Por Antonio Veronese –
Reenvio daqui a carta aberta que escrevi ao prefeito carioca, publicada no Jornal do Brasil em 2009. Provoco outra vez o animus-aedificatio do prefeito Eduardo Paes para propor-lhe a reparação de grave agressão cometida há mais de 40 anos contra o patrimônio histórico, arquitetônico e artístico do Rio de Janeiro: a derrubada do Palácio Monroe.
O nosso Senadinho, como era carinhosamente conhecido, foi posto abaixo depois de uma polêmica macunaímica que teve como ingredientes as exigências para a construção do metrô carioca; o “desconforto” de espíritos desmesuradamente sensíveis com seu ecletismo arquitetônico; a triste campanha de O Globo com o apoio inclusive de Lúcio Costa, que defendeu sua demolição sob alegação de que o prédio “atrapalhava” o trânsito!!!… A tudo isso somou-se a obtusidade do então presidente Geisel que não concedeu, in-stremis, o seu tombamento, alegando que ele “prejudicava” a visão do Monumento aos Mortos da Segunda Guerra Mundial… Com este somatório de sandices, o garboso edifício cedeu seu lugar a uma praça sem graça e sem história, em homenagem a um estrangeiro, ainda que emérito.
Uma vez que não podemos mais apreciá-lo na paisagem carioca, que tal recordar um pouco de sua história? Concebido pelo general arquiteto Francisco de Souza Aguiar, o elegante palacete representou o Brasil na Exposição Universal de 1904 (foto acima), também chamada de Feira Mundial de St. Louis, que aconteceu em conjunto com os Jogos Olímpicos de Verão, realizados na cidade norte-americana de Saint Louis, no Missouri. Os historiadores reconhecem a importância deste evento, inclusive na história da arquitetura. E, para surpresa dos nossos derrotistas de plantão, o nosso Senadinho foi chancelado com o Grande Prêmio do Júri!
Foi a primeira vez que uma obra da arquitetura nacional experimentava o sabor do reconhecimento internacional. Terminada a sua saga em terras de Tio Sam, o Senadinho foi desmontado e transferido para o Brasil onde foi orgulhosamente remontado em 1906 no carioquíssimo Passeio Público. Foi o primeiro edifício financiado pela Federação a adornar a vizinha e então formosa Avenida Central. Ali recebe, por sugestão do ministro das Relações Exteriores o Barão de Rio Branco, o nome de Palácio Monroe numa homenagem ao presidente norte-americano ideólogo do pan-americanismo. Ah que mania a nossa de homenagear americanos…
Mas, voltando ao que interessa, o novo edifício integrou-se de imediato e em grande estilo ao feérico centro da então capital federal. No seu elegantíssimo salão aconteciam banquetes e inesquecíveis recepções oficiais da República, como a Sessão Solene de Recepção ao rei Carlos da Bélgica, entre outras…
Por mais de meio século, realizaram-se em suas dependências a Terceira Confederação Pan-Americana, o Quarto Congresso Médico Latino-Americano, o Congresso Internacional de Jurisconsultos… sem contar os gabinetes do Ministério da Aviação, a Sede da Câmara dos Deputados, a Convenção Nacional, a Comissão Executiva do Centenário da Independência, o Senado da República e o Estado-Maior das Forças Armadas.
Neste longo período de glórias, o Senadinho tornou-se um símbolo da elegância e sofisticação cariocas.
Apesar de tudo isso, irresponsável e inexplicavelmente, o Iphan nega-lhe o tombamento em 1970, erro que poderia ter sido corrigido pela intervenção de Geisel, que jamais veio!
Começa então, no hiato da autoridade federal, uma pendenga cabocla eivada de rancores e absurdez. Chegou-se a argumentar que a passagem da linha do metrô justificaria sua derrubada, como se, para construir-se o subterrâneo de Paris, houvessem deitado por terra a Notre Dame, o Louvre ou o Arco do Triunfo.
Mais difícil ainda é desculpar a posição de modernistas do quilate de Lúcio Costa, que pareciam ver no sucesso dessa eclética arquitetura brasileira do início do século 20 um desconforto às aspirações da arquitetura modernista brasileira.
Resumindo a pendenga e malgrado as resistências do IAB, do Clube de Engenharia e do Jornal do Brasil, o fato é que acabaram vitoriosos os derrotistas e, em 1976, baixaram a picareta no indefeso Senadinho.
Este artigo, que escrevi em 2009 no Jornal do Brasil e que repito agora na Tribuna da Imprensa Livre, é um grito de protesto e uma nova provocação ao prefeito do Rio de Janeiro: acho que chegou o tempo de se reparar esse grande erro. Onde quer que eu vá com essa proposta tenho recebido calorosa manifestação de apoio. São pessoas que se sentiram impotentes no passado diante da insensibilidade das autoridades. Para estes, o espaço deixado vazio no Passeio Público é uma dolorosa e perene memória, um registro, sobretudo, da nossa incompetência em preservar nosso patrimônio.
Paradoxalmente, esse vazio atua como um “monumento” no enfrentamento do oblívio através de sua resistência ao passar tempo. Este “vazio” não depende de verbas públicas nem da proficiência dos administradores, pois é no vácuo desses atributos e na perenidade dessa omissão que ele cumpre sua função de monumento, conservando na consciência das gerações futuras a lembrança de um ato ou um destino, como na síntese de Alois Riegl.
Uma cidade não é feita somente de sua contemporaneidade mas de sua memória coletiva, expressa, sobretudo, em sua arquitetura. Se os seus valores práticos e utilitários perderam-se com sua demolição, restam recuperáveis os seus inegáveis valores estético e histórico. E estes já justificariam a sua reconstrução, que pode cumprir o papel de representação.
Além disso a reconstrução seria de grande simbolismo numa cidade deflagrada que insiste em não se respeitar, repropondo valores inestimáveis como o da preservação do patrimônio público. Reconstruir, refazer, repropor, reconhecer o valor cultural de um edifício mesmo quando dele não mais se espere que exerça o papel que exerceu no passado. Revitalizar nossa paixão pelo Rio e as utopias cariocas, reacreditar!
Mais do que a simples reconstrução do Monroe, ouso sonhar com uma nova Cinelândia, ornada nos seus extremos pelo Teatro Municipal e o “novo” velho Monroe. A esse espaço cívico de grande beleza poderia ser vedado o trânsito de veículos, desviando-se o fluxo da Av. Rio Branco pela Av. Almirante Barroso. O trânsito pesado não se justifica ali, tendo já afetado a cúpula do MNBH.
A nova praça expandiria seus jardins às escadarias da Biblioteca Municipal e às laterais do Teatro Municipal e do MNBA. E o novo Monroe poderia ser preparado para acolher, por exemplo, um Museu da antiga capital federal. E a nova praça, o novo centro cívico da cidade, poderia ser dedicada à musica e à vocação melômana dos cariocas.
É um sonho? Eu ainda ouso sonhar…!
ANTONIO VERONESE – Pintor brasileiro autodidata com uma obra considerável, realizou centenas de exposições individuais, tem obras expostas em numerosos museus, coleções públicas e privadas nos Estados Unidos, Suíça, França, Japão, Chile e Brasil. Colunista do jornal Tribuna da Imprensa Livre, representante e correspondente internacional em Paris, França; Radicado na França desde 2004, antes de deixar o Brasil deu aulas de arte para menores infratores nos Institutos João Luiz Alves, Padre Severino e Santos Dumont, no Rio de Janeiro, e no Caje de Brasília. Utilizou a pintura como forma de reabilitação psico-pedagógica dos adolescentes entre 12 e 18 anos com a bandeira” estética é remédio!”. Alguns dos trabalhos produzidos pelos jovens foram expostos em Genebra (Suíça), no Salão Negro do Congresso Nacional, em Brasília, e na Universidade de San Francisco, nos Estados Unidos. Em 1998, representando o Brasil no Encontro de Esposas de Chefes de Estado, cobrou da então primeira-dama, Ruth Cardoso, medidas para tirar das ruas crianças abandonadas, tendo recebido o apoio de Hilary Clinton. Pela denúncia da violência contra menores no Rio de Janeiro, que faz através de sua pintura e de engajamento constante deste 1986, Veronese foi convidado à Comissão de Direitos Humanos da ONU – em Genebra, para proferir palestra, lá causou grande indignação ao apresentar fotografias de 160 crianças, marcadas por cicatrizes massivas decorrentes da violência urbana, doméstica e policial.
Antonio Veronese, Italian-Brazilian painter, lives in France since 2004. He is the author of «Save the Children», symbol of th e 50th anniversary of the United Nations, and «Just Kids» symbol of UNICEF. As well of «La Marche», exhibited in the Parliament of Brazil since 1995, and «Famine», exhibited since 1994 at the Food Agriculture Organization for United Nations (FAO) in Rome.
Envie seu texto para mazola@tribunadaimprensalivre.com ou siro.darlan@tribunadaimprensalivre.com
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