Por Jeferson Miola –
Maria Aparecida Villas Bôas, esposa do general-conspirador Villas Bôas e presidente do Conselho Superior do Instituto que leva o nome do general, foi flagrada participando de atos antidemocráticos promovidos por fascistas inconformados com a derrota nas urnas.
Em vídeo divulgado por um bolsonarista amotinado presumivelmente em frente ao Quartel General do Exército em Brasília, a senhora Villas Bôas é chamada de “celebridade” e tratada como a “esposa de uma celebridade”.
Uniformizada de patriota, ela demonstrava se sentir em casa, bem à vontade. Depreende-se, pela apresentação do locutor, que no momento ela estava acompanhada de um primo e respectiva esposa, mas não fica claro se é primo dela ou do general.
O locutor se refere ao tal primo, também devidamente paramentado de patriota, como alguém que “tá aqui orientando a gente, guiando a gente”. No trecho final do breve vídeo, a senhora Villas Bôas se despede com o tradicional brado “Selva!”.
A presença da esposa do general-conspirador Villas Bôas em atos considerados ilegais e criminosos, porque atentam contra o resultado eleitoral, as instituições e a democracia, é um indício muito significativo do ativismo golpista orgânico e central da “família militar”.
Villas Bôas é uma das vozes mais ensandecidas e, talvez, justamente por isso mesmo, uma das vozes mais respeitadas dentre os defensores das “pessoas identificadas com o verde e o amarelo” que se aboletam em frente aos quartéis “pedindo socorro às Forças Armadas”, como o próprio postou no twitter em 15 de novembro.
A conivência dos comandos militares com atos ilegais promovidos em áreas militares decorre, por um lado, do interesse e do empenho direto deles em instalar o caos para pretextarem a intervenção das Forças Armadas. É amplamente conhecido hoje que as cúpulas militares são a principal fonte de alimentação do clima de caos e baderna, como reforça a mensagem dos comandantes das três Forças “Às Instituições e ao Povo brasileiro” [11/11].
Por outro lado, a cumplicidade dos comandos militares com os baderneiros amotinados em frente aos quartéis deriva do fato de que grande contingente desses amotinados pertence à “família militar” – são filhos, pais, sobrinhos, primos, tios, parentes, amigos de militares.
É até compreensível que se rebelem. Afinal, tinham planos de um poder eterno, e agora estão seriamente preocupados em como pagar a fatura do cartão de crédito, as prestações de dívidas, de consórcio etc, pois perderem as quase 10 mil boquinhas de cargos comissionados e salários-duplex e extra-teto, além de outras facilidades, mordomias e prestígio.
Não se pode esperar, por isso, que os comandantes autorizarem a Polícia do Exército a proceder como corresponderia proceder no caso, ou seja, desocupando as áreas militares que estão ocupadas ilegalmente e, além disso, para propósitos ilícitos e em associação criminosa.
Se depender das cúpulas fardadas, aliás, esses atos deverão continuar acontecendo livremente, pois faz parte do plano para instalar tumulto, caos e conflito no país. É o que garantiu o general André Campos Allão, comandante da 10ª Região Militar/CE.
Em vídeo no qual se dirige às tropas, este general defende os baderneiros e desafia o judiciário. Ele promete proteger os manifestantes “ainda que existam ordens de outros poderes no caminho contrário”.
Fosse o Exército Brasileiro uma instituição comandada por oficiais legalistas, profissionais, sérios e confiáveis, o general André Allão teria sido imediatamente afastado do posto de comando, seria submetido a procedimento disciplinar e, finalmente, expulso do Exército.
No entanto, o general Allão deverá gozar da mesma impunidade assegurada ao Pazuello, que mesmo sendo general da ativa, participou de motociata e comício partidário com Bolsonaro.
A Câmara dos Deputados precisa convocar o Comandante do Exército urgentemente. Em primeiro lugar, os deputados têm de cobrar dele as providências adotadas em relação a este perigoso ataque ao Estado de Direito.
E, em segundo lugar, o Comandante do Exército tem de explicar a conivência e a cumplicidade institucional com as hordas fascistas que ocupam as áreas militares administradas pelo Exército como se fossem seu próprio quintal.
O ódio do mercado à democracia e ao povo
“O mercado é só uma máquina que aloca recursos”.
Roberto Campos Neto, presidente do Banco Central do Brasil, 18/11.
“Os mercados votam todos os dias. Os mercados que têm o verdadeiro sentido do Estado”.
George Soros, especulador inernacional, em 1996.
A declaração do Lula [17/11] de priorizar o enfrentamento das graves urgências sociais provocou a histeria coletiva da ortodoxia econômica, da mídia, de banqueiros, de financistas, especuladores e, claro, do deus-mercado.
Toda essa gritaria não é em vão, tem lá sua razão de ser. E como tem!
Acontece que a canalização de maior volume de recursos do orçamento para combater a fome e a miséria diminui a disponibilidade orçamentária para o pagamento de juros da dívida pública. E isso, como se sabe, tende a aumentar a fome voraz do mercado.
O pagamento de juros da dívida, que em 2023 deverá ultrapassar 700 bilhões de reais – algo como 132 bilhões de dólares –, é a segunda maior despesa do orçamento nacional, ficando atrás somente dos gastos previdenciários.
Uma quantia respeitável. Para se ter um parâmetro: esta cifra astronômica, paga anualmente pelo povo brasileiro, é superior ao PIB de nada menos que 120 países do mundo.
Em toda América Latina, apenas os PIB’s do México, Argentina, Colômbia, Chile e Peru são superiores a esta “mesada anual” que o povo brasileiro transfere ao rentismo na forma de pagamento de juros da dívida.
Como explicaram Bresser-Pereira e outros autores da Carta Aberta ao Presidente Lula, “esse volume de pagamento de juros é o maior programa de transferência de renda do mundo, só que é uma transferência de renda de toda a sociedade para o 1% mais ricos de nossa população”.
A “insatisfação” do mercado com o discurso do Lula foi editorial de todos grandes jornais de circulação nacional no dia seguinte, 18/11 – ordem unida em defesa do sacrossanto mercado.
A Folha de São Paulo disse que “aumento da inflação e dos juros, menos emprego […] e mais ganhos para os rentistas […] seriam os efeitos práticos e prováveis da proposta petista para a expansão incondicional do gasto público”. Ora, mas se “a proposta petista” propicia “mais ganhos para os rentistas” e não o seu contrário, por que então os rentistas se oporiam a ela?
O jornal O Globo, com hipocrisia, alertou que Lula “deveria “encarar a realidade da bomba fiscal prestes a cair sobre o país”, como se a bomba já não tivesse sido detonada pelo governo militar, que ultrapassou o teto de gastos em 795 bilhões de reais em quatro anos e, além disso, deixou a economia e as finanças do país em escombros e o povo brasileiro na miséria.
O Valor Econômico acusou que “Lula reforça discurso de gastos sem a contrapartida fiscal”. Para o Valor, “a “inquietação [do mercado] é alimentada pelo desequilíbrio do discurso do Lula, quase todo centrado em gastos e estímulo ao crescimento, o que eleva o déficit público”.
O Estadão argumentou que apesar da experiência política, “Lula mal conhece o mercado, ignora seu funcionamento e é preconceituoso em relação aos critérios de quem participa do jogo”. Sim, “do jogo” – ou da jogatina, da orgia financeira ou da rapinagem, se se preferir.
O Globo também referiu uma suposta “ignorância” do Lula sobre o mercado. Lula “tem agido como se fosse um recém-chegado ao mundo da responsabilidade pública e das grandes decisões”, afirmou o veículo da família Marinho.
Ora, Lula conhece tanto o mercado – o “jogo” –, que quando ele comunicou a prioridade de garantir dinheiro suficiente no orçamento para combater a fome e a miséria, como que prevendo a reação do mercado, emendou: “se eu falar isso, vai cair a bolsa, vai aumentar o dólar. Porque o dólar não aumenta e a bolsa cai por conta das pessoas sérias, mas por conta dos especuladores que vivem especulando todo santo dia”.
Bingo! Em menos de uma hora jornalistas e “especialistas” do mercado movimentaram-se com a mesma intensa excitação dos agentes do mercado. A profecia do Lula se confirmou: naquele dia [17/11] a bolsa despencou 3,35% e o dólar valorizou 4,09%.
Quem deu uma explicação “sociológica” sobre a natureza do mercado foi Roberto Campos Neto, o presidente do Banco Central do Brasil nomeado por Bolsonaro e que ainda terá dois anos de mandato no cargo durante o governo Lula.
Campos Neto saiu-se com a seguinte pérola: “O mercado não é um monstro ou um inimigo. O mercado é só uma máquina que aloca recursos” [18/11]. O mercado, e não o Estado e a sociedade, é a “máquina que aloca recursos”!
Em meio a esta polêmica nova/antiga, José Luís Fiori, um dos mais importantes intelectuais do Brasil, republicou artigo de 1996 que tem notável atualidade para o debate atual. “Inacreditável, um artigo de 1996, escrito contra os mesmos Malan, Bacha et caterva que estão hoje nas folhas públicas. Como se as ideias econômicas tivessem ficado estagnadas para sempre. Ou, quem sabe, são os mesmos interesses de sempre…”, resumiu Fiori.
Neste texto – Aos condenados da terra, o equilíbrio fiscal – Fiori disseca “o fenômeno da globalização financeira que acabou colocando os Bancos Centrais na condição de reféns dos mercados e dos agentes privados e ‘desterritorializados’”.
Fiori avalia que esta captura dos Bancos Centrais de deu “de forma tão dura e explícita que George Soros pôde declarar recentemente que ‘os mercados votam todos os dias. Eles forçam os governos a adotar medidas impopulares, mas indispensáveis. Hoje são os mercados que têm o verdadeiro sentido do Estado’”.
Mais claro impossível. É o mercado, e não o povo, a política, a soberania popular , o governo, o Congresso ou a democracia quem define como o Estado deve funcionar e como e onde devem ser alocados os recursos socialmente produzidos e arrecadados.
A responsabilidade fiscal a qualquer custo significa, na realidade, a transferência de fatia extraordinária da renda produzida pelo povo brasileiro para um punhado de rentistas e especuladores.
Em 2023, 700 bilhões de reais do orçamento público nacional serão drenados para os bolsos de menos de 1% da população do país, enquanto dezenas de milhões de brasileiros vítimas do capitalismo continuarão padecendo de fome, miséria, pobreza e indigência.
O dogma especulativo da responsabilidade fiscal unifica neoliberais e ultraliberais – sejam eles democratas ou fascistas, sejam eles antipetistas ou bolsonaristas.
É o ódio do mercado à democracia e ao povo. Para o mercado e seus defensores, em primeiro lugar vem o dinheiro; que, às custas de vidas humanas sacrificadas, gera mais dinheiro.
JEFERSON MIOLA – Jornalista e colunista desta Tribuna da Imprensa Livre. Integrante do Instituto de Debates, Estudos e Alternativas de Porto Alegre (Idea), foi coordenador-executivo do 5º Fórum Social Mundial.
Envie seu texto para mazola@tribunadaimprensalivre.com ou siro.darlan@tribunadaimprensalivre.com
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