Por Ricardo Cravo Albin

O Ministro Edson Fachin surpreendeu todo o país ao anular as condenações impostas ao ex-presidente Lula pelo juiz Sergio Moro.

Há que se refletir sobre as repercussões de tal sentença, até a incompreensão por boa parte da população, já tão confusa em conectar eventos que provocam idas e vindas de decisões judiciais.

A primeiríssima impressão que a opinião pública registra é a inquietação provocada pelas múltiplas mudanças, de sentenças consideradas passadas em julgado, concorde-se ou não com elas. E não só a opinião pública tinha como definitiva a condenação de Lula, depois de confirmada pela segunda instância de Porto Alegre.

De repente, um solitário Ministro Fachin ao analisar não propriamente o mérito da condenação senão a localização e origem técnicas das 1ª e 2ª instâncias anula o processo. Para remetê-lo a novo julgamento em Vara Federal em Brasília, pondo abaixo os meses/anos de investigações e trabalhos elaborados em Curitiba. A alegação de Fachin, possivelmente acertada nas suas firulas técnico-jurídicas, incidia nas origens do foro de Curitiba, exclusivamente destinado, segundo ele, a julgar os desacertos da roubalheira na Petrobrás por quadrilha envolvendo políticos de diversas matizes e empreiteiras poderosas. Ou seja, triplex de Guarujá e sítio de Atibaia não estariam circunscritos aos escândalos da Petrobrás. Boa parte da opinião pública, em entrevistas com populares que vi nos tele jornais da noite, perguntava pela cadeia de responsabilidade: “Mas onde fica a influência indireta do próprio presidente em relação à estatal espoliada?”.

Ainda assim, o outro lado da moeda também pode se impor: e se Lula não tivesse insinuado a Marcelo e Emilio Odebrecht qualquer ajuda para reformar os dois imóveis, os da praia e do campo? Ou mesmo o Instituto Lula?

O fato concreto é o entendimento do que diversas instâncias jurídico-institucionais já confirmaram recursos contra e a favor da decisão de Fachin, sendo instado pelos dois lados para encaminhar sua decisão monocrática ao plenário da corte.

Outra inquietação da opinião pública é o linchamento e o descrédito impostos ao juiz Moro, avalista da moralidade do governo Bolsonaro na primeira hora, além de sinônimo por anos a fio da luta contra a corrupção. Negar isso? Quase impossível.

Passo de imediato às repercussões políticas, ao menos as mais visíveis. Como a declaração do presidente da Câmara dos Deputados, condenando Moro e isentando Lula.

A indecisa disputa para a presidente em 2022 aclara-se hoje de modo atordoante e inesperado. Lula, que pretendia lançar Haddad outra vez, reaparece como por encanto a candidato fortíssimo a enfrentar Bolsonaro.

Os cenários políticos são: 1- Para Lula é positivo. Ao menos por analistas da BBC de Londres. 2- O mito Lula volta galardoado pela absolvição. 3- Será ele o candidato perseguido, que sangrou por quase um ano na prisão. 4- Terá a seu favor a memória dos altos índices de aceitação nos dois mandatos. Acresce ainda o que psicólogos avaliam como reparação de eventuais injustiçamentos, o que, segundo eles, fazem chover votos nas consideradas vítimas.

O cenário para Bolsonaro é negativo, de acordo com os mesmos analistas. Por que?

1- Bolsonaro vem caindo na avaliação de seus antigos eleitores de 2018 pelo exercício de sucessivas políticas erráticas, a principal das quais foi se incompatibilizar com a classe média que o elegeu, adotando como acólitos pequenos guetos de fanáticos que se postam às portas do Alvorada em busca de declarações inconvenientes. 2- Bolsonaro não é mais a opção contra o PT. Passa a enfrentar o mito mais sólido e detentor de razoável afeto do povo. Seu adversário passa a ser o “Mártir Lula”. 3- A péssima gestão de quase todas as vertentes político-administrativas de seu governo, em especial o desastroso desprezo à pandemia, acumulado com as mortes e as falhas de organização de saúde pública no Brasil. 4- Bolsonaro se incompatibilizou com meio mundo, brigas a não acabar com a imprensa, os artistas, os intelectuais. 5- A manutenção de figuras impopulares no governo, sobretudo nos itens ecologia (Amazônia e Pantanal), relações exteriores. Mais ainda, a falência na Saúde. 6- Investigações contínuas sobre seus filhos, acusados de corrupção. 7- Comportamento inadequado à solenidade do cargo, proferindo expressões chulas e xingamentos. 8- Abandono da luta contra a corrupção, contra Moro e a favor da adesão ao Centrão. 9- Adesão ao corporativismo de segmentos eleitorais seus (PMs, Bombeiros etc). E finalmente o assombro da volta da inflação. Além da ausência das reformas estruturais.

Em resumo, entre uma esquerda cautelosa titularizada por um mártir e uma legenda pública, e um presidente que acumula desgastes sucessivos, muito em especial a gestão da pandemia, analistas ingleses asseguram que os votos estarão ao lado do primeiro.


RICARDO CRAVO ALBIN – Jornalista, Escritor, Radialista, Pesquisador, Musicólogo, Historiador de MPB, Presidente do PEN Clube do Brasil, Presidente do Instituto Cultural Cravo Albin, Colunista e Membro do Conselho Consultivo do jornal Tribuna da Imprensa Livre.