Redação

O maior ensaio médico já feito no país sofre pressão das redes sociais. Essa é a visão do médico Luiz Vicente Rizzo, diretor de Pesquisa do Hospital Albert Einstein, que coordena a coalizão Covid Brasil, com 70 hospitais e 1.360 pacientes, que estuda o uso da cloroquina e da hidroxicloraquina como meio de combate ao novo coronavírus. Rizzo teme, no entanto, que a fama da substância gere decepção desnecessária se os resultados forem negativos. Ao mesmo tempo, afirma o pesquisador, o grupo está esperançosos de que uma solução possa surgir de pesquisas que estão “fora dos holofotes”.

Podemos ter esperanças com a cloroquina?
Precisamos ver do ponto de vista científico e social. Do ponto de vista científico, a gente não tem nenhum dado claro que aponte para a utilidade da cloroquina no combate ao coronavírus, a gente tem boas indicações. E boas indicações, no momento, é algo bom, pois não existe nenhum tratamento específico. Boa indicação é melhor que nenhuma indicação. Esperamos ter o resultado em breve desta pesquisa que começamos juntos com outros hospitais, em uma irmandade nunca antes vista no Brasil, até de hospitais considerados concorrentes.

E do ponto de vista social? Temos um fenômeno incrível, que é essa história das redes sociais, e isso atrapalha imensamente a ciência. Hoje, por exemplo, eu não conseguiria fazer um estudo ideal, em que eu teria um grupo de pacientes que não tomasse cloroquina, pois nenhum paciente ou parente de paciente vai assinar um documento autorizando que não se use cloroquina, pois criou-se uma fama da cloroquina. Fazer ciência na era das redes sociais, em especial na área de Saúde, dificulta o lado científico. A gente fala que não tem dados, mas daí a pessoa vê milhares de mensagens dizendo que alguém tomou cloroquina e melhorou… E a verdade só vai sair com a pesquisa científica.

Qual é amplitude do trabalho?
A pesquisa testará 630 pacientes com nível moderado da doença, 440 casos graves e 290 de extrema gravidade, somando 1.360 pessoas em 70 hospitais… Essa é a beleza desta situação. Embora ela seja terrível do ponto de vista humanitário, a união dos médicos e pesquisadores é incrível. Há o pessoal de biblioteca, enfermeiras, estatística, gerenciamento. Temos um ensaio único no Brasil, a gente está muito engajado, tenho a confiança de que vamos ter as respostas no tempo certo.

O que podemos esperar desta pesquisa?
Não se pode se ater se a pessoa se curou ou não se curou. Há uma variável que é muito importante: o grande problema que vemos com esta doença é a sobrecarga dos hospitais. Se você consegue mostrar que a droga diminuiu o tempo de internação, isso tem um efeito incrível. Dá espaçamento e permite que o sistema de Saúde responda melhor.

Na sociedade há a expectativa que a cloroquina seja a panaceia, a cura da doença…
As pessoas precisam ter em mente que a hidroxicloroquina não é a única coisa que está sendo pesquisada, temos dezenas de outras frentes que estão até sendo beneficiadas pelo silêncio, por não estarem no holofote. Tenho tentado combater muito essa sensação de que a única coisa que existe é a hidroxicloroquina. Se não der certo, se não for tão bom quanto as pessoas esperam, vai haver uma crise emocional muito grande e isso é desnecessário. Há outras ações que podem ser melhores. A hidroxicloroquina não é a única solução possível.

As pesquisas “sem holofotes” serão melhores?
A pesquisa vai ser melhor se feita com a tranquilidade que o cientista tiver para executá-la. Você fazer pesquisa com um objetivo específico é sempre mais difícil, pois há uma pressão pelo resultado. O importante não é que seja mais fácil, se vai ajudar. Eu tenho certeza que alguma destas coisas vão funcionar, ou funcionarão em colaboração, não me resta dúvida que haverá uma solução para isso.

Há troca de informações entre as pesquisas pelo mundo?
Tem duas maneiras como isso é feito. A primeira é na ligação direta e estamos em ligação direta com diversos pesquisadores do mundo. Poderia citar 50 instituições com as quais a gente está trocando dados. Existe uma outra forma que é a liberação imediata dos dados, e quase todo mundo está fazendo isso. Na hora que você tem dados você deixa disponíveis para todo mundo olhar, antes mesmo de publicar. Os cientistas sérios de todo o mundo estão nessa.

Agora é diferente do que se viu com HIV, Zika, Ebola?
A impressão que eu tenho é que o coronavírus já está sendo mais pesquisado que estes outros vírus, como o HIV, que a velocidade da pesquisa é muito maior, mas também há uma pressão maior pois os números são pandêmicos. Os outros casos, mesmo sendo epidemias importantes e graves, não tinham o mesmo tipo de transmissão e tanta gente envolvida.


Fonte: O Globo, por Henrique Gomes Batista