Por Lincoln Penna

Homenagem a Astrojildo Pereira (08 de novembro de 1890 – 21 de novembro de 1965).

Astrojildo Pereira nasceu em Rio Bonito, no Estado do Rio de Janeiro. Jornalista, escritor e homem de ação foi um dos fundadores do Partido Comunista no Brasil. Como articulista, escrevia seus artigos sob a denominação de Crônica Impura. Seus artigos versavam sobre temas e questões relativas ao mundo da política e da literatura, ambas de grande envolvimento do articulista, que viria a romper com o anarcossindicalismo, uma tendência do movimento anarquista no Brasil e aderir à Internacional Comunista.

Se o anarquismo era contra todo tido de ordem, sendo, portanto, uma filosofia política voltada para a insurgência diante das interdições do poder, alguns de seus membros se ressentiam da alternativa ao desbancar os muros e fronteiras da ordem instituída. Daí, o surgimento do anarcossindicalismo ao identificar nos sindicatos o núcleo irradiador de uma nova sociedade, inteiramente a serviço dos interesses dos trabalhadores. Com isso, aconteceu a pronta adesão de Astrojildo à tendência à ganhar muitos adeptos ao longo da segunda década do século XX.

A Grande Guerra de 1914 – 1918 acentuaria ainda mais a influência junto as comunidades que pregavam essa filosofia no mundo do trabalho. Já o periódico operário A Vida em seus artigos alusivos aos efeitos da Guerra, já apontava para a raiz do problema. E essa raiz consistia no “sistema” e não em pessoas.

Logo, a questão de se bater contra a ordem deveria ter um sentido bem definido, isto é, a ordem era um sistema a reproduzir interesses de quem a manipulava e estabelecia interdições de modo a fazer valer tais interesses, sempre às custas do trabalhador.

Foi com o intuito de compartilhar com um novo sistema no qual a ordem pudesse ser destinada a amparar o trabalho e não o transformar em mero instrumento de acumulação de riqueza para os já enriquecidos patrões, que Astrojildo tornar-se-ia um comunista. Convencido de que não basta destruir a ordem existente, mas construir uma nova ordem é que agiu no sentido de promover a criação da Seção Brasileira da Internacional Comunista no Brasil (SBIC), em março de 1922, embrião do futuro Partido Comunista, fruto, portanto, de uma reflexão sobre a necessidade de dar sentido à demolição da velha ordem.

Ao lembrar do Primeiro Secretário Geral do Partido Comunista do Brasil, que, estou relacionando os três vocábulos do título deste artigo. Como combatente contra a ordem e agir como insurgente, Astrojildo foi um ardoroso defensor da democracia na qual acreditava e a concebia como expressão mesma do comunismo. Esta democracia se fazia, de acordo com sua convicção, na mais ampla amplitude de direitos sociais, sem a qual nenhuma sociedade seria verdadeiramente democrática, já que desde sua época a palavra tinha sido apropriada como trunfo das classes detentoras do poder.

Mesmo quando Astrojildo teve de se curvar disciplinadamente à maré montante de uma orientação sectária do Partido, na época do “obreirismo,” ele se manteve fiel ao compromisso do alargamento democrático.

Soube distinguir a ordem emanada da direção partidária da ordem instituída pelo patronato de origem patriarcal ou burguês, e mesmo estando durante algum tempo à margem de uma militância orgânica em razão de um afastamento por não se enquadrar nas diretrizes do militante necessariamente de origem proletária, não se abalou.

Entendia o comunismo como a mais abrangente e poderosa democracia, uma vez que atendia a todos dentro de uma perspectiva rigorosamente igualitária. Entendia mais, que a hegemonia do proletariado fazia na prática convergir a democracia de todos os homens e mulheres do trabalho com o direito de usufruírem os resultados de seus esforços coletivos. Assim, mais do que uma ordem a impor limites e favorecimentos às classes dominantes, haveria um ordenamento de tal forma que todos teriam acesso aos bens criados pelo trabalho.

O Golpe de 1964 prendeu Astrojildo só porque expressara ao longo de sua trajetória de vida ideias a incomodar os bem nascidos e os poderosos de plantão. Com sua saúde abalada não teve a assistência devida e veio a morrer quase sete meses depois da derrubada do governo do presidente João Goulart.

Afastado que fora das atividades do Partido, afastado depois da vida política por ocasião do Golpe, jamais deixou de crer na esperança de que um dia o sol brilharia para todos. Que a ordem deve sucumbir para dar lugar a novas maneiras de conformação da sociedade, e que as insurgências como manifestações de desagrado diante do autoritarismo e do poder discriminatório devem ser incentivadas, porque é o caminho que leva o povo a ser sujeito da história. Seu ardente desejo da instauração da democracia social está de pé e caminha apesar das adversidades do passado e do presente.


LINCOLN DE ABREU PENNA – Doutor em História Social pela Universidade de São Paulo (USP); Conferencista Honorário do Real Gabinete Português de Leitura; Professor Aposentado da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ); Colunista do jornal Tribuna da Imprensa Livre.