Por Paul Krugman

Depois de tantos anos, a cidade de Nova York continua sendo o maior portal dos Estados Unidos para o mundo —situação que traz muitas coisas boas, mas também a torna um lugar onde novas variantes do coronavírus podem se disseminar rapidamente. A boa notícia é que a cidade parece ter suportado relativamente bem a onda de ômicron, que recua rapidamente.

O sistema hospitalar ficou sobrecarregado, mas não quebrou; segundo dados da prefeitura, “só” 2.846 pessoas morreram de Covid-19 entre 5 de dezembro e 22 de janeiro.

DIAGNÓSTICO FALSO – É uma história muito diferente da que aconteceu durante a primeira onda, em 2020, quando vários observadores sugeriram que Nova York era singularmente vulnerável por causa de sua alta densidade populacional e da dependência do transporte público — diagnóstico que se mostrou falso quando o coronavírus se espalhou por todo o país.

Desta vez, a cidade conseguiu reagir muito melhor, em parte porque a grande maioria de seus moradores está vacinada e geralmente segue as regras sobre usar máscaras em espaços públicos, mostrar provas de vacinação antes de jantar em restaurantes fechados etc. Em outras palavras, os nova-iorquinos têm se comportado de modo bastante responsável pelos padrões americanos.

Infelizmente, os padrões americanos são muito ruins. Os Estados Unidos fizeram um péssimo trabalho no enfrentamento da Covid. Tivemos mais mortes, como porcentagem da população, do que qualquer outro país grande e rico, com a disparidade ainda maior durante a onda da ômicron do que antes. Por quê? Porque muitos americanos não se comportaram de modo responsável.

IRRESPONSABILIDADE – Eu sei que não sou o único que está enraivecido por essa irresponsabilidade, que foi estimulada por políticos e outras figuras públicas. Certamente muitos americanos sentem uma raiva fervente contra a minoria que colocou o restante de nós em risco e degradou a qualidade de vida em nosso país.

Houve notavelmente poucas pesquisas sobre como os americanos que estão agindo responsavelmente veem aqueles que não estão —a postura e a ocasional violência dos que são contra máscaras e vacinas ganham todas as manchetes—, mas as pesquisas disponíveis sugerem que durante a onda delta a maioria dos americanos vacinados ficou frustrada ou enraivecida com os não vacinados.

Eu não ficaria surpreso se esse número tiver aumentado com a ômicron, de modo que os americanos que estão cansados de seus compatriotas que não fazem a coisa certa hoje são uma maioria silenciosa.

OPÇÃO INDIVIDUAL? – Ah, e não me diga que o modo como você se comporta durante uma pandemia é meramente uma opção individual. Eu não reivindico qualquer conhecimento especial nessa ciência, mas parece haver claras evidências de que o uso de máscara em certos ambientes ajudou a limitar a disseminação do coronavírus.

As vacinas também provavelmente reduzem a disseminação, em grande parte porque os vacinados são menos propensos a se infectar, mesmo que possam sê-lo. Mais crucialmente, não se vacinar aumenta em muito o risco de uma pessoa ficar gravemente doente e sobrecarregar os hospitais já lotados.

Pense também no ônus da prova aqui. Você não precisa ter 100% de fé nos especialistas para admitir que pegar um avião sem máscara ou jantar em local fechado sem se vacinar pode pôr os outros em risco — e para quê? Sei que algumas pessoas nas cidades vermelhas (republicanas) imaginam que as cidades azuis (democratas) se tornaram lugares de uma tirania insana, mas a verdade é que nesta altura os nova-iorquinos com cartões de vacinação em suas carteiras e máscaras nos bolsos podem fazer praticamente o que quiserem, ao custo de uma mínima inconveniência.

EGOÍSMO EVIDENTE – O que isso significa, por sua vez, é que aqueles que se recusam a tomar precauções básicas contra a Covid estão sendo, no mínimo, egoístas —ignorando o bem-estar e o conforto de seus concidadãos. No pior dos casos, estão envolvidos em agressão deliberada — colocando outros em risco para defender um ponto de vista.

E o fato de que algumas pessoas ao nosso redor estão deliberadamente colocando outras em risco tem um preço psicológico. Diga-me que não lhe incomoda quando a pessoa sentada à sua frente no corredor ou parada atrás de você na fila está ostensivamente sem máscara ou a mantém abaixada.

Grande parte desse comportamento é político. Os republicanos, alimentados por uma dieta constante de desinformação pela mídia partidária — eu já disse que a Fox News desde o último verão exige que seus funcionários revelem sua situação vacinal? —, têm quatro vezes maior probabilidade que os democratas de não ser vacinados, e são muito menos propensos a usar máscara quando vão ao mercado.

APOSTA POLÍTICA – Por isso a grave pandemia nos EUA reflete amplamente uma aposta por parte dos políticos e líderes de opinião de direita de que eles podem colher benefícios ao usar as precauções básicas de saúde pública como parte da guerra cultural.

A questão é: não há uma maneira de fazer essa aposta cínica sair pela culatra? Muitos americanos estão enraivecidos com o mau comportamento que ajudou a manter a pandemia ativa. Essa raiva silenciosa dos responsáveis deveria ser uma força política reconhecida.

Sei que os políticos democratas relutam muito em criticar qualquer bloco de eleitores (os republicanos não parecem ter esse problema). E faz sentido afrouxar as restrições enquanto a ômicron se dissipa. Mas não posso ver qualquer motivo para não cobrar dos políticos que incentivam o mau comportamento. Os primeiros indícios são de que o novo governador da Virgínia, Glenn Youngkin, já está pagando um preço por suas políticas de Covid que afrouxaram as restrições. Vamos esperar que isso aconteça mais.

Fonte: The New York Times (Folha de SP)

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