Redação –
“De repente, me tornei uma besta. Visto o uniforme laranja dos prisioneiros. Correntes circundam meu peito. Algemas prendem meus pés e minhas mãos. Quase não consigo mais andar nem respirar. Eu sou um animal imobilizado. Eu sou uma besta presa numa arapuca”.
Eis Frédéric Pierucci no primeiro parágrafo de “A Arapuca Americana”*, livro-testemunho que detalha como a General Electric usou o poder dos EUA para quebrar a Alstom e assumir o controle de parte das usinas nucleares da França.
Refém-econômico, preso ilegalmente por 28 meses para obrigar a Alstom a pagar a maior multa já imposta pelos Estados Unidos e a entregar sua área de energia para seu grande concorrente americano, Pierucci foi chantageado, torturado psicologicamente, sua família sofreu assédio, sua vida foi temporariamente destruída.
Pierucci conta que, na prisão de segurança máxima de Wyatt, vários estrangeiros esperavam por um acordo há dois, outros até cinco anos, por terem recusado as ofertas iniciais feitas pelos promotores. A maioria dos presidiários sofre de transtornos mentais e físicos.
O responsável pela investigação fraudulenta contra Pierucci foi Daniel S. Khan, coordenador offshore da Lava Jato e uma espécie de “tutor de facto” de Sergio Moro que, como êmulo, tropicalizou os seus procedimentos investigativos.
Diferentemente da ditadura militar, que importava expertise da CIA e FBI, a guarda pretoriana da Lava Jato aprendeu, com Khan e companhia, a torturar sem deixar nenhuma marca na pele, sem fazer verter uma única gota de sangue.
O combo largamente usado por Moro, que segundo comunicado da Alvarez & Marsal era o coordenador das investigações, incluía investigações fraudulentas, sequestro de jurisdição, intermináveis detenções ilegais em cadeias com escuta, conduções coercitivas, invasões de domicílio com cobertura espetaculosa da mídia amiga com ampla exposição de familiares, vazamentos, perseguição, espionagem de advogados de defesa, sequestro de bens e ameaças de penas eternas.
No entanto, nenhuma das lições aprendidas com Daniel Khan foi mais ilicitamente usada que a delação premiada.
A delação premiada é um instituto estranho ao ordenamento jurídico brasileiro. Baseada no plea bargain estadunidense e adaptada às condições brasileiras, ela mais se assemelha a um casal de ursos polares passeando de mãos dadas pelas ruas de Cuiabá. No verão.
Formalmente, está assim descrita na lei: “instituto jurídico pelo qual o investigado, ou réu em um processo penal, recebe um benefício em troca de sua colaboração com o Estado para evitar a prática de novos crimes, produzir provas sobre crimes já ocorridos ou identificar coautores desses crimes. Para aquele que contribuir efetiva e voluntariamente com a investigação ou processo, o juiz poderá conceder perdão judicial, reduzir a pena de prisão em até dois terços ou substituir por pena restritiva de direitos.”
A chave está no “contribuir efetivamente” e para isso é necessário construir as condições para que o delator o faça “voluntariamente”.
Como a Lava Jato resolveu a questão da voluntariedade? Tropicalizou a expertise do DoJ, amplamente fundada na advocacia da delação.
Peça fundamental para o perfeito funcionamento do roteiro acusatório, a advocacia da delação se apresenta como defensora do réu e facilitadora das negociações com a promotoria.
Pierucci conta que o advogado que lhe fora designado pela justiça dos EUA foi a fonte mais perene de medo e angústia de sua vida.
Além de resolver a questão da voluntariedade, a advocacia da delação resolve a questão que aparece em dez, de cada dez mensagens da Spoofing: dinheiro.
Na tropicalização lavajatista rapidamente foi construída uma rede curitibana de advocacia da delação, formada por um minúsculo núcleo de advogados amigos, por vezes sócios dos agentes lavajatistas, com livre acesso aos gabinetes da Lava Jato e, prioritariamente, aos réus e investigados.
Uma ressalva importante precisa ser feita: Moro e Daniel Khan não são a mesma coisa.
No livro-testemunho, Pierucci descreve Khan como “uma pessoa má, corrupta, ambiciosa e brilhante”. O ex-ministro de Bolsonaro é tudo, menos brilhante.
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MAZOLA
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