Por Cacau de Brito

Em 2018 Bolsonaro foi eleito com o apoio de 70% dos evangélicos. Será que em 2022 o atual presidente conseguirá repetir a mesma vantagem?

Na última campanha presidencial o capitão reformado conseguiu convencer a maioria dos eleitores evangélicos que em seu mandato daria prioridade para políticas relacionadas à sexualidade, ao aborto e demais pautas ligadas aos “costumes”. Assim, atraiu também o voto católico mais conservador.

O problema é que a campanha já acabou há vinte meses e o povo vem percebendo que o presidente ainda não desceu do trio elétrico, de onde repete como um mantra as três palavras mágicas que o ajudaram a sentar-se na cadeira de presidente: Deus, Pátria e Família (o que não quer dizer que ele saiba o seu significado). Parece que o ex-capitão não tem interesse pelo Brasil real: comida na mesa, emprego, acesso à saúde (vacina para o povo não morrer de covid-19) e educação para os filhos dos trabalhadores.

Difícil é viver no Brasil real e abastecer o carro com gasolina a sete reais. Penoso é acompanhar pela televisão a exportação ilegal de madeira com a “bênção” do ministro do meio ambiente ou os incêndios criminosos das florestas para expansão do agronegócio.

Altamira (PA) é a cidade que mais desmata na Amazônia. (Divulgação)

Torturante é saber da poluição dos rios e da invasão de terras indígenas pelos garimpeiros. No Brasil real a população assiste à fuga de cientistas para outros países por falta de investimentos em pesquisa e a fuga de dólares devido à instabilidade política causada pelo estilo bélico do presidente ao se relacionar com os demais poderes da república e os outros entes federativos. No Brasil real o desemprego, o subemprego e a informalidade batem seguidos recordes.

No Brasil real as notícias falsas continuam sendo fabricadas por assessores pagos com dinheiro público nos “gabinetes do ódio” de algum palácio e seguem sendo compartilhadas por milhões de desavisados, incapazes de interpretar textos ou “ler” a realidade à sua volta.

No Brasil de estômagos vazios e sonhos desfeitos, o slogan integralista, “Deus, pátria e família” até pode alimentar o imaginário dos nacionalistas de direita, dos soldados nos quartéis e dos pastores midiáticos apaixonados pela proximidade com o luxo dos palácios, mas perde força quando o Núcleo de Inteligência e Pesquisas do Procon em convênio com o Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos – Dieese, constata que,  em julho, o custo da cesta básica chegou a R$ 1.064,79, na capital paulista. Traduzindo: os mais pobres estão pagando quase um salário mínimo, apenas para comer. “E daí?”.

Morador usa máscara na subida da favela da Rocinha, no Rio de Janeiro (crédito: Fábio Motta/Reprodução)

No Brasil real, neste mês de setembro, a rejeição ao governo do ex-capitão já atinge 64%, com tendência de alta, segundo pesquisa do Atlas Político.

Conversando com evangélicos todos os dias observo que muitos já estão arrependidos da escolha feita em 2018. Pena que neste caso nem todo álcool em gel do mundo conseguirá apagar o número 17 das mãos desses crentes! Foram e são os fiadores desse governo que está conduzindo o país a passar vergonha perante as demais nações e a causar a maior crise social, política e moral de todos esses anos de República.

Ainda assim, a maioria dos evangélicos irá acompanhar o presidente até às urnas de 2022. A menos que a crise econômica se agrave muito ou que as investigações avancem e comprovem os crimes do presidente e de sua família, os evangélicos não vão abandonar o seu “mito”, homem “levantado por Deus”. Por incrível que pareça, a agenda moral ainda continua no centro das discussões das igrejas.

Não havendo mudança significativa do voto evangélico em 2022 o voto dos demais trabalhadores segue migrando para o outro lado.

Pessoas reais com problemas reais sabem onde aperta o calo neste momento e poderão neutralizar o peso do voto evangélico e da onda conservadora que um dia varreu o país para as “margens da terra plana”.


CACAU DE BRITO é advogado, escritor, membro da Igreja Batista do Recreio e do Conselho Consultivo do jornal Tribuna da Imprensa Livre. Reconhecido por sua atuação em defesa dos direitos fundamentais e militância na área dos Direitos Humanos. Foi diretor e coordenador-geral do Procon-RJ, assessor na Secretaria Municipal de Trabalho e Renda – SMTE, no Rio de Janeiro e chefe de gabinete na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro – ALERJ, em duas legislaturas. Fundador da Associação dos Advogados Evangélicos do Rio de Janeiro. Colaborador do Projeto Cristolândia, um programa permanente de prevenção, recuperação e assistência a dependentes químicos e codependentes, dirigido pela Junta de Missões Nacionais da Convenção Batista Brasileira. Fundador e coordenador do Movimento O Rio pede paz e do Fórum da Cidadania do Rio de Janeiro.

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