Por José Carlos de Assis

É fundamental que, para ser levado a sério no planeta, o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, cumpra o anúncio de paz e de prosperidade para o mundo que prometeu em seu discurso espetacular na recente Assembleia Geral das Nações Unidas, agora confirmado na COP26 em Glasgow, Escócia: que controle efetivamente o Deep State, isto é, o sistema profundo de conspiração interna norte-americano que tem escapado ao comando do próprio governo, este visto externamente pelo povo.

De fato, é uma traição ao espírito que está sendo construído na COP26 a indevida interferência dos Estados Unidos na avaliação negativa do resultado das eleições na Nicarágua. Washington as denunciou antes mesmo que acontecessem. E fez isso sem nenhuma prova, exceto o fato de que o governo nicaraguense, assim como Vladmir Putin fez na Rússia, mandou prender, antes do pleito, provocadores treinados pela CIA para perturbar o processo eleitoral.

Quando mandou expor ao mundo os Pandora Papers, Biden prometeu abrir também os documentos da CIA, em prazo curto, sobre as interferências políticas dessa agência pelo planeta. Foram as conspirações da CIA e do Departamento de Estado comandado por Hillary Clinton – que Biden infelizmente tem de carregar como aliada democrata, mas que no fundo é uma guerreira remanescente do geopolítica que ele quis enterrar sob o manto da diplomacia -, que andou espalhando guerras no mundo.

É o que aconteceu na Ucrânia, onde um presidente eleito democraticamente foi derrubado por uma conspiração dos sistemas de informação norte-americanos em nome de uma falsa democracia; é o que aconteceu nos países africanos onde líderes tradicionais, como Kadaf, da Líbia, foram fisicamente massacrados e outros derrubados (Egito) por rebeliões provocadas pela CIA; foi o que aconteceu na Síria, onde os EUA não tiveram pudor em se associar ao Estado Islâmico contra o governo.

Culpa desses governos?

Algum grau de simpatia com a Rússia, que o Deep State considera seu principal inimigo estratégico, por ser forte militarmente. Mas Biden não deu sinais, na ONU e mesmo em Glasgow, que a era do confronto militar havia acabado, dada a pedagogia do risco de hecatombe da era nuclear? Por que escolheu justamente a conferência do clima, onde todos têm que estar juntos, para ressuscitar a geopolítica estúpida que quase nos levou ao desastre atômico?

Portanto, que os Estados Unidos deixem de se meter nas políticas internas dos demais países. Eles são o exemplo de pior sistema eleitoral do mundo. Lá, quem ganha mais votos para ser presidente não necessariamente assume o cargo, pois quem manda são as oligarquias locais dos Estados, nas chamadas primárias. Se querem ser exemplo, que mudem seu próprio sistema. Mas que façam melhor: não se metam com os sistemas dos outros, cada país deve ter direito a suas escolhas.

Com essa interferência estúpida na Nicarágua, contra um governo legítimo, o Deep State que governa nos subterrâneos de Biden está minando as possibilidades de um grande acordo por cima da geopolítica em Glasgow. Vladmir Putin e Xi Jinping não estão lá com razão: na primeira oportunidade que teve depois da conferência da ONU, o presidente norte-americano desmentiu seus propósitos anunciados lá. Seria importante que os reafirmasse agora, de forma realmente convincente.

Os presidentes Joe Biden e Xi Jinping. (Divulgação)

Um reconhecimento formal de Washington, o Estado que se apresenta de forma aberta ao povo, de que foram legítimas as eleições na Nicarágua, um pequeno país da América Central que não tem qualquer relevância geopolítica em si mesmo, enterrará definitivamente a geopolítica da guerra que realmente contava, mas só num tempo que já devia ter passado, nas relações Estados Unidos, Europa, Rússia e China.

Eu ainda acredito no mundo novo anunciado por Biden. Espero que ele acredite.

JOSÉ CARLOS DE ASSIS – Jornalista, economista, escritor, colunista e membro do Conselho Consultivo do jornal Tribuna da Imprensa Livre; Professor de Economia Política e doutor em Engenharia de Produção pela Coppe/UFRJ, autor de mais de 25 livros sobre Economia Política; Foi professor de Economia Internacional na Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), é pioneiro no jornalismo investigativo brasileiro no período da ditadura militar de 1964; Autor do livro “A Chave do Tesouro, anatomia dos escândalos financeiros no Brasil: 1974/1983”, onde se revela diversos casos de corrupção. Caso Halles, Caso BUC (Banco União Comercial), Caso Econômico, Caso Eletrobrás, Caso UEB/Rio-Sul, Caso Lume, Caso Ipiranga, Caso Aurea, Caso Lutfalla (família de Paulo Maluf, marido de Sylvia Lutfalla Maluf), Caso Abdalla, Caso Atalla, Caso Delfin (Ronald Levinsohn), Caso TAA. Cada caso é um capítulo do livro; Em 1983 o Prêmio Esso de Jornalismo contemplou as reportagens sobre o caso Delfin (BNH favorece a Delfin), do jornalista José Carlos de Assis, na categoria Reportagem, e sobre a Agropecuária Capemi (O Escândalo da Capemi), do jornalista Ayrton Baffa, na categoria Informação Econômica. Autor de “A Era da Certeza”, que acaba de ser lançado pela Amazon. Em função das boas práticas profissionais recebeu em 2019 o Prêmio em Defesa da Liberdade de Imprensa, Movimento Sindical e Terceiro Setor, parceria do jornal Tribuna da Imprensa Livre com a OAB-RJ.


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