Por José Carlos de Assis

A política de preços da Petrobrás vai enlouquecer o Brasil.

Ninguém está entendendo nada dela, nem os caminhoneiros que usam diesel, nem as donas de casa que usam gás, nem os consumidores que sofrem o impacto da alta dos combustíveis nos supermercados, nem, principalmente, o presidente Jair Bolsonaro, que se apavora com seus efeitos eleitorais. Este último, aliás, ficou definitivamente louco. Não consegue entender porque o presidente da República não tem poder para fazer algo que lhe parece tão simples quanto controlar uma empresa estatal.

Percebi a extensão do enlouquecimento geral do país ao assistir ontem a um programa de debates da Globo News. O foco era a substituição do presidente da Petrobrás, general Silva e Luna, no qual todos os quatro comentaristas se mostravam inteiramente perdidos em relação a uma explicação para uma mudança de presidentes da Petrobrás quando tanto o que sai quanto o que entra pensam exatamente igual. Isso acontece também nos jornalões que circulam por aí. E também na maioria dos blogs. Afinal, o que quer Jair Bolsonaro com essa mudança?

A culpa por essa loucura generalizada é de uma lavagem cerebral que alguns tecnocratas bandidos e seus asseclas na imprensa fizeram na população inserindo nas suas cabeças um chip virtual com o nome de PPI. Por extenso, Preço de Paridade Internacional. Associaram ao PPI o conceito de que os preços internos dos derivados de petróleo deveriam seguir os preços internacionais, para que, quando ameaçassem ficar acima, não se caracterizasse um subsídio indevido ao deixá-lo baixo. E disso fizeram um dogma, sob o argumento de que estamos num “mercado livre”.

A primeira farsa embutida nesse raciocínio é que não estamos num mercado livre. Estamos num mercado de derivados “que está sendo inventado como livre” desde 2019, quando se anunciou uma política de privatização das refinarias da Petrobrás. A primeira que foi vendida à iniciativa privada foi a Refinaria Ranulpho Alves, na Bahia, que responde por 13% da produção de derivados no país. Até o fim do programa de privatização, o atual governo, se tiver tempo, quer vender metade da capacidade brasileira de refino.

Hoje ainda há tempo para uma política “nacional” de preços de combustíveis que dependeria apenas na margem do mercado internacional. A Petrobrás é virtual monopolista na produção de petróleo cru, e pode trocar o petróleo mais pesado, que usa na produção de derivados, por petróleo mais leve importado, atendendo praticamente a todo o mercado interno (menos, agora, a parte referente à refinaria vendida).

Assim, é autossuficiente, e, no que produz, não depende do mercado internacional, o que os comentaristas “oficiais” do setor não parece terem entendido.

Fachada do edifício sede da Petrobras, no Rio de Janeiro. (André Motta de Souza/Agência Petrobrás)

O PPI, na verdade, refere-se a índices da evolução dos preços internacionais de petróleo e dos serviços a eles associados – transportes, fretes etc. Não se refere a quantidades e serviços efetivamente importados ou usados pela empresa em seu processo produtivo. Assim, se a Petrobrás exporta o que importa, não faz nenhum sentido usar a evolução dos preços internacionais do petróleo como referência para os preços internos.

Num artigo anterior, expliquei o que tradicionalmente se aplicou no Brasil como referência para precificação de bens e serviços produzidos por empresas monopolistas – ou quase monopolistas, como é o caso da Petrobrás. É o preço pelo custo. Levantam-se todos os custos envolvidos no processo produtivo, verifica-se a participação proporcional dos bens e serviços produzidos no produto global, atribui-se a eles os preços proporcionais respectivos e estabelece-se uma margem razoável de lucro para distribuição de dividendos e novos investimentos.

Isso, certamente, não é “política social”, como alega o ignorante general Silva e Luna, embora tenha elementos de uma política pública. A Petrobrás não foi fundada para dar lucro. Foi fundada para garantir autossuficiência brasileira em petróleo, o que conseguiu em décadas de trabalho árduo de brasileiros. Não faz nenhum sentido em mudar sua finalidade central por razões ideológicas. Os neoliberais, ao tentarem criar um mercado “livre” para a Petrobrás, o que fazem é expor o Brasil aos riscos do mercado internacional, violando princípios de segurança estratégica do país, como é o caso atual da guerra na Ucrânia.

Por não entender isso, Jair Bolsonaro tenta simplificar as coisas mudando o comando da estatal. Não vai conseguir o que gostaria de ter, ou seja, um novo presidente da Petrobrás que reduza a velocidade de aumento dos preços dos derivados. Adriano Pires vai seguir a cartilha do PPI, porque isso passou a integrar a cultura da empresa e, de forma mais ampla, de todo o mercado. A única forma de escapar dessa arapuca criada pelo neoliberalismo é uma violação do próprio sistema neoliberal, o que não está à altura deste governo.

O que está a sua altura, sim, é continuar fazendo da política de derivados um meio de facilitar a entrada das multinacionais do petróleo no mercado brasileiro, transformado em “livre”. Com as restrições de produção que a Petrobrás impõe a si mesma, as estrangeiras já ocuparam 30% desse mercado, e vão avançar até no mínimo 50%, se o programa de privatização for realizado.

Nesse caso, estaremos todos entregues ao apetite devorador dos investidores e acionistas internacionais da Petrobrás, os únicos que não terão razão para ficar loucos.

JOSÉ CARLOS DE ASSIS – Jornalista, economista, escritor, colunista e membro do Conselho Consultivo do jornal Tribuna da Imprensa Livre; Professor de Economia Política e doutor em Engenharia de Produção pela Coppe/UFRJ, autor de mais de 25 livros sobre Economia Política; Foi professor de Economia Internacional na Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), é pioneiro no jornalismo investigativo brasileiro no período da ditadura militar de 1964; Autor do livro “A Chave do Tesouro, anatomia dos escândalos financeiros no Brasil: 1974/1983”, onde se revela diversos casos de corrupção. Caso Halles, Caso BUC (Banco União Comercial), Caso Econômico, Caso Eletrobrás, Caso UEB/Rio-Sul, Caso Lume, Caso Ipiranga, Caso Aurea, Caso Lutfalla (família de Paulo Maluf, marido de Sylvia Lutfalla Maluf), Caso Abdalla, Caso Atalla, Caso Delfin (Ronald Levinsohn), Caso TAA. Cada caso é um capítulo do livro; Em 1983 o Prêmio Esso de Jornalismo contemplou as reportagens sobre o caso Delfin (BNH favorece a Delfin), do jornalista José Carlos de Assis, na categoria Reportagem, e sobre a Agropecuária Capemi (O Escândalo da Capemi), do jornalista Ayrton Baffa, na categoria Informação Econômica. Autor de “A Era da Certeza”, que acaba de ser lançado pela Amazon. Em função das boas práticas profissionais recebeu em 2019 o Prêmio em Defesa da Liberdade de Imprensa, Movimento Sindical e Terceiro Setor, parceria do jornal Tribuna da Imprensa Livre com a OAB-RJ.


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