Por Maria Lucia Fattorelli –
Bancos, indústria e mineração levarão vantagem.
O texto da PEC 45/2019 originalmente previa a criação, por meio de lei complementar a ser editada posteriormente, de um único imposto sobre o consumo no país (IBS) o qual seria administrado por um comitê gestor que também seria criado por lei complementar, a posteriori. Aquele IBS englobaria 5 tributos, sendo 3 federais (IPI, PIS e Cofins), 1 estadual (ICMS) e um municipal (ISS), teria “alíquotas singulares” e outras peculiaridades.
Tudo isso mudou! O relatório “preliminar” da PEC 45-A/2019, divulgado dia 22 de junho de 2023 pelo atual relator na Câmara dos Deputados, Aguinaldo Ribeiro (PP-Paraíba), desfigurou expressivamente o texto anterior e englobou parte de outra PEC que tramita no Senado (PEC 110/2019).
O relator apresentou outra versão de seu relatório substitutivo, tarde da noite do dia 5 de julho de 2023, em plenário da Câmara dos Deputados, e o seu presidente, Arthur Lira, já iniciou, no início da tarde do dia 6 de julho, a sessão para a sua votação. E ainda disse que novas modificações poderão ser feitas!
O Governo Federal pressiona pela aprovação. Inúmeras reuniões e negociações estão acontecendo, inclusive a maior liberação de dinheiro para emendas parlamentares: R$ 2,1 bilhões para emendas impositivas em um único dia (5/7/2023) e mais R$1,3 bilhão para emendas de bancadas estaduais (dia 4/7/2023), além do que já vinha sendo liberado desde o início do ano.
Qual a razão para tamanha correria e votação para aprovar uma proposta de Reforma Tributária se o seu texto prevê que as primeiras alterações começarão a valer somente a partir de 2026 e serão concluídas somente em 2078 (daqui a 55 anos)?!?!?!
Afinal, qual é a essência dessa “reforma”?
Criação de 3 tributos:
- IBS (imposto sobre bens e serviços), que engloba o ICMS (imposto estadual) e o ISS (imposto municipal);
- CBS (contribuição sobre bens e serviços), que engloba as contribuições sociais federais COFINS e PIS;
- Imposto seletivo (para desestimular o consumo de produtos considerados prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente).
Extinção de vários tributos:
- IPI – Imposto sobre Produtos Industrializados (Art. 153, IV);
- ICMS, ISS, Cofins e PIS, inclusive PIS e Cofins sobre a Importação.
Só esse movimento de extinção e criação de tributos já mostra que está em jogo o financiamento do todos os estados e municípios, assim como o financiamento da Seguridade Social!
Consideramos uma tremenda irresponsabilidade forçar uma apressada votação sem o necessário aprofundamento do debate, estudos técnicos, definição de alíquotas e respectivos testes para verificar se os novos tributos criados garantirão a manutenção da arrecadação necessária aos entes federados e à Seguridade Social.
Além disso, o novo substitutivo cria uma nova “agência” denominada Conselho Federativo de Imposto sobre Bens e Serviços.
Essa nova instituição irá ser o caixa de arrecadação do IBS, ou seja, os tributos (ICMS e ISS) que até então eram arrecadados por cada ente federado e caíam diretamente nos próprios cofres públicos de cada estado, do DF e município, a partir da modificação trazida nessa PEC, passarão a ir para esse Conselho Federativo, que fará posteriormente a distribuição.
Estados e municípios perdem a autonomia e o controle sobre suas arrecadações próprias, o que fere frontalmente o pacto federativo, pois a administração e gestão do IBS ficarão a cargo da nova instituição criada. A administração tributária de cada ente federado (União, estados, DF e municípios) será modificada em lei complementar a ser editada posteriormente, conforme novo dispositivo inserido pelo relator (Art. 37, § 17 da CF/88).
É notável o imenso poder desse Conselho Federativo, que reunirá a arrecadação de 26 estados, DF e 5.570 municípios e terá autonomia “técnica, administrativa, orçamentária e financeira”; porém, será mantido pelos estados e municípios, conforme dispositivos inseridos pela PEC 45 ao ADCT da CF/88 (Art. 124, §1º e Art. 125, Parágrafo Único).
Ademais, a reunião dos volumosos recursos de estados, DF e municípios em caixa único facilitará a implementação de nocivos esquemas de desvios de receitas públicas, como o esquema da “securitização” na esfera pública, o que é gravíssimo e precisa ser devidamente esclarecido, tendo em vista que tal esquema já foi implementado em diversos entes, apesar de sua flagrante inconstitucionalidade.
A justificativa para a criação desse Conselho Federativo, apesar de todos os riscos, custos e danos que ele provoca, é a necessidade de administrar a transição da destinação do IBS para o destino; no entanto, a PEC prevê que esse processo só se iniciaria, a conta-gotas, em 2029, e seria concluído no ano de 2078!
Alguns setores estão apoiando e forçando a aprovação dessa proposta de Reforma Tributária, pois estão levando muita vantagem:
- A mineração e o grande agronegócio voltados para exportação não terão que pagar o novo Imposto Seletivo, que atinge produtos e serviços prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente. Trata-se de imensa incoerência, pois são essas atividades de mineração e grande agronegócio voltadas para exportação que mais têm destruído o ambiente e afetado a saúde das pessoas com poluição, matança e contaminação de rios, uso de venenos, derrubada de florestas, sacrifício de animais etc.
- Vários outros benefícios para essas atividades predatórias estão inseridos no substitutivo do relator, como a benesse na recuperação de todos os créditos de tributos pagos na aquisição de bens e serviços; isenção de IPVA sobre aeronaves, máquinas e tratores, entre outras. A isenção nas exportações de mercadorias já havia sido inserida na Constituição pela Emenda 42/2003 (Art. 155, X, “a”).
- A Fiesp e a grande indústria também impulsionam a aprovação, pois o setor ficará livre do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), que está sendo extinto.
- Bancos não serão atingidos por essas alterações e terão “regime especial” a ser definido posteriormente, e já conhecemos a pressão do setor que chantageia com alta de juros (já escorchantes!) diante de qualquer ameaça de aumento de tributos!
Por outro lado, o financiamento dos estados, municípios e da Previdência Social corre grave risco!
Diante disso, apelamos aos parlamentares para que ajam com responsabilidade e adiem a votação da PEC 45-A/2019, até que todos os cálculos sejam devidamente demonstrados, os testes necessários efetuados e devidamente esclarecido o papel e os riscos do Conselho Federativo, em debates abertos com a sociedade que, no final, irá pagar a conta e arcar com as consequências do que der errado!
Maria Lucia Fattorelli é coordenadora nacional da Auditoria Cidadã da Dívida e membro titular da Comissão Brasileira Justiça e Paz da CNBB.
Publicado inicialmente no jornal Monitor Mercantil. Envie seu texto para mazola@tribunadaimprensalivre.com ou siro.darlan@tribunadaimprensalivre.com
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