Por Luiz Carlos Prestes Filho

Depoimento de Luizinho Drummond, presidente do Grêmio Recreativo Escola de Samba Imperatriz Leopoldinense a Luiz Carlos Prestes Filho, realizado para a pesquisa do livro “O Maior Espetáculo da Terra – 30 anos do Sambódromo” (2015). Luiz Pacheco Drummond, 80 anos, ex-presidente da Liesa e da Imperatriz, tinha aneurisma cerebral e faleceu nesta terça-feira (30), no Rio de Janeiro.

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Quando eu comecei no carnaval o desfile das escolas de samba do Rio de Janeiro já era um grande espetáculo. Mas, claro, que não chegava ao que realizamos hoje. Foi aos poucos que mudamos o padrão. Soubemos atuar em atividades que as pessoas julgam ser periféricas, aproveitando o que tínhamos disponível, em recursos humanos e financeiros. As fontes foram as mais diversas, sempre com participação direta das comunidades que cercam as nossas quadras. Minha origem familiar humilde, especialmente, minha infância “pelambulada” entre as ruas de Ramos, foi fundamental. Por isso, sempre afirmo que o maior espetáculo do mundo – para mim – nasceu em Ramos!

Nunca me imaginei um ser superior a qualquer outro. E o mistério do carnaval está nessa humildade frente ao próximo. Sem ela não saberia penetrar no seio da massa, não teria como chamar a atenção do público para os desfiles da minha Imperatriz Leopoldinense. Somente espelhando os sonhos do povo trabalhador que podemos fazer brilhar a passarela. Nossa gente busca alegria no futebol e no carnaval. O povo gosta de apostar, de jogar, de competir, por isso, sabe enfrentar qualquer derrota. Acredita na sorte, não se desespera com a perda, vê na mesma o motivo para a futura superação. Sente na pele que qualquer vitória tem seu preço.

Foi no ano de 1975, em meio a uma séria crise da Imperatriz Leopoldinense, que recebi o convite do meu vizinho, Amaury Jório, para assumir a presidência da escola que nem quadra tinha. Tudo bem que esta era uma realidade da maioria das agremiações, todas mergulhadas numa péssima infraestrutura. O problema era que a Imperatriz vivia como numa montanha russa, subia e descia com a mesma velocidade, entre a melhores e as piores. Imaginavam que com a minha presença imediatamente conquistariam segurança e estabilidade. Enxerguei o desafio como uma oportunidade, aceitei o convite que contou com a insistência do Zé Catimba – que ainda hoje está lá na ala dos compositores – e do Elcio Macula. Duas testemunhas vivas daqueles anos.

Em 1989 com o Samba antológico ‘Liberdade, liberdade’, a coroa-símbolo da Imperatriz veio no abre-alas quando a Escola foi Campeã do Carnaval, era feita com mais de três mil lâmpadas (Foto: Carlos Ivan/Agência O Globo)

Aceitei também, porque dentro de mim já havia brotado aquele amor pelo nosso carnaval. Sentimento que vinha desde os tempos quando junto com os meus irmãos percorria Madureira, Cascadura e Bonsucesso seguindo os blocos e as bandas. À noite a gente se fantasiava para participar dos bailes nos clubes e nos teatros; frequentávamos a Festa da Penha, local de reunião de grandes sambistas. Minha infância e juventude foi contaminada por este ambiente. Muitas vezes, de longe, vi o Natal da Portela, um mito.

O que eu não imaginava, ao aceitar a presidência da Imperatriz, era de que nos meus primeiros carnavais viveria uma série de derrotas. A pior foi quando caímos para o segundo grupo, em 1977, com o enredo “Viagens Fantásticas às Terras de Ibirapitanga”. Foram uma série de pancadas que tive que assinar a autoria e que me ensinaram muito. Tanto que demorei cinco anos para me recuperar, para me sentir seguro em relação ao trabalho proposto pela nossa diretoria.

No meio das derrotas reconheci que me faltava o conhecimento do potencial da comunidade que administrava e da tradição local. Entendi que eu tinha buscar ajuda e orientação com quem sabia o que era a arte do carnaval. Assim, fui para os bancos da academia do samba. E olha, fui um estudante aplicado da Velha Guarda da minha escola. Não existia outra solução, tinha que ir fundo no entendimento do que é uma escola de samba, uma quadra, um barracão, um desfile. O Amaury Jório sabia de todos os segredos. Ele com, sinceridade, desejava que o nosso espetáculo evoluísse, beneficiando todas as escolas de samba, tinha um olhar largo. O que seria da Imperatriz sem a Portela, o Salgueiro, o Império Serrano, a Mangueira, a Vila Isabel ou a Mocidade Independente? Isso ele me passou. Não podia fechar meu olhar somente na Imperatriz.

Zezé Di Camargo e Luciano foram homenageados pela Imperatriz Leopoldinense no carnaval de 2016 (Reprodução/Google)

Vejo hoje que vivemos dentro dos sonhos do Amaury, que foi quem teve a ideia da criação da Passarela do Samba, agora conhecido como Sambódromo. O que fazemos na Marquês da Sapucaí, foi induzido por ele. Mas a ficha de serviços prestados ao do amigo é longa. Foi ele um dos que conseguiu aprovar a criação do Dia Nacional do Samba, dois de dezembro; construiu a sede da Associação das Escolas de Samba do Brasil (AESB), conhecido como o Palácio de Mármore do Meier; conseguiu defender os direitos da transmissão dos desfiles pela televisão. É como diz o historiador Luiz Werneck Vianna: “Os mortos não governam os vivos, mas que influenciam, influenciam”.

Continuamos a Viver somente nos Sonhos que sonhamos

Tentar até que eu tentei um caminho fora do carnaval. Quando decidi deixar de estudar, isso na 4ª série do antigo primário, disse para o meu pai que tomava aquela decisão para poder trabalhar. Prometi que iria continuar estudando à noite. Mas no balcão de uma padaria o espírito do empreendedorismo me envolveu para sempre. Percebi que muitas pessoas não iam comprar pão fresco por vários motivos. Não queriam acordar cedo; doença; distância; falta de dinheiro. Então decidi “levar” a padaria até aquelas pessoas. Comprei um cesto maior que o meu tamanho e me demiti do estabelecimento. Passei a comprar o pão pronto e distribui-lo para esta freguesia. Assim como num jogo de futebol, analisei o campo, montei minha tática e fui driblado rumo ao gol. Ou seja, deixei de ser jogador e passei a ter o meu próprio time. Os que estavam doentes, que não saiam de casa, se acostumaram com o serviço de entrega; os que não acordavam cedo, adoraram receber pão quente na porta, não queriam outra vida; os que não tinham dinheiro, pagavam quando podiam, o pão virou na minha mão uma espécie de carta de crédito. Essa flexibilidade na gestão de um pequeno negócio, que as ruas do meu bairro ensinaram, está em muita cosia que faço hoje. Ninguém nessa vida é igual e pode ser nivelado, cada um tem o seu jeito de ser e deve ser respeitado, vivemos numa sociedade dividida por classes.

Infelizmente, não voltei à escola. Coisa imperdoável. Reconheço que este foi um dos meus erros na vida. Coisa que não admito nos meus filhos, netos, filhos de empregados. Hoje, incentivo a todos a estudarem, a obter conhecimentos técnicos e científicos. Nem sempre a pura experiência da vida pode transformar o nosso dia-a-dia para melhor. Ao redor de mim, só não estuda quem não quer. Tanto que concordo com aquela frase que tantas vezes ouvi da boca do ex-Governador Leonel Brizola: “Sem a preparação do ser humano, não há desenvolvimento. A violência é fruto da falta de educação”. A construção dos Cieps e o projeto pedagógico do mesmo, se fosse levada adiante, teria mudado a realidade desse nosso Brasil.

Já crescido, abandonei o pão francês e a minha freguesia, resolvi seguir a profissão do meu pai, que trabalhava numa empresa de terraplanagem. Pedi auxílio para um de meus irmãos que me indicou a uma empreiteira. Fui trabalhar na obra da rodovia Rio – Bahia, no ano de 1958. O seja, fui baiano por um ano e meio! Mas, não aguentei a distância. Voltei em 1960 para o Rio de Janeiro, sentia uma saudade imensa dos meus pais, do chouriço da feira na porta de minha casa e outra grande do meu carnaval. Naqueles anos a minha família era cheia de gente, muito unidos, éramos dez irmãos ao todo. Hoje restam somente eu de homem e outras três irmãs velhinhas que ajudo a cuidar como algo sagrado.

A partir da minha volta comecei a acompanhar o carnaval bem de perto e, particularmente, passei a participar do Bloco Cacique de Ramos. Num certo período o pessoal de lá me abriu as portas para eu viver experiências relacionadas à organização dos desfiles.

Tudo foi assim bem tranquilo até eu me aproximar do Amaury Jório. Lembro que contei para ele sobre a minha experiência de vendedor de pão. Ele disse que aquilo tinha relação com a sua atividade de farmacêutico: “Você Luizinho teve que conhecer os moradores, teve que sentir o jeito de ser de cada pessoa para viabilizar o seu negócio. Faço o mesmo nas minha atividades. Tento entender porque compram ou não compram meus produtos e serviços. Vou ao encontro das dificuldades de cada um”. Isso nos aproximou e entre um papo e outro, em 1975, ele me levou para a Imperatriz. Assumi o compromisso de construir uma quadra para escola e cumpri. Isso me deu reconhecimento e força no início do jogo junto à comunidade.

A vitória da nossa escola, em 1980, que contou com a imprescindível colaboração do carnavalesco Arlindo Rodrigues, com o enredo “O que que a Bahia tem?”, foi um dos maiores acontecimentos de minha vida. Imagine que conseguimos empatar com a Beija Flor e a Portela! As três agremiações obtiveram notas máximas. Tristeza que daquele momento de glória o Amaury Jório não participou. Injustiça. O meu mentor faleceu em janeiro, poucos antes do carnaval.

Em 1981, com o enredo “O teu cabelo não nega”, contando a vida do compositor Lamartine Babo, vencemos outra vez. Esses fatos marcaram, fortaleceram minha presença no carnaval. Demonstraram que eu soube ser um bom aluno, aprender com os mais velhos e criar, por outro lado, algo próprio. Fiquei eufórico.

Quando eu comecei a achar que qualquer partida seria fácil de enfrentar, a Império Serrano veio com “Bum Bum Paticumbum Prugurundum” e nos desbancou. Doeu ver uma coirmã verde-branca bater outra verde-branca. Confesso que foi difícil retirar o meu time de campo, tomar fôlego, até conseguir a fazer o nosso golaço em 1989.

A, B e C no Futebol e no Samba

Antes de 1984 éramos quarenta e quatro escolas de samba, todas juntas, na Associação das Escolas de Samba do Brasil (AESB). O presidente da nossa entidade, entre 1970 e 1978, foi o Amaury Jório, depois que vieram os presidentes Nilton Costa, o Alexandre Gedei e o Alcione Barreto. O Amaury sabia muito bem levar aquilo. Era uma pessoa conversada, tinha habilidade com todos e sempre era respeitado no mundo do samba. Sua palavra era de ouro e sua habilidade no comando provava que ele um dia tinha sido militar.

Com a inauguração do Sambódromo, tivemos que tomar uma atitude, por conta dos desentendimentos nas plenárias. Eram discussões sem sentido na associação. O regulamento era igual para todos. Aquilo não poderia continuar. As escolas do Grupo I. A tinham a obrigatoriedade de sete carros alegóricos e o do Grupo II-B tinham que levar para avenida somente dois. Mas os debaixo aprovavam ou não o que os de cima deveriam fazer.

No futebol, no Campeonato Carioca, onde temos as divisões A, B e C, imaginem o Bonsucesso, o Olaria ou o Madureira decidir o futuro do Flamengo, do Vasco, do Fluminense ou do Botafogo. Não tem como, as avaliações são e devem ser diferentes.

Numa das plenárias, quando destrataram o falecido Djalma Arruda, que era da diretoria da Mangueira, sentimos que estavam chegando a total falta de respeito até pessoal, que não havia mais condições de continuarmos juntos. Assim, resolvemos criar a Liga Independente das Escolas de Samba (Liesa).

Afastamos nossas escolas daquela confusão. Somos dez agremiações fundadoras e mais quatro que se juntaram depois, formando o Grupo Especial com quatorze das quarenta e quatro. Foi naquele momento que veio a ideia de realizar os desfiles em dois dias.

A Passarela Professor Darcy Ribeiro, popularmente conhecida como Sambódromo, é um projeto de autoria do arquiteto Oscar Niemeyer e foi inaugurada em 1984 durante o primeiro governo fluminense de Leonel Brizola, 1983-1987 (Reprodução/Google)

Grande momento a obra do Sambódromo, realizado pelo governador Leonel Brizola, do Partido Democrático Trabalhista (PDT), com a coordenação do Secretário de Educação, Darcy Ribeiro, e projetado pelo arquiteto-comunista, Oscar Niemeyer. Com esta nova infraestrutura o carnaval carioca e de todo o Brasil nunca mais seria o mesmo. O padrão mudou para sempre, com as arquibancadas fixas, iluminação, facilidades para registro e transmissão audiovisual, entre outras transformações. A AESB, 1998, passou a se chamar Associação das Escolas de Samba da Cidade do Rio de Janeiro (AESCRJ) e ficou com o Palácio de Mármore. Aquela entidade passou a organizar os desfiles das escolas menores no bairro de Madureira, na estrada Intendente Magalhães.

Somente em 2013 o projeto original do Sambódromo teve sua obra concluída, na gestão do prefeito Eduardo Paes. Penso que foi muito mais fácil esta conclusão do que a própria decisão da realização da mesma pelo governador Brizola. Ele tinha somente 127 dias para colocar de pé aquela estrutura absolutamente original, sem precedentes. Conseguiu finalizar em 117 dias.

Quantas vezes eu virei a madrugada na casa do professor Darcy Ribeiro, na avenida Atlântica. O professor ia dormir dizendo: “Podem continuar aqui na minha casa trabalhando, temos que desenvolver os detalhes do projeto respeitando o que o povo do carnaval deseja”. Lembro da presença do Carlos Imperial, vereador pelo PDT, que defendia a cada passo o projeto na Câmara dos Vereadores. Isso era importante, pois na véspera de inaugurar a Passarela do Samba começaram com o boato de que ela ia cair. Foi uma luta para que a imprensa desmentisse. Nossa meta e compromisso com o Governador era de abrir com lotação de público, casa cheia.

A Liesa Passou pela Minha Vida

Eleito pela maioria, o Castor de Andrade foi o primeiro presidente da Liesa, nos anos de 1984-1985. Ele sabia o que era carnaval. Tanto que fez de uma pequenina agremiação a Mocidade Independente de Padre Miguel, uma grande escola. A bateria nota 10 do Mestre André foi o ponto alto, deu alma para o trabalho que ele executou. Ao convidar o Arlindo Rodrigues e o Fernando Pinto para sua agremiação, impulsionou mudanças que trouxeram muitas vitórias. O mesmo aconteceu com a liga, criada por iniciativa dele e do Capitão Guimarães. O Castor redimensionou tudo na nossa festa, a volumetria do carnaval ele que deixou crescer na avenida. Adorava mudanças, não era um conservador. Na sua gestão os patronos e presidentes ganharam a dimensão cultural, econômica e social merecida.

Anísio Abraão David e Luizinho Drummond – Sambódromo, Rio, 1985 (Crédito: Guina Araújo Ramos)

Já falaram muito do Castor, já reviraram sua vida pelo avesso, mas nada escreveram sobre seu talento na administração e realização artística do espetáculo na Marquês da Sapucaí. Ele pensava grande, não economizava; quando era preciso botava mão no próprio bolso; e sabia aceitar a críticas. Assim como o Amaury Jório escreveu o livro sobre o Natal da Portela – “O Homem de um braço só” – um dia teremos alguém que vai se debruçar sobre o legado do Castor de Andrade junto às escolas de samba. Penso que mesmo ele sendo apaixonado pelo futebol – era literalmente doente pelo Bangu Atlético Club – foi no carnaval encontrou a batida certa para o seu coração.

Depois veio a gestão do Anísio, 1986, que eu conheci ainda jovem, quando frequentei a quadra da Portela. Ele sempre tinha ao seu lado o Nelsinho, seu falecido irmão, pessoa que deu o chão para a Beija Flor que hoje conhecemos. A pequena escola de Nilópolis cresceu com o Anísio. Quando ele trouxe o carnavalesco Joãozinho Trinta, com o enredo “Sonhar com Rei dá Leão”, e ganhou o carnaval de 1976, surgiu uma maneira nova de desenvolver um desfile. Ele juntou tradição com a inovação. O enredo era sobre o Natal, mas a narrativa não foi estruturada de maneira linear ou, vamos dizer assim, biográfica. Enaltece-se a paixão do Natal pelo Jogo do Bicho. Atividade que é mais do que um jogo, é uma marca da nossa brasilidade, do “carioquês”, com a qual a boa parte população se identifica. A Beija Flor foi vitoriosa naquele ano e continuou ganhando em 1976, 1977 e 1978.

O Anísio deu continuidade a tudo que foi estabelecido pelo Castor. Especialmente, deu soluções que ajudaram a comercializar os desfiles, trazendo benefícios para todos.

O Capitão Guimarães administrou a Liesa entre os anos de 1988-1992. Foram os cinco anos cruciais para a definição da identidade institucional da liga. Ao contrário do Castor e do Anísio o Capitão não é ligado a nenhuma escola específica. Sua visão sempre é macro. Ele era portelense, por circunstâncias da vida foi ser presidente da Vila Isabel, mas depois se afastou. Quando resolveu morar em Niterói, sabendo que o José Carlos Monassa Bessil saía da presidência da Viradouro, resolveu colaborar com aquela agremiação. Com sinceridade desejou devolver para a comunidade o carinho que recebeu do povo da terra que lhe deu abrigo.

O Guimarães é uma pessoa que olha para o carnaval como olhamos uma floresta de longe, não se preocupa com as folhas e os insetos. Tem segurança no caminho escolhido. Como disse anteriormente, tem uma visão macro, coisa que define um comandante. Gostar de tudo igual a pessoa nunca gosta não, sempre tem uma ou outra diferença. No caso do futebol, um é Flamengo, o outro é Vasco, o outro é Botafogo, o outro é Fluminense. O Capitão, vamos dizer assim, gosta mesmo é de ver um grande futebol, uma partida criativa. O Capitão, como organizador da festa, sempre se esmerou para o todo dar certo, para que todos os anos acontecesse um grande desfile.

O presidente da Unidos da Tijuca, Fernando Horta, renovou a festa, ao convidar o carnavalesco Paulo Barros para trabalhar na escola, não renovou somente a sua agremiação. Ele mudou o carnaval. Seu exemplo, transformou para melhor o nível técnico e artístico dos desfiles na Marquês de Sapucaí e de todo o Brasil. Esse é o espírito do Capitão Guimarães.

Tivemos uma breve passagem do Paulo de Almeida, 1993-1994, na presidência da Liesa, em seguida assumiu o Jorge Castanheira, 1995-1996, que ainda era muito jovem e inexperiente. O Djalma Arruda, eleito para o mandato de 1997, faleceu inesperadamente do coração. Foi nesta ocasião que eu assumi a entidade. Fui presidente no anos de 1998-2001.

O Capitão voltou nos anos de 2002-2003. Agora quem está lá, já com uma baita experiência e profissionalismo, é o Jorge Castanheira.

Luizinho Drummond, Simone Drummond e David Brazil (Reprodução/Google)

O carnaval é um troço muito monstruoso, muito trabalhoso, se bobear, você trabalha nove meses no ano direto. E isso ficou evidente para mim quando assumi a presidência da Liesa. Tinham muitas coisas que faltavam. O contrato com a TV Globo pedia uma revisão. Dentro da Liesa existia um certo tabu sobre o tema, diziam que era melhor não tocar nesse tema com os executivos daquela empresa. Fui na Globo pessoalmente. Apresentei uma proposta de ajuste financeiro dos direitos de transmissão. Mostrei que era viável para todos o reajuste de R$ 1 milhão para R$2 milhões. Claro que surgiu uma forte resistência da emissora. Aos poucos, de reunião em reunião, fui mostrando que era justo. Foi o Dr. Roberto Marinho que aceitou. Inclusive, ele elaborou um plano de ações para valorizar o produto como um todo. Reconheceu que o samba estava fazendo sua parte e a empresa tinha que fazer a sua.

Foi a partir daquele momento que começaram a realizar uma cobertura mais ampla das nossas atividades, antes mesmo dos desfiles. Entre setembro e outubro passaram a cobrir as escolhas de samba enredo nas quadras. O jornalismo começou a dar destaque para as escolas do Grupo Especial, as vezes com matérias no Fantástico. O que era impensável antes das negociações que liderei.

Os Produtos do Carnaval

Antes do Sambódromo não existia o produto – desfile das campeãs no sábado. A gente entregava os prêmios para as agremiações vencedoras no Campo de São Cristóvão. As melhores alas das baianas; os diretores de bateria; os mestres sala e portas, entre outros, recebiam os seus pequenos troféus, num evento mixuruca.

Aconteceu que no ano de 1984, quando eu era vice-presidente da UESB. Resolvemos realizar o carnaval em dois desfiles do então Grupo A-I separados. Inclusive, cada grupo teria seu vencedor, o carnaval do Rio passaria a ter dois vencedores. Aquilo, na minha opinião, foi uma teimosia mal avaliada e planejada. A Mangueira foi a campeã

do primeiro dia e a Portela do outro. Naquela ocasião o Darcy Ribeiro sugeriu: “A gente podia fazer um tira teima, no sábado, para ver qual é a melhor”. Eu questionei: “Mas professor, como será possível voltar para fazer mais um desfile? Os carros escangalham; as fantasias são rasgadas; muitos componentes que desfilaram na Mangueira no domingo, desfilaram na Portela, na segunda. Não tem como essa gente comparecer outra vez de maneira organizada”. Existia a dúvida, mas realizamos o que o professor propôs.

O curioso é que mesmo não mantendo o formato de dois vencedores do carnaval, o sábado das campeãs se transformou numa realidade. Hoje é um evento importante, um serviço a mais que prestamos para e indústria do turismo. Muita gente vem doido para ver o desfile das campeãs. Quer dizer, o Darcy Ribeiro estava certo.

Pode ser que como ele olhava para nossas atividades de fora para dentro, assim pode identificar a oportunidade. Para os que estão envolvidos diretamente, não existe pausa para reflexões. Descanso é praticamente nenhum, trabalhamos o ano inteiro. Na quarta-feira de cinzas já estamos a estudando o próximo enredo; checando as oportunidades de patrocínios; analisando a possibilidade de contratação de um ou outro profissional.

Hoje todo mundo corre atrás de profissionalismo. Não estamos mais naquela época em que o camarada desfilava e trabalhava na escola por paixão. Hoje a maioria trabalha por necessidade, diria por obrigação. Temos muitos profissionais que vivem exclusivamente da produção carnavalesca. Estamos nos aproximando do ponto de equilíbrio entre o sentimento de amor pelo carnaval que une a comunidade e o mercado da cultura, do turismo e da tecnologia.

Nesse contexto, devemos buscar novos produtos. Assim como o professor Darcy desenvolveu a ideia do desfile das campeãs, podemos trilhar caminhos novos.

Na época em que eu estava na Liga, juntamente com o Djalma Arruda, relembramos o Dia Nacional do Samba, 2 de dezembro, que estava esquecido. Propomos homenagear um sambista a cada ano. A primeira pessoa escolhida foi o Delegado da Mangueira, que era a figura mais antiga do samba na época; depois reverenciamos o Martinho da Vila; em seguida a Alcione; o Neguinho da Beija Flor. Até hoje esse nosso trabalho é lembrado pela repercussão positiva.

Precisamos saber fazer da Festa de Lançamento do CD com os enredos do Grupo Especial, um evento comercial, para atrair turistas. A reunião que realizamos na Cidade do Samba é tímida, é uma atividade somente para as escolas. Temos que abrir.

Todo ano estamos lá reunidos, no sorteio da ordem dos desfiles. Mas ninguém, na cidade do Rio de Janeiro, sabe que este evento acontece, somente o pessoal do meio do samba participa. Tínhamos que ter uma divulgação mais direcionada, para que os moradores locais e os turistas venham conhecer nossos artistas, carnavalescos, compositores e organizadores do desfile do Grupo Especial.


LUIZ CARLOS PRESTES FILHO – Cineasta, formado na antiga União Soviética. Especialista em Economia da Cultura e Desenvolvimento Econômico Local, colunista do jornal Tribuna da Imprensa Livre. Coordenou estudos sobre a contribuição da Cultura para o PIB do Estado do Rio de Janeiro (2002) e sobre as cadeias produtivas da Economia da Música (2005) e do Carnaval (2009). É autor do livro “O Maior Espetáculo da Terra – 30 anos do Sambódromo” (2015).