunidade latino-americana de nações”.

A criação da UNASUL/União de Nações Sul-Americanas, e da CELAC/Comunidade dos Estados Latino-Americanos e Caribenhos, é reflexo do empenho de alma dele com a integração dos povos e nações.

O fortalecimento do MERCOSUL, com a criação de dispositivos originais como o FOCEM [Fundo para a Convergência Estrutural do MERCOSUL] para diminuir as assimetrias regionais entre os integrantes do bloco, nasceu da inventividade inesgotável do Samuel.

Aprendemos com Samuel que a Política Externa deve ser, acima de tudo, um instrumento para materializarmos, no contexto das relações internacionais, os interesses nacionais e, especialmente, para buscarmos satisfazer as necessidades domésticas do nosso povo.

Com o presidente Lula, Celso Amorim e o saudoso Marco Aurélio Garcia, Samuel revolucionou a diplomacia brasileira. Neste quarteto de ouro, ele foi um dos principais arquitetos teóricos da moderna política externa brasileira.

Como diplomata e cidadão perseguido na gestão neoliberal de FHC no final dos anos 1990 e início dos anos 2000, Samuel desbravou no Brasil a luta de resistência ao projeto imperialista de anexação econômica do hemisfério americano aos EUA – a ALCA, Área de Livre Comércio das Américas.

Foi ele quem difundiu com clarividência os efeitos nefastos da ALCA para o país e para a América Latina a partir de estudos qualificados e pesquisas criteriosas.

A vitória dos povos latino-americanos na maior derrota não-bélica já sofrida pela potência imperial do Norte se deve, sem lugar a dúvidas, a este gigante chamado Samuel Pinheiro Guimarães Neto.

Samuel tem uma vasta obra publicada, além de registros orais e documentos oficiais. O livro “Desafios brasileiros na Era dos gigantes”, publicado pela Editora Contraponto [2006], é uma obra seminal, que somente um Gigante como Samuel seria capaz de conceber.

Sou agradecido e orgulhoso de ter tido dele a confiança na trajetória de construção de um Brasil e de uma América livre, soberana e decolonial.

Todo meu amor, admiração e reverência pelo Samuel segue inabalável e vivo.

Obrigado, Samuel!

JEFERSON MIOLA – Jornalista e colunista desta Tribuna da Imprensa Livre. Integrante do Instituto de Debates, Estudos e Alternativas de Porto Alegre (Idea), foi coordenador-executivo do 5º Fórum Social Mundial.

Envie seu texto para mazola@tribunadaimprensalivre.com ou siro.darlan@tribunadaimprensalivre.com


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