Por João Batista Damasceno

A proposta apresentada pelo Brasil no Conselho de Segurança da ONU, visando ao estabelecimento de um caminho humanitário ante as ocorrências na Faixa de Gaza, foi aprovada por 12 dos seus membros e teve duas abstenções. Abstiveram a Rússia e o Reino Unido. Mas foi vetada pelos Estados Unidos. O horror das guerras atinge sobretudo aqueles que nela não estão envolvidos, especialmente as crianças, as mulheres e os doentes. A proposta brasileira era de estabelecimento de uma pausa humanitária na Faixa de Gaza.

O Conselho de Segurança da ONU, atualmente presidido pelo Brasil, é o órgão da entidade cuja função é zelar pela manutenção da paz e da segurança internacional. A Rússia exigia um cessar-fogo e a condenação aos ataques contra o hospital de Al Ahli, em que mais de 500 pessoas morreram atingidas por um míssil. Os EUA se opuseram. O Conselho de Segurança é o único órgão do sistema internacional capaz de adotar decisões obrigatórias para todos os 193 Estados-membros da ONU. Ele pode autorizar intervenção militar para garantir a execução de suas resoluções.

O Conselho é composto por 15 membros, sendo cinco membros permanentes com poder de veto: Estados Unidos, França, Reino Unido, Rússia e China. Os demais dez membros são eleitos pela Assembleia Geral para mandatos de dois anos. Uma resolução do Conselho de Segurança é aprovada pela maioria qualificada de nove votos. Um voto negativo de um membro permanente configura veto a uma decisão. As abstenções ou votos contrários dos membros não permanentes não configuram veto.

O Brasil tem todas as credenciais para contribuir com o estabelecimento da paz no Oriente Médio. É o país com a maior população de origem árabe no mundo. Quando a Família Real chegou ao Brasil em 1808, um árabe que residia na Quinta da Boa Vista cedeu sua casa, a melhor da cidade, para D. João VI e nela foi instalado o Palácio de São Cristóvão. Em 1876, D. Pedro II esteve no Líbano e no Oriente Médio e formulou convite para imigração de parte da população que sofria as agruras do Império Turco-Otomano, em estado terminal.

A história do Oriente Médio no final do século XIX, ainda dominado pelo Império Turco-Otomano desde a queda de Constantinopla em 1453, é emblemática, assim como a história do povo judeu. Ambos vivenciaram as perseguições dos que rejeitam os pobres. O assassinato do Czar Russo Alexandre II, em 1881, foi acompanhado de severas perseguições ao povo judeu no Leste Europeu. Os eventos ficaram conhecidos como Pogrons. A palavra tornou-se internacional após a onda de pogromm que varreu o sul da Rússia entre 1881 e 1884, que levou à emigração massiva dos judeus daquela região. De acordo com registros históricos, a imigração judaica da Rússia aumentou drasticamente naqueles anos, totalizando cerca de dois milhões nas quatro décadas seguintes.

Pogrom é uma palavra russa que significa causar estrago ou destruir violentamente. O termo se refere aos violentos ataques físicos da população do Leste Europeu contra os judeus, sobretudo no império russo. Tais ataques eram incentivados ou tolerados pelos agentes do Estado. O primeiro lugar onde tal tipo de incidente desumano ocorreu foi em 1821 em Odessa, na Ucrânia. Daquela região, precisamente da Bessarábia, veio para o Brasil, nos anos 20 do século XX, Berta Gleiser Ribeiro, ainda menina, trazida juntamente com sua irmã Genny Gleiser, pelo pai de ambas, Motel Gleiser. Perseguidas no país de origem a mãe de Berta suicidou-se. O pai, que migrara para arranjar trabalho no Brasil, voltou ao país de origem e trouxe as filhas. Mas Genny, adolescente, foi expulsa do Brasil por sua militância pelos direitos humanos. Libertada pelos marinheiros quando o navio atracou na França, o pai – que não sabia da libertação – foi ao encontro da filha, mas acabou preso e morreu num campo de concentração nazista. Genny participou da Resistência Francesa e depois da guerra migrou para os EUA. Berta, ainda criança, viveu sozinha no Brasil. Conheceu Darcy Ribeiro em 1943, casou-se com ele e morreu em 1997.

Nos seus melhores momentos o Brasil sempre foi acolhedor, tanto de judeus quanto de árabes. O Estado de Israel foi criado na gestão do primeiro presidente da ONU, o brasileiro Osvaldo Aranha, que atuava com forte apoio dos Estados Unidos. Ainda durante o Estado Novo, Osvaldo Aranha compunha a Sociedade dos Amigos da América, demonstrando seu viés estadunidense. Mais que razões humanitárias, foi a migração de judeus pobres do Leste Europeu para a Europa e EUA o que incentivou a criação do Estado de Israel.

Não se pode confundir o que faz a direita israelense com o povo israelense. Pesquisas indicam que o povo israelense desaprova o que o seu governo está fazendo. Da mesma forma não se pode confundir os palestinos com o braço armado do Hamas e suas brigadas. Mesmo o Hamas tem um braço político e uma entidade filantrópica não envolvida nos conflitos. Somente os que lucram com a guerra não querem a paz.

O Brasil se rege pelos princípios da prevalência dos direitos humanos, defesa da paz e solução pacífica dos conflitos, dentre outros. Tais princípios e sua atuação ao longo da história tornam o Brasil um país credenciado para a proposição da paz entre os povos.

JOÃO BATISTA DAMASCENO é Doutor em Ciência Política (UFF), Professor adjunto da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ); Desembargador do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ); Membro do Conselho Consultivo do Jornal Tribuna da Imprensa Livre; Colunista do Jornal O Dia; Membro e ex-coordenador da Associação Juízes para a Democracia; Jornalista com registro profissional no MTPS n.º 0037453/RJ, Sócio honorário do Instituto dos Advogados Brasileiros/IAB, Conselheiro efetivo da ABI.

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