Por Lincoln Penna

Foi o vírus do sistema que nos governa. Esta resposta parece estar presente em nossas inquietações sobre o verdadeiro autor do assassinato da vereadora Marielle Franco e de Anderson Gomes, mas é preciso que seja dito com todas as letras: os assassinos que conceberam o crime ainda se encontram impunes. Até quando?

É um vírus muito anterior ao que hoje provoca a mais contundente pandemia há um século, pois é, inclusive, responsável pelos diversos vírus que circulam mundo afora. Ele se esconde por trás das instituições, ilude os que verberam pela democracia e costuma fazer profissão de fé nos mais diferentes lugares. Mas não consegue disfarçar por muito tempo. Vez por outra, ele aparece sem muitos rodeios e age mais às claras convencido da impunidade.

Marielle Franco era a própria encarnação do ser que esse vírus da maldade teme. Resoluta, corajosa, exprimia sua indignação diante da opressão desencadeada contra as comunidades mais desassistidas e sujeitas à espoliação do sistema produtor desse vírus, que sua ação destemida era insuportável para quem conduzia e dissemina sem escrúpulo algum o poderoso contágio cujo princípio ativo era justamente a liquidação da felicidade da gente humilde, que Marielle passara a representar soberbamente.

Nomes que agem sob o manto do sistema são vários.

Puní-los exemplarmente é não só possível como desejado pela consciência da cidadania, porém é preciso mais do que nunca que suprimamos o sistema que faz seu princípio ativo ser reproduzido a cada geração, de modo a manter-se impune, mesmo que os seus agentes venham a ser identificados e julgados. Ele, sistema, se mantém intacto e prospera em meio à crise crônica a cometer novas e seguidas atrocidades.

Permanece a pergunta que tem sido feita a respeito do bárbaro e covarde crime de execução contra duas figuras humanas indefesas, ou seja, quem matou Marielle e por quê? A resposta precisa ser dada de modo a que possamos identificar mais e melhor o núcleo gerador do sistema, que tem nome e sobrenome – sistema capitalista – mas que precisa também ter identidade nominal devidamente registrada, aqueles que funcionam como seus braços criminosos. Só assim poderemos encontrar a vacina adequada para estancar e suprimir de vez a essência da maldade que esse vírus espalha.

Não esqueçamos, nesse momento, de outras vítimas desse mesmo princípio ativo, como o pedreiro Amarildo, detido e levado em um camburão da PM e desaparecido, sem culpa provada e sem vida. Assim como ele um número enorme de pessoas, entre adultos, jovens e crianças, que foram retiradas de nosso convívio de forma sempre violenta. Do nosso convívio sim, porque mesmo habitando os asfaltos mais nobres ou menos nobres de nossas cidades somos todos, queiramos ou não, partes de uma sociedade que necessita viver em paz e com justiça social. Sem o que a pregação da paz isoladamente não tem sentido algum.

Hoje, 14 de março, três anos do assassinato de Marielle e Anderson.

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Veja também: Ato realizado no dia seguinte as mortes, Centro do Rio de Janeiro, com a palavra os advogados Aderson Bussinger e André Barros (Crédito: Daniel Mazola/TIL)


LINCOLN DE ABREU PENNA – Doutor em História Social pela Universidade de São Paulo (USP); Conferencista Honorário do Real Gabinete Português de Leitura; Professor Aposentado da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ); Presidente do Movimento em Defesa da Economia Nacional (Modecon); Colunista e Membro do Conselho Consultivo do jornal Tribuna da Imprensa Livre.