Por Siro Darlan –
“Aplausos e a idolatria dos fãs levam alguns desses ídolos despreparados psicologicamente para o sucesso a ouvirem apena a voz de seu ego e pensar que podem tudo”.
Está em cartaz nos cinemas do Rio um excelente filme com o título de Tár. A atriz Cate Blanchet, que concorre ao Oscar de melhor atriz interpreta Lydia Tár, a primeira mulher a liderar a icônica Orquestra de Berlim e uma das grandes compositoras-regentes vivas. Respeitada por muitos, ela tem em seu currículo trabalhos como maestrina nas principais orquestras do mundo e é professora de Cultura na Universidade de Julliard, em Nova York. Do alto de seu pedestal, Lydia vê o mundo a seus pés da maneira que o conquistou. Independentemente do machismo que assola a sociedade, ela se enxerga como uma vitoriosa que superou a tudo e a todos na base de seu talento.
Para o filósofo alemão Arthur Schopenhauer, a inteligência de uma pessoa é definida com base na sua sensibilidade a ruídos. Diversos atletas atingem o patamar de ídolos e se transformam em seu universo muitas vezes de origem humilde e introspectivo em pessoas aclamadas, amadas, invejadas e idolatradas. É muito comum que esses indivíduos sejam tomados por uma indiferença contumaz que se estende a quase tudo ao seu redor, às pessoas, às preocupações alheias e aos anseios dos demais. Tomados por essa idolatria, pensam que podem tudo e que todas as pessoas podem ser por eles subjugados e violentados.
Não é raro ver esses atletas tendo problemas com a Justiça. Prisões por atraso no pagamento de pensão alimentícia, denúncias por sonegação fiscal e até alguns casos extremos, como o do ex-goleiro Bruno, que viveu o auge da carreira no Flamengo antes de ser preso pelo assassinato de Eliza Samudio, são provas disso. Há ainda aqueles atletas que foram acusados em algum momento da carreira (ou já depois da aposentadoria) de terem praticado algum crime sexual, como pedofilia, estupro ou assédio sexual. Nem todas essas denúncias se confirmam, é verdade, mas mesmo assim ficam como uma mancha na história deles.
Está no noticiário o caso do lateral direito que marcou época com a camisa do Barcelona e que defendeu a seleção brasileira em duas Copas do Mundo (2014 e 2022) está preso na Espanha. O jogador foi detido de forma provisória por causa de uma acusação feita por uma mulher espanhola de que haveria sido vítima de uma agressão sexual por parte do jogador em uma boate na Catalunha, no fim do ano passado. Em entrevista no começo de janeiro, quando o escândalo veio à tona, Daniel Alves afirmou que não conhece e “nunca viu na vida” sua acusadora. Já no depoimento dado depois que foi preso, segundo o jornal “El Periodico”, o lateral direito mudou de ideia e disse que teve uma relação sexual consensual com a suposta vítima.
ROBINHO ex-jogador de Santos, Real Madrid, Manchester City e da seleção brasileira não pode deixar o país sob risco de ser preso e extraditado para a Itália, onde o atacante tem uma condenação de nove anos de reclusão por participação de um estupro coletivo de uma jovem de 22 anos. O crime aconteceu em 2013, época em que Robinho defendia o Milan. De acordo com a condenação da Justiça italiana, o atacante e outros cinco homens tiveram relações sexuais sem consentimento com uma mulher alcoolizada dentro de uma boate. A defesa de Robinho já esgotou todas as tentativas de recurso, e a pena ainda só não foi executada porque o jogador agora vive no Brasil, mas já houve um pedido da justiça italiana para que ele cumpra a pena no Brasil.
KARIM BENZEMA que foi protagonista do Real Madrid na conquista do título da Liga dos Campeões da Europa e vencedor da Bola de Ouro de melhor jogador do mundo, o centroavante francês já havia tido problemas com a Justiça antes mesmo do caso de extorsão contra o meia Mathieu Valbuena, que o deixou afastado da seleção por seis anos. Em 2010, Benzema foi acusado de ter tido relações sexuais com uma então garota de programa chamada Zahia Dehar (hoje atriz, modelo e estilista de roupas íntimas), que tinha apenas 16 anos na época. O jogador negou ter contratado os serviços da acompanhante. E acabou absolvido em 2014 pela Corte Criminal de Paris.
FRANCK RIBÉRY que também é ex-companheiro de Benzema na seleção francesa, o jogador que defendeu durante 12 anos o Bayern de Munique e anunciou a aposentadoria também esteve envolvido no caso “Zahia Dehar”. Ao contrário do centroavante, porém, Ribéry admitiu ter tido relações com a garota de programa. No entanto, alegou que não sabia que ela era menor de idade e que, portanto, não estava cometendo um crime. A Justiça francesa aceitou sua argumentação de defesa e decidiu por absolvê-lo.
CHRISTOPH METZELDER, o ex-zagueiro do Real Madrid e veterano dos Mundiais de 2002 e 2006 com a seleção alemã foi condenado a dez meses de prisão em liberdade condicional em abril de 2021 pela posse e envio de material pornográfico de conteúdo pedófilo. Segundo a imprensa germânica, o ex-defensor possuía em seu celular apreendido 297 arquivos com fotos e vídeos de crianças e adolescentes nus ou praticando atos sexuais. Durante o julgamento, Metzelder pediu desculpas pelo comportamento, admitiu que possuía material desse tipo e que enviou parte desse arquivo para três mulheres com quem conversava por WhatsApp.
ADAM JOHNSON, o meia, que disputou 12 partidas pela seleção inglesa e defendeu por duas temporadas o Manchester City, ficou preso durante três anos por abuso sexual de menor. O jogador foi condenado a seis anos de prisão por ter praticado sexo virtual e ter um relacionamento físico com uma garota de 15 anos que havia recebido como presente uma camisa autografada do Sunderland, clube que defendia na época. No julgamento, Johnson admitiu ter aliciado e beijado a adolescente. Em 2019, o meia foi liberado para cumprir o restante da pena em liberdade e, desde então, vem tentando encontrar um clube para retomar a carreira.
JOBSON, o atacante que se destacou com a camisa do Botafogo na virada da década de 2000 para os anos 2010 teve problemas com drogas, chegou a passar quatro anos afastado do futebol por ter se recusado a fazer um exame antidoping e foi detido três vezes (duas por descumprir regras da liberdade condicional) devido a um suposto caso de estupro de vulneráveis. Jobson foi acusado de ter levado adolescentes de 12 e 13 anos para sua chácara, no interior do Pará, onde as meninas teriam bebido, usado drogas e feito sexo. Ele chegou a um acordo com o Ministério Público para a não persecução penal do caso [instrumento em que o réu consegue o encerramento do seu processo criminal em troca de outras formas de reparação dos danos causados pelo delito cometido].
KOBE BRYANT, em 2003, uma funcionária de um hotel em Las Vegas denunciou um estupro cometido pelo jogador de basquete em uma das suítes do estabelecimento que ela trabalhava. Ela relatou que o esportista pediu que ela mostrasse mais detalhes da acomodação, e quando a levou para um quarto sozinha, a estuprou e a ameaçou para que ela não contasse nada para ninguém.
Ela foi até um hospital, onde foi atendida e realizaram exames periciais que comprovaram ferimentos na região genital da jovem de 19 anos, o que comprovava o depoimento de que o jogador cometeu uma relação sexual forçada. O caso ganhou notoriedade, e depois de meses sendo perseguida pela mídia, a jovem retirou a queixa criminal, deixando apenas um processo civil.
Kobe Bryant admitiu ter tido relações sexuais com a jovem, e depois de pedir desculpas no tribunal para ela, sua família e a própria esposa. “Apesar de acreditar que o que aconteceu foi consensual, eu percebi que ela não viu dessa maneira. Depois de meses analisando as evidências, ouvindo o advogado da vítima e seu depoimento, agora eu entendo que ela não consentiu ao acontecimento”, afirmou. Ele continuou a jogar na NBA, onde se consolidaria como um dos maiores ídolos da liga.
MIKE TYSON em 1991, Tyson foi acusado de estupro por uma jovem de 18 anos que competia no concurso Miss Black América. De acordo com ela, eles se conheceram durante uma visita do boxeador, na época com 25 anos, em um ensaio de uma versão do concurso em Indiana, estado onde ela havia sido coroada miss.
A jovem relatou que Tyson a convidou para ir para seu hotel para conversarem, e lá a estuprou. Ela foi atendida no pronto-socorro de um hospital local depois do ato, onde foram feitos os exames de corpo delito. Seis meses depois, o boxeador foi condenado a seis anos de prisão, mas saiu em 1995, depois de ter cumprido metade da pena, por bom comportamento. Ele sempre negou as acusações, e apesar de ter sido condenado por estupro, sua carreira não foi prejudicada.
BEN ROETHLISBERGER o jogador de futebol americano foi denunciado por estupro por duas mulheres, uma em 2009 e outra em 2010. O primeiro caso aconteceu em um hotel no estado de Nevada, nos EUA, quando o atleta da NFL chamou a funcionária do estabelecimento em que estava para o quarto para consertar a TV. De acordo com o depoimento, ela chegou lá e foi forçada a continuar no ambiente quando o jogador a estuprou. Ela entrou com um processo civil contra o hotel e mais outros funcionários, que ela afirmou terem ajudado a acobertar o caso, que foi resolvido na esfera cível em 2012.
No ano seguinte, outra mulher também denunciou o jogador à polícia. A estudante universitária relatou que estava com amigos em um bar quando um segurança do jogador a levou para um ambiente fechado do local. Ao chegar lá, encontrou o atleta com o pênis para fora da calça, e tento fugir, entrando pela primeira porta que encontrou. Ela conta que acabou em um banheiro, onde o jogador a estuprou e foi embora. A estudante resolveu retirar a queixa e não prosseguir com o caso por medo da exposição que já sofria. Em 2015, a revista Forbes colocou o jogador em 11º lugar da lista dos atletas mais bem pagos do mundo.
BEN JOHNSON em 2016, o jogador de hóquei da NHL, Ben Johnson, aos 18 anos estuprou uma menor de idade, de 16 anos, em um banheiro de uma boate. A adolescente foi encontrada desacordada e com sangramentos na vagina. Ele foi condenado a 3 anos de prisão, já em 2022, e foi demitido do time que fazia parte, o New Jersey Devils.
Em seu depoimento, o jogador tentou se defender afirmando que a adolescente havia bebido demais e também mencionou a maneira como ela estava vestida e como dançava. Em resposta, o juiz que condenou Johnson afirmou que “nada disso dá o direito de violar uma mulher”.
Com tantos casos de violência sexual praticados por atletas, o que os leva a tal comportamento antissocial? Voltando ao que disse o filósofo alemão Arthur Schopenhauer, a inteligência de uma pessoa é definida com base na sua sensibilidade a ruídos. Aplausos e a idolatria dos fãs levam alguns desses ídolos despreparados psicologicamente para o sucesso a ouvirem apena a voz de seu ego e pensar que podem tudo, que não tem limites que ou outro só existe para servi-los e lhes dar ao prazer do orgasmo da idolatria, mas a lei precisa lhes dar limites e infelizmente só o isolamento social pode levar à cura.
SIRO DARLAN – Editor e Diretor do Jornal Tribuna da imprensa Livre; Juiz de Segundo Grau do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ); Especialista em Direito Penal Contemporâneo e Sistema Penitenciário pela ENFAM – Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados; Mestre em Saúde Pública, Justiça e Direitos Humanos na ENSP; Pós-graduado em Direito da Comunicação Social na Universidade de Coimbra (FDUC), Portugal; Coordenador Rio da Associação Juízes para a Democracia; Conselheiro Efetivo da Associação Brasileira de Imprensa; Conselheiro Benemérito do Clube de Regatas do Flamengo; Membro da Comissão da Verdade sobre a Escravidão da OAB-RJ; Membro da Comissão de Criminologia do IAB. Em função das boas práticas profissionais recebeu em 2019 o Prêmio em Defesa da Liberdade de Imprensa, Movimento Sindical e Terceiro Setor, parceria do Jornal Tribuna da Imprensa Livre com a OAB-RJ.
Envie seu texto para mazola@tribunadaimprensalivre.com ou siro.darlan@tribunadaimprensalivre.com
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