Por Lincoln Penna –
Neste meu centésimo primeiro Natal, desejo que possamos nos fortalecer e nos inspirar para transformar o mundo. A luta continua! (Cartão enviado por Riani às vésperas deste Natal de 2021).
Ao invés de enviar os votos de um Feliz Natal aos meus amigos e leitores dessas minhas crônicas, resolvi responder a um dos meus amigos, e em seu nome estender aos demais a mensagem natalina deste ano. Refiro-me ao autor da mensagem acima.
No ano passado, quando do centenário de seu centenário, escrevi uma pequena biografia que fiz chegar aos seus filhos e demais familiares enviando também uma cópia ao deputado Paulo Ramos, que o tinha homenageado com a Medalha Tiradentes da ALERJ, ocasião em que o revi depois de algumas idas à Juiz de Fora para visitar e saborear as lembranças do grande líder sindicalista e político que aprendi a admirar. Abaixo transcrevo apenas alguns parágrafos que escrevi no ano em que Riani completou os seus 100 anos de vida.
Toda ela voltada para a luta, que jamais abandonou como prova os dizeres de sua última mensagem natalina.
Clodesmidt Riani nasceu no dia 15 de outubro de 1920. Escrevo no ano de seu centenário de nascimento com o intuito de prestar uma homenagem a quem se dedicou por inteiro ao sindicalismo e às lutas pela democracia. Não se trata de uma biografia no sentido clássico, mas de um testemunho de quem acompanhou desde a adolescência a vida desse combatente, que tive o prazer de me tornar seu amigo.
Conheci pessoalmente Riani em 2011, em sua residência na cidade de Juiz de Fora, ocasião em que o procurava para escrever um texto sobre os momentos imediatamente anteriores ao golpe de 64. Ao longo da conversa tão agradável pude aquilatar a importância de Riani na organização do comício da Central do Brasil, numa sexta feira 13, que se tornaria inesquecível para todos que lá se encontravam. E ele tinha consciência disso, razão pela qual mantinha documentos, fotos e uma surpreendente memória de tudo que se passara distante quase 50 anos depois.
Afável no trato, não escondia o orgulho de sua vida sindical e política. Sua longa passagem pelas atividades sindicalistas ele as reuniu num acervo pessoal transformado em arquivo de memórias que leva o seu nome, naturalmente, e que foi organizado com a ajuda da Universidade Federal de Juiz de Fora, responsável pela publicação de um volumoso trabalho no qual constam partes da documentação reunida e uma longa entrevista com o mais importante e atuante líder sindical da cidade. Acervo este do qual esta breve biografia se serviu.
Simplicidade e a capacidade de expor sua memória de eventos dos quais teve participação, sua narrativa não consegue esconder certo orgulho pela atuação como sindicalista e político. Tal como o pai, Orlando, também sindicalista, não admitia que ninguém pusesse em cheque seu caráter. E dessa maneira, em meio à dinâmica dos embates sindicais, foi que o jovem de 29 anos passou a freqüentar assiduamente os ambientes da política sindical, respeitando divergências e sendo respeitado pela sua integridade moral.
Em nossa primeira conversa chamou-me atenção o uso cerimonioso ao invocar a figura de João Goulart. A todo instante evocava o “doutor Jango”, quando na verdade com ele esteve quase todo tempo desde a sua iniciação no movimento sindical em 1949 até o golpe de 64. Em sua fala, Riani não consegue esconder a grande admiração pelo líder trabalhista que tinha sido ministro do Trabalho de Getúlio Vargas, duas vezes vice-presidente, de Juscelino e de Jânio, a quem o substituiu chegando à presidência, em uma difícil conjuntura política.
No entanto, apesar de tantos e importantes cargos, Jango se mantinha o mesmo homem simples, amigo dos líderes trabalhistas, em especial com aquele a quem sempre recorria em situações de conflito entre trabalhadores e as representantes do patronato.
O exemplo do gaúcho, que cedo trilhou os caminhos que o levaram ao exercício da presidência, marcou muito Riani, que também cultivava o afeto companheiro com quem partilhava ideias caras ao ideário do trabalhismo, que ambos abraçaram. Foi esse encontro de fé doutrinária e de dedicação à causa dos homens e mulheres simples que os uniu para sempre. E essa identificação os levou a uma amizade pouco comum nos embates políticos freqüentemente marcados por rusgas e desafetos. Positivamente isso jamais poderia acontecer com Riani e Jango, pois a admiração e a confiança eram mútuas.
Passado o longo tempo de militância sindical e parlamentar, no ano de 2000 o projeto de lei do deputado Durval Ângelo do PT, proporcionou uma indenização pelos anos de reclusão e perda de empregos durante a vigência da ditadura. Na época, recebeu um valor aproximadamente de 146 mil reais. Na Páscoa daquele ano, Riani o distribuiu dividindo em dez partes, doados aos seus dez filhos. Ao entregar esses valores disse a todos eles que o dinheiro não pagava o sacrifício e o sofrimento que passaram pelas constantes ausências do pai.
A devoção às lutas por melhores condições de vida o levara, assim, a prejudicar sua grande família. Ele tinha consciência disso, mas era uma escolha que fizera e não se arrependia. O afeto nunca faltou aos filhos, mas ele o distribuía aos demais companheiros na árdua defesa dos direitos sociais.
Assim foi Riani e assim é Riani. Devotado integrante de uma geração da qual representa como poucos é uma referência para as novas gerações de militantes sindicais, e de políticos que se voltam inteiramente em busca de melhores condições de vida para toda a cidadania, principalmente para os mais necessitados.
Ao invés de responder reservadamente os votos natalinos, que ele os envia todos os anos a mim, desta vez o farei publicamente, para demonstrar o quanto o admiro e o quero bem. Mas, sobretudo, para quem não o conhece é importante que se diga: há pessoas que honram as funções de representação de uma coletividade. Riani foi uma dessas pessoas e a exerceu com dignidade e respeito ao interesse público.
Vida longa para o guerreiro Clodesmidt Riani!
LINCOLN DE ABREU PENNA – Doutor em História Social pela Universidade de São Paulo (USP); Conferencista Honorário do Real Gabinete Português de Leitura; Professor Aposentado da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ); Presidente do Movimento em Defesa da Economia Nacional (Modecon); Vice-presidente do IBEP (Instituto Brasileiro de Estudos Políticos); Colunista e Membro do Conselho Consultivo do jornal Tribuna da Imprensa Livre.
EVENTO
Tribuna recomenda!
NOTA DO EDITOR: Quem conhece o professor Ricardo Cravo Albin, autor do recém lançado “Pandemia e Pandemônio” sabe bem que desde o ano passado ele vêm escrevendo dezenas de textos, todos publicados aqui na coluna, alertando para os riscos da desobediência civil e do insultuoso desprezo de multidões de pessoas a contrariar normas de higiene sanitária apregoadas com veemência por tantas autoridades responsáveis. Sabe também da máxima que apregoa: “entre a economia e uma vida, jamais deveria haver dúvida: a vida, sempre e sempre o ser humano, feito à imagem de Deus” (Daniel Mazola). Crédito: Iluska Lopes/Tribuna da Imprensa Livre.
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