Por Lincoln Penna

Os atos convocados pelos adeptos do presidente Bolsonaro, e por ele insuflados, alcançou uma dimensão massiva, inegavelmente. Era de se esperar, sobretudo porque contou não apenas com o entusiasmo febril de seus partidários mais fanatizados, como contou com a preciosa colaboração do próprio governo ao disponibilizar os recursos para o deslocamento de muitos dos participantes nessas manifestações.

Inicio essa primeira avaliação ainda no final do dia 7 com duas observações preliminares. A primeira se refere ao descompasso entre a fúria dos manifestantes ao endossarem como sempre as mesmas pautas antidemocráticas e os discursos de Bolsonaro, centrado exclusivamente nas ameaças bravateiras contra o juiz do STF, Alexandre de Moraes. Muito embora por adesão espontânea seus seguidores endossem tais ameaças como uma das bandeiras dessa truculenta horda. Mas, na verdade, esse ataque ao juiz do Supremo demonstra sua preocupação. Afinal, sua família tem sido alvo de acompanhamento a propósito de suas atitudes contrárias à democracia, tornando-se dessa maneira passível de sentenças condenatórias.

A outra observação é o apoio indisfarçável do alto comando das Forças Armadas, com a presença dos ministros militares nos palanques de Brasília e de São Paulo, e com isso corroborando a agressão aos princípios constitucionais promovidos pelas falas de seu comandante em chefe, o presidente da República. Esta afronta à democracia construída pelo pacto formal quando da promulgação da Constituição parece fazer parte das intenções já manifestas daqueles que não aceitaram a transição democrática que pôs fim à ditadura. Não é mera conjectura. Eles a declararam numa publicação intitulada Ovril, na qual afirmam seus preceitos revanchistas.

Não há também dúvida de que Bolsonaro se encontra acuado, tal como uma fera ferida tentou e tentará com mais obsessão reverter essa situação. E fera ferida como se sabe é sempre um perigo, pois se torna mais perigosa e de reações imprevisíveis. Da mesma forma, que a essa altura dos acontecimentos, os poderes da República devem estar operando medidas para conter os impulsos golpistas, cujo primeiro passo é através do constrangimento inibir iniciativas que venham a tolher as intenções de violar ainda mais os termos da Carta Magna que jurou defender.

Sabedor a essa altura que os representantes das velhas e novas classes dominantes estão procurando os meios adequados para removê-lo da presidência da República, porquanto seu papel já foi cumprido, que era o de impedir a permanência do governo petista, o desespero tomou conta de sua postura altaneira. A arrogância agora revela muito mais o medo de ser não somente removido, mas julgado e eventualmente condenado, daí dizer que uma das alternativas que ele não admitiria seria a prisão.

Ao assim se expressar, significa que ele realmente considera essa hipótese, não obstante prepara os seus fiéis apoiadores para a possibilidade de resistir.

O que dizer das oposições. Sim, no plural, porque a tarefa imediata é a de conter a fúria de quem está unicamente a pensar em sua sobrevida política e não no País, que para ele se resume na malta que o acompanha acriticamente. Nessa situação a primeira providência dos opositores é deixar de lado suas diferenças porque não se trata de composição para governar, mas sim para retirar da chefia do Estado quem tem cometido toda sorte de agressões ao bom senso e à democracia.

Para isso, as ruas precisam ser retomadas com a mais ampla solidariedade, de maneira a abraçar neste estágio todos os que sustentam a mesma posição, com a insígnia proclamada já faz tempo de Fora Bolsonaro! Ela esteve presente no Grito dos Excluídos que teve lugar em várias cidades. Porém, as atitudes de negacionismo político aplicado a ações que envolvam alianças, em razão de divergências históricas só enfraquecem esse movimento de rechaço de Bolsonaro. Essa Frente de luta deve ser não somente solidária, mas generosa nesse momento. Deixemos os pruridos e os olhares discriminatórios para trás e partamos para uma comunhão cívica em nome dos valores verdadeiramente civilizatórios, para barrar a barbárie que nos ameaça.

Os próximos dias deverão ser mais nervosos, dos dois lados. O lado da intolerância que hoje preside o País deve ser derrotado pela força de uma vontade coletiva firmada no compromisso com a democracia. Assim, devemos ter uma caminhada marcada por atitudes cada vez mais desafiadoras por parte do presidente flagrado em delírio furibundo. Diante dessa perspectiva que parece dar seqüência ao seu desespero pela perda progressiva de sua base eleitoral – ele que só está pensando nisso – é preciso que a cidadania popular lucidamente perceba que só a unidade das forças, que vêm se constituindo contra o governo da destruição da nação brasileira será capaz de tornar realidade esse dever cívico, o de resistir e preparar terreno para novas disputas dentro do campo democrático.

As forças populares não lograram organizar-se de modo a pleitear um maior protagonismo nessa quadra da vida política brasileira. Padecem até hoje das derrotas infringidas pelos golpes continuados desde 64. No momento o seu papel, contudo, é de grande importância para sinalizar as demandas que o povo precisa colocar na agenda dos projetos imediatos, tão logo nos livremos via impeachment do estorvo da atual presidência, e substituamos esse desvario da estupidez implantado no Planalto e o substituamos pelo credo fundado na ciência, na educação libertadora e nos nossos valores culturais. Portanto, vençamos a batalha ideológica.

Por fim, dizer que independente de Bolsonaro conseguir juntar muita gente, o resultado tende a ser adverso para as suas pretensões. Ele aposta no êxito de sua intimidação e despreza a possibilidade da construção de uma união nacional contra o arbítrio, a prepotência e as intimidações constantes que têm feito de modo a valer-se tão somente do fato de ter sido eleito pela maioria de votos apurados, e que agora cônscio de que não terá mais o beneplácito dessa maioria resolve investir contra o sistema eleitoral vigente, que o elegeu deputado diversas vezes, tudo para não ter de reconhecer sua derrota prevista com antecedência de um ano.

LINCOLN DE ABREU PENNA – Doutor em História Social pela Universidade de São Paulo (USP); Conferencista Honorário do Real Gabinete Português de Leitura; Professor Aposentado da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ); Presidente do Movimento em Defesa da Economia Nacional (Modecon); Colunista e Membro do Conselho Consultivo do jornal Tribuna da Imprensa Livre.


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