Categorias

Tribuna da Imprensa Livre

REFORMA MONETÁRIA PARA PREVENÇÃO DE DANOS CLIMÁTICOS  (Parte III) – por J. Carlos de Assis
Colunistas, Economia, ESPECIAL, Política

REFORMA MONETÁRIA PARA PREVENÇÃO DE DANOS CLIMÁTICOS (Parte III) – por J. Carlos de Assis

Por José Carlos de Assis –

É responsabilidade dos governos, como representantes de toda a Sociedade e do Estado Nacional, adotar as medidas preventivas para minimizar os efeitos de tragédias como as de enchentes e incêndios catastróficos que vêm atingindo quase todo o território nacional.

No caso das queimadas, ao contrário de enchentes catastróficas como as ocorridas no Sul, estas devidas sobretudo às mudanças climáticas, está claro que a principal prevenção consiste em identificar, processar, julgar e pôr na cadeia os responsáveis por atearem fogo em todos os biomas nacionais, já que as principais autoridades do setor estimam que 99% dos incêndios atuais são de origem criminosa.
As queimadas generalizadas e simultâneas se devem a duas espécies de crimes. Os movidos por interesses econômicos, como os que se destinam a abrir áreas para produção agrícola e agropecuária, e os que se devem a algum interesse político obscuro – o que não pode ser descartado tendo em vista a disseminação do ódio no País desde as últimas eleições, cuja caracterização maior foi a destruição da Praça dos Três Poderes em 8 de janeiro de 2.023. Nos dois casos, não se pode culpar apenas a seca prolongada pelo fogo. A prevenção consiste justamente em prender com antecedência quem acende o fósforo, o que exige presteza da Polícia e da Justiça.

Entretanto, mesmo que as autoridades policiais estejam fazendo o seu serviço, prendendo dezenas de suspeitos de incendiar o País, alguns em flagrante, a maioria está sendo solta logo após as audiências de custódia. Isso requer maior transparência, para que não paire dúvida sobre eventual conivência da autoridade judiciária com os criminosos, como acontece frequentemente, para revolta da Sociedade Civil honesta, nos casos de crimes comuns. Assim, o Superior Tribunal de Justiça ou o Supremo Tribunal Federal deveriam adotar medidas emergenciais para uniformizar procedimentos judiciais mais rigorosos nos casos de incêndio em instâncias inferiores da Justiça.

Para um país de dimensões continentais, como o Brasil, a prevenção de incêndios florestais é extremamente difícil, sobretudo quando suas causas são devidas a ação humana. O que aconteceu no Estado de São Paulo, por exemplo, em agosto e setembro, foi um indicador forte de uma iniciativa combinada, já que vários focos de incêndios, em locais relativamente distantes uns dos outros, surgiram quase simultaneamente. A Natureza, por si, não produz uma coincidência tão grande. Isso suscitou a desconfiança da sociedade de que uma ação política combinada, para desmoralizar o governo, estava por trás das tragédias. Nada, porém, ficou provado até agora.

Uma vez iniciados, é extremamente difícil controlar ou conter os incêndios, em especial nas secas prolongadas e quando eles estão sendo estimulados pelos ventos. Assim, diante do que está acontecendo no Brasil, a prevenção fundamental consiste em adotar com antecedência métodos de inteligência para identificar possíveis criminosos, antes que incendeiem as matas, estabelecendo-se, por outro lado, um aumento significativo da pena para os que forem condenados pelo crime, quaisquer que sejam suas motivações. Para isso, seria importante reunir, em caráter permanente, uma força tarefa específica de investigadores, sob coordenação da Polícia Federal, e em conjunto com outros órgãos de segurança federais e estaduais, mais o Ibama e o ICMBio, para inibir o crime antes de que aconteça.

Os incêndios estão se deslocando das florestas para as imediações de algumas capitais e cidades. Em algumas delas, os moradores tiveram de recorrer a baldes de água para proteger suas casas do fogo. Conseguiram, porque os bombeiros chegaram a tempo. Nesses casos, alguma prevenção seria possível, desde que se identificasse previamente o risco. A própria Sociedade Civil poderia articular brigadas urbanas de prevenção de incêndios em casas vulneráveis ao fogo, antes que ele aconteça. Contudo, tanto quanto o fogo, abalaram profundamente o País as enchentes e alagamentos no Sul em meados deste ano. E também aí será difícil a prevenção.

Tecnicamente, o principal fator a ser dimensionado nos episódios de enchentes e inundações de dimensões catastróficas é a frequência deles, e a extensão máxima de seus efeitos na corrente central, nas comportas e nas margens dos rios. Em primeiro lugar, quando as águas atacam e engolem residências, rodovias, viadutos, pontes, prédios públicos etc., é fundamental a abertura das comportas e muros laterais para deixar que escoem livremente pelas margens, determinando a extensão máxima do que será definido como área de risco. Isso parece contraintuitivo. E é!
A maioria dos engenheiros no Brasil acredita que a prevenção consiste em construir nos rios barragens laterais, em tempo seco, para impedir inundações nas épocas de chuvas. Contudo, não se pode lutar diretamente contra a Natureza: a partir da recorrência histórica desses fenômenos e de um estudo detalhado das características geográficas das regiões afetadas, pode-se indicar as providências necessárias para evitar ou minimizar os efeitos das grandes enchentes mediante a adaptação a elas das comunidades afetadas, apontando-se previamente as áreas de risco.

Com base em métodos adotados há décadas na Holanda e, mais recentemente, em 15 grandes cidades chinesas, com notável êxito, sabe-se que a forma mais eficaz de prevenção não é retificar e cercar os rios com grandes barragens de concreto para controle de enchentes, mas, justamente o contrário. Na verdade, é fundamental que, tanto nos períodos de seca como nos de chuvas, os rios escoem naturalmente, no curso normal, livres das barragens laterais e tomando a direção pelas margens que lhe indicar a lei da gravidade.
O objetivo dessa técnica é permitir que, nas cheias, as enchentes se espalhem ao máximo pelas margens dos rios, inclusive através de canais preparados para isso, e demarquem as regiões mais vulneráveis, considerando inclusive os efeitos de outras eventuais medidas preventivas. Uma das formas tradicionais mais adequadas de prevenção é criar em tempo seco no subsolo reservatórios amplos e túneis para absorção das águas, à semelhança de grandes cisternas, a fim de dar mais espaço para que elas sejam absorvidas no tempo das chuvas.

Com isso, uma adequada medição das superfícies sujeitas à inundação em comparação com a medição de extensão e altura do lençol freático, no tempo seco, indica as dimensões necessárias para os depósitos subterrâneos funcionarem como sorvedouros de águas no tempo das enchentes e dos alagamentos. Isso não impede os desastres, pois, especialmente em tempos de mudanças climáticas catastróficas, é simplesmente impossível evitá-los. Pode-se, porém, ao menos minimizar seus efeitos permitindo aos habitantes mais vulneráveis das margens dos rios optar entre correr o risco de ficar nelas ou buscar outros locais para morar e viver.

O manejo das enchentes e das secas remonta aos primórdios da Humanidade. A agricultura irrigada surgiu na Mesopotânea e se desenvolveu principalmente no Egito. As inundações anuais do Nilo eram prenúncio das colheitas, que resultavam do plantio na estação própria. Elas eram estimadas, inclusive, para cálculo de impostos, segundo o nível alcançado pelo rio nas enchentes. É similar ao processo que se sugere aqui de liberar as margens dos rios a fim de que as águas escorram por elas naturalmente, através de canais construídos especialmente para isso.

É preciso levar em consideração também outros fatores que podem afetar o lençol freático. As formigas são fabricantes de verdadeiras galerias de buracos sob a superfície dos terrenos nos períodos secos, e que se estendem ao Planeta inteiro, exceto nos polos. Também funcionam como sorvedouros naturais de água nos períodos de chuva, contribuindo igualmente nessas épocas para a redução do nível das águas na superfície. Por isso, é preciso respeitar esses e outros animais na natureza, como os tamanduás, que, por sua atuação natural, dispersam os formigueiros por amplas áreas no subsolo, funcionando como um fator de dispersão de formigas e de prevenção de desastres climáticos.

O reflorestamento permanente de áreas em torno dos rios, e, sobretudo, das regiões atingidas por enchentes, constitui uma medida preventiva natural contra as cheias, pois as raízes das árvores absorvem água e as copas absorvem dióxido de carbono. Entretanto, quando se trata de regiões ressecadas por incêndios, o reflorestamento contrabalança também os efeitos das queimadas na produção de dióxido de carbono e de metano na atmosfera – os principais fatores do aquecimento global -, pois produzem fotossíntese, removendo-os da Natureza.
Não só isso. As florestas contribuem para a atenuação das temperaturas, a purificação do ar, a proteção das nascentes dos rios, a maior oferta de água, sombras em áreas urbanas e rurais. Quando resultado de culturas que reproduzem as vegetações naturais, com mínima intervenção humana, possibilitam a sobrevivência de animais hoje em extinção. Nesse caso, seria extremamente interessante que o Brasil seguisse iniciativas ambientais que se desenvolvem na Argentina, com a colaboração do governo com a iniciativa privada, que assumiu grandes áreas que se transformaram em parques públicos reflorestados.

Um importante efeito desses processos naturais é que, no caso acima indicado do espalhamento das águas pelas margens naturais de rios e lagoas, podem ser aproveitadas regiões propícias ao plantio de espécies agrícolas que se adaptam muito bem a regiões alagadas no período de chuvas, como é o caso do arroz.

Entretanto, depois do espalhamento das águas, nesse período, os sedimentos resultantes dos alagamentos, nas secas, poderão ter alterado a qualidade do solo e eventualmente precisam ser removidos, sobretudo se as águas tiverem sido contaminadas por produtos químicos venenosos.

Recomenda-se, portanto, a adoção desses métodos naturais de convivência com eventos climáticos extremos que continuarão acontecendo no Brasil e no mundo.

Naturalmente, sua implantação exigirá dos governos federal, estaduais e municipais recursos consideráveis, sobretudo para construção de casas fora de áreas de risco e de um número adequado de reservatórios e túneis no subsolo. Temos a tecnologia e a capacidade empresarial para isso, na forma das grandes empresas de construção que sobreviveram à Lava Jato. Faltam, porém, os recursos para medidas de prevenção cobrindo o território nacional, como deve ser.

Dada a extensão das regiões a serem reconstruídas, e com a delimitação em “módulos” básicos das áreas onde devem ser aplicadas as ações dos governos, recomenda-se a contratação para as obras de empresas construtoras e de consultorias especializadas, em número proporcional ao tempo que se deseja para concluir o processo de reconstrução e de prevenção. A delimitação das áreas em “módulos” possibilitaria um acompanhamento mais eficiente e um controle maior do trabalho e dos insumos requeridos para o planejamento total, ao se somarem os diferentes elementos físicos e humanos usados no processo em cada “módulo”, e colocados numa plataforma digital que acompanharia o trabalho em tempo real, com a utilização do sistema blokchain-token.

O processo tradicional de utilização dos reservatórios e túneis subterrâneos para absorver a água das enchentes permite que ela volte à superfície em tempo seco, nesse caso inclusive com o uso de cisternas movidas a mão, como ocorre normalmente no Nordeste.

Entretanto, com os recursos disponíveis de Engenharia e tendo em vista a ampla disponibilidade de energia que o Brasil tem hoje, é tecnicamente possível e barato o processo inverso, com os reservatórios acompanhando as bacias no subsolo, e usando bombas elétricas que retirem água ali acumulada e trazendo-a à superfície na seca, a fim de que seja usada para fins domésticos ou de irrigação na agricultura.

Entre outras medidas de reconstrução cabe considerar a questão das casas e prédios inundados pelas enchentes. Muitos deles, mesmo quando completamente inundados, podem ser rapidamente recuperados a partir de seus próprios alicerces de cimento armado, um material que pode durar até 500 anos, sem alteração de qualidade. Para isso, bastará, em alguns casos, reconstruir os telhados e, em outros, nem isso, pois também os telhados podem ter ficado intactos. A precondição essencial é que, antes de voltarem a suas residências que foram inundadas, as famílias sejam informadas pelas autoridades do que continuará sendo ou não área de risco.

Assim, a prevenção consistirá, por parte o setor público, em orientar os habitantes nas áreas constatadas como de forte probabilidade de continuarem expostas à situação anterior de enchentes e alagamentos a encontrar novas regiões para viver e produzir. Haverá quem resistirá a sair de seus locais de origem ou de onde vivem, mas os governos devem exercer uma pedagogia consistente para convencê-los a se mudar, inclusive oferecendo habitações e subsídios para isso.

Uma providência essencial para colocar em funcionamento um plano de prevenção de riscos climáticos é dividir as regiões atingidas por desastres em “módulos”, independentemente de limites políticos, para facilitar o desenvolvimento de todo o programa de reconstrução a partir da base, e construir a Plataforma Digital que deverá acompanhar, passo a passo, o avanço do processo produtivo em cada “módulo”. Isso possibilitará controle pela Plataforma, por “módulo”, de todas as etapas de execução das obras e serviços planejados, executados e pagos, e possibilitando sua soma final em tempo real, contribuindo também para evitar corrupção.

Seria importante que o Exército, em cooperação com a Marinha e a Aeronáutica, criasse em todas as Regiões Militares batalhões ou brigadas permanentes especializadas em combate a enchentes, inundações e incêndios. Isso possibilitaria pronta resposta aos desastres, inclusive quando acontecessem simultaneamente no País, reduzindo-se o tempo gasto em deslocamento de homens e máquinas. Os militares, que prestaram um serviço excepcional no caso das enchentes no Sul, deveriam receber, em cada ação, adicionais sobre o soldo normal para compensar o esforço de guerra exigido nessas circunstâncias.

A reconstrução de casas e ativos destruídos pelos desastres climáticos extremos e a prevenção de novos desastres continuarão custando bilhões de reais aos setores público e privado nos próximos anos e décadas. Nas duas partes anteriores desta série, abordei a incompatibilidade entre a institucionalidade fiscal-monetária brasileirea com o desenvolvimento sustentável, o que se agravará em tempos de desastres climáticos extremos. No que diz respeito à parte fiscal, o Executivo foi liberado, por decisão do ministro Flávio Dino, do STF, das restrições do “arcabouço”.

Entretanto, a parte monetária não está resolvida para a economia como um todo.
De fato, uma sucessão de desastres climáticos implicará prejuízos acumulados de famílias e empresas. O Governo terá de fazer déficits fiscais extraorçamentários para compensá-los, pressionando a demanda efetiva. A curto prazo, isso poderá favorecer o crescimento da economia, pois o setor privado se sentirá estimulado a investir, criando bens, serviços e empregos para acompanhar a demanda crescente. Porém, esse processo pode ser interrompido se, por falta de crédito ou aumento de seu custo causados pela obsessão do Bacen de controlar a inflação com alta da taxa de juros, a demanda a cair e, com ela, o investimento privado. Com isso surgirá um superávit primário no orçamento público que derrubará as perspectivas de desenvolvimento sustentável da economia com estabilidade de preços.

Portanto, a compatibilidade da política monetária brasileira, a mais extravagante do mundo, com a Era de desastres climáticos extremos dependerá de uma redução drástica da taxa de juros (Selic) e da expansão do crédito, em sentido oposto ao que faz o Bacen com a gestão de sua moeda remunerada na forma de operações compromissadas com o setor privado, que desvia recursos do lado real da economia para o lado financeiro especulativo. Uma reforma radical dessa institucionalidade, que hoje empurra a taxa de juros da economia para cima, seria o melhor que se poderia fazer, do ponto de vista monetário, para enfrentar as consequências econômicas dos desastres climáticos, via crescimento da produção e do PIB a taxas significativas.

Este texto é o terceiro de uma série de cinco que estão sendo publicados sobre política fiscal, política monetária, prevenção de desastres climáticos, neoliberalismo e progressistas, e a construção de uma nova sociedade a partir dos APLs.

JOSÉ CARLOS DE ASSIS – Jornalista, economista, doutor em Engenharia da Produção, autor de mais de 25 livros de Economia Política e introdutor do jornalismo econômico investigativo no Brasil com denúncias de escândalos sob o regime militar que contribuíram de forma decisiva para o desgaste da ditadura nos anos 80. Em função das boas práticas profissionais recebeu em 2019 o Prêmio em Defesa da Liberdade de Imprensa, Movimento Sindical e Terceiro Setor, parceria do jornal Tribuna da Imprensa Livre com a OAB-RJ.

Envie seu texto para mazola@tribunadaimprensalivre.com ou siro.darlan@tribunadaimprensalivre.com


PATROCÍNIO

Tribuna recomenda!

Related posts

Deixe uma resposta

Required fields are marked *