Por Lincoln Penna –
Começo com essa reflexão o acompanhamento do processo político-eleitoral.
Nas próximas postagens outras virão até as vésperas das eleições, cujas preliminares já estão dadas. Corro o risco de me precipitar antes dos fatos se concretizarem, mas é um risco calculado e desde já assumido. Segue uma primeira análise do quadro político nacional.
Não existem evidências documentais, mas é muito provável que a estratégia para redirecionar a política norte-americana em relação ao Brasil tenha colocado como ponto crucial uma forma de influenciar os processos eleitorais no Brasil de forma mais acentuada. Esforços nesse sentido não foram poupados já nas eleições de 2010 e 2014, ambas ganhas pelo PT, mantendo com isso na governança o partido que havia adotada uma postura não hostil, porém autossustentada de sua política externa. Mesmo assim era de se esperar que fossem incrementadas ações mais consistentes com vistas a mudar essa tendência.
A Operação Lava Jato foi o começo de uma ação mais vigorosa. A conseqüente prisão de Lula dentro de uma narrativa judiciosa na qual a ele fora imputado crimes de corrupção e desvio de dinheiro público fazia parte dessa estratégia. Era preciso sangrar a principal liderança popular e retomar a política de alinhamento com os interesses dos EUA. A crise que se acentuava, as concessões feitas pela presidente Dilma para atenuar os efeitos maléficos dessa crise ao reorientar sua política econômica acabariam por favorecer e até radicalizar essa estratégia. Com isso, veio o impeachment.
Fragilizado pela prisão de sua principal liderança e com os danos causados pela queda de seu governo em 2016, quando o vice Michel Temer passou a adotar uma pauta estritamente neoliberal e de acordo com o que sinalizava o mercado de capitais, restou ao PT o lançamento da candidatura do ex-prefeito de São Paulo, que por sinal não conseguira sua recondução nas urnas paulistanas. Fernando Haddad conduziu-se com absoluta correção, mas não bastava. Era preciso ter votos.
A forte interferência do grande capital, ansioso em retomar as rédeas plenas que em parte havia perdido nos anos de governos populares. E isso em um dos países emergentes mais cobiçados por parte dos operadores dos interesses capitalistas.
Há, porém, que se considerar um elemento novo se comparado com outras eleições. Pela primeira vez e de forma sistemática recorreu-se à robotização das mensagens midiáticas todas tendo como base as fake news, de modo a manter viva as acusações e os falsos pleitos de moralização da vida pública do país, sempre tendo como responsáveis por esses supostos danos. Alguns até existentes, mas que se encontravam enraizados em nossas práticas políticas e governamentais. Outros, no entanto, forjados para nessa narrativa fantasiosa lançar dúvidas e favorecer candidaturas que se colocaram como opositoras dessas práticas.
Entretanto, é necessário acrescentar um dado que tem sido pouco considerado nas análises sobre a questão referente às eleições de 2018. Refiro-me as articulações de uma corrente até então mascarada ou a operar silenciosamente e que tem como finalidade resgatar o regime militar, o da ditadura dos generais e de parte de um empresariado transnacional. Mesmo não sendo um agrupamento de forte influência na vida política nacional, até porque agia até então com certa discrição, seu peso na composição dessas articulações não deve ser desprezada.
O intuito da corrente ligada aos membros do chamado grupo do porão da ditadura, foi o de apontar o que para eles representou perdas promovidas pela Constituição de 1988. Nesse sentido, a anistia política, a redenção dos partidos do campo das esquerdas, particularmente os comunistas, e o julgamento na mídia do legado da ditadura provocaram reações que resultariam no apoio a uma candidatura que combatesse ao que para eles representaria a volta dos comunistas na cena política.
Na avaliação desse agrupamento, um dos fatores da derrota da ditadura, pois ela teve de operar a transição para a democracia e o retorno dos governos civis, ocorreu no campo cultural tendo em vista que as manifestações de intelectuais, artistas, produtores culturais e a imprensa, de um modo geral, estiveram ao lado das forças que exigiam o fim do regime militar.
Não foi por acaso que o general Sílvio Frota, ícone do agrupamento mais conhecido como membros do porão da ditadura, adeptos do uso das torturas em propriedades do estado brasileiro, como quartéis entre outros, denunciara as supostas infiltrações comunistas no serviço público exigindo pronta ação do governo do general Geisel. Divergência mais no âmbito da autoridade do que do mérito, que levaria à demissão de Frota, então ministro da guerra. E a reorganização de seus adeptos para reagirem ao que entendiam ser uma capitulação dos seguidores de Geisel.
Nunca é demais lembrar que essa reorganização dos elementos mais ativos da repressão e de uma ideologia radicalmente antidemocrática resultaria na primeira reação ocorrida por ocasião da publicação do livro coordenado pela diocese de São Paulo por dom Paulo Evaristo Arns, intitulado Brasil: Nunca Mais. A resposta às acusações fundamentadas nesse livro levou os membros egressos do porão a produzir o Ovril (livro ao contrário) para não só contestar as denúncias de torturas e maus tratos aos presos da ditadura, mas para indicar, por assim dizer, os rumos dessa corrente de maneira a exercer influência na caserna e na vida pública do país. Logo, era preciso alguém que expressasse essa corrente nas eleições decisivas de 2018.
Daí surgiu Bolsonaro, um ex-oficial do Exército que teve sua carreira sustada em razão de processo por indisciplina por atos atentatórios. Julgado inicialmente por uma Comissão de oficiais superiores acabou sendo absolvido pela maioria dos membros do Superior Tribunal Militar. Em seguida, elegeu-se vereador do Rio de Janeiro e fez de seu mandato a defesa de interesses da corporação militar.
Dispensável dizer que toda essa trama que levaria Bolsonaro à presidência teve grandes parcerias. E ela envolve interesses internos, das forças mais retrógradas e subservientes, aliadas aos polpudos investidores, com os não desprezáveis interesses externos se articularam. Movidos todos por grossos capitais. Cada vez mais o poder econômico tem forte e decisiva participação nos pleitos mundo afora.
A isso se junta o fator ideológico. Deste continua a pesar muito o culto aos símbolos pátrios usados de maneira a associar os seus praticantes a um hipotético patriotismo e, assim, colocar as forças populares como representações do comunismo visando à destruição dos valores nacionais. Muito embora, pareça de uma vulgaridade e ingenuidade absurdas essas consignas têm respaldo junto ao eleitorado tosco e desinformado, presa fácil para aqueles que passam a ter esses dois ingredientes fundamentais em um processo eleitoral massivo: o poder econômico e a crença e ao mesmo tempo a descrença de setores médios da sociedade e também uma franja grande da sociedade pela política.
O cenário provável do ano eleitoral de 2022 tem ingredientes capazes de aprofundar essas contradições e tornar o pleito presidencial dos mais agressivos. Diferente da encruzilhada das vésperas das eleições de 1965, que veio a impedir sua realização pelo golpe do ano anterior, as próximas eleições tendem a ser caracterizadas pela medição das correntes claramente definidas, de modo a sugerir uma correlação de forças que pode e deve favorecer às correntes progressistas e populares.
Claro que essa perspectiva vai depender e muito do arranjo de correntes políticas para que se evite a possibilidade, que não deve de toda ser descartada, de uma possível reeleição não necessariamente de Bolsonaro, mas do projeto que reúne a extrema direita regressista e os interesses do mercado e de seus representantes, em relação aos quais, o atual presidente é apenas um testa de ferro descartável.
Acresce a essa previsão sujeita a revisões até as proximidades das eleições, o fato de não ser igualmente eliminada a hipótese de graves conflitos decorrentes da agressividade mencionada anteriormente, derivada das posturas de confronto no campo mais ideológico do que programático. Nunca é demais o paralelo com o ano de 1934, dos enfrentamentos da Praça da Sé em São Paulo entre integralistas e antifascistas.
Diante desse quadro a apresentar grandes inclinações para embates violentos, cabe aos democratas de todos os matizes se prepararem para essa eventualidade, que nada tem de profética, pois é mais uma constatação. A isso acresce que na base desse governo existem diferenças e divergências. Dentre elas a dos interesses do grande capital, de um lado, que evita confrontos desnecessários por zelar pelos seus negócios, e o dos agrupamentos mais ideológicos seja no campo militar, como campo do que poderíamos chamar de bolsonarismo de raiz, turma dos fanatizados pelo mito.
Afinal, as lutas de classes costumam apresentar diversas modalidades, dependendo das circunstâncias do momento em função das correlações de forças e do agravamento das desigualdades sociais.
Não se trata, portanto, de um mero discurso apologético fundado em um sectarismo vulgar. Ele corresponde à realidade dos fatos e do desenvolvimento dos processos sociais e políticos em curso.
LINCOLN DE ABREU PENNA – Doutor em História Social pela Universidade de São Paulo (USP); Conferencista Honorário do Real Gabinete Português de Leitura; Professor Aposentado da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ); Presidente do Movimento em Defesa da Economia Nacional (Modecon); Vice-presidente do IBEP (Instituto Brasileiro de Estudos Políticos); Colunista e Membro do Conselho Consultivo do jornal Tribuna da Imprensa Livre.
SERVIÇO – Degustação Vita Eterna
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