Por Miranda Sá –
“Não há maior desventura que a falta de alegria. ” (Francisco Gómez de Quevedo)
Faz pouco tempo que escrevi sobre o mistério da alegria, inspirado num debate sobre o governo JK e a intervenção auspiciosa do erudito tuiteiro Antônio Carlos Rosário lembrando a Era de Otimismo que o Brasil atravessou na década de 1950.
É fácil e emociona falarmos de alegria; é difícil, porém, encontra-la atualmente sob um governo oposto ao de JK, lúgubre, necrófilo, operando contra a vacinação na pandemia e sabotando a exigência do passaporte vacinal na entrada de pessoas vindas do Exterior.
Então achamos por bem abordar o lado difícil da dicotomia alegria e tristeza, falando da tristeza. Fui garimpar na Bíblia (que parece não é lida pelos pastores politiqueiros) e encontrar no Antigo Testamento o Livro de Jó.
Estudiosos deste texto polemizam sobre a autoria dos versículos pela impossibilidade de afirmar a exatidão das passagens relatadas, do tempo do patriarcalismo e registrando absurdos como o que registra Jó com 200 anos de idade!
Uma coisa, porém, é certa: embora poética, a narrativa é um hino ao conformismo diante de um Deus que permite o sofrimento dos justos. A mensagem traz, além da profunda amargura pelo martírio imerecido de Jó, a revisão de duas concepções do julgamento divino.
Conforme a interpretação da Justiça, o Deus de Israel é rigoroso e cruel, e o Deus cristão é de infinita bondade. Jeová foi implacável nas dez pragas do Egito, cobrindo homens, mulheres e animais de chagas, de piolhos, de fome, e condenando crianças à morte. O Deus anunciado por Jesus Cristo é justo e perdoa.
Em ambos casos, porém, a tristeza está presente. O problema de Jó, ocorrido 1.700 anos antes de Cristo, deu-se por uma aposta entre Jeová e Satã…. Lembrou-me até o filme “Trocando as Bolas” a comédia do mendigo Billy Ray Valentine (Eddie Murphy) e o empresário Louis Winthrop III (Dan Ackroyd ).
O enredo cinematográfico gira em torno da competição entre dois banqueiros esnobes numa aposta em que qualquer pessoa pode se tornar um respeitável financista, desde que se lhes deem uma oportunidade…. Assim, tornam um executivo miserável e um miserável CEO de suas empresas…. Os personagens envolvidos descobriram a trama e malograram lucrativamente a experiência, com um final feliz.
No caso bíblico, a aposta de Deus e o Diabo sobre a lealdade de um crente é o retrato da tristeza. Após perder tudo o que possuía por incitação diabólica, sofrer a desdita familiar, uma tragédia com os servidores, destruição da sua casa e perda dos seus rebanhos, Jó rasgou a roupa, raspou a cabeça, ajoelhou-se e exclamou:
“Nu sai do ventre da minha mãe e nu voltarei para o seio da terra. O Senhor o deu, o Senhor o tirou; bendito seja o nome do Senhor! ”. Assegurando dessa maneira um duplo infortúnio, impossível de passar pela cabeça dos mercadores do templo, padres, pastores ou rabinos….
A palavra Tristeza dicionarizada é um substantivo feminino de etimologia latina, “tristitia”, que designava “desânimo”, chegando ao português castiço como o estado mental da falta de alegria, pela adversidade, aflição e melancolia.
O escritor e poeta espanhol Francisco de Quevedo, nosso epigrafado, diz tudo sobre a tristeza. Sua apreciação reforça o julgamento das duas épocas históricas do Brasil.
A primeira, no tempo da alegre esperança que o Governo JK nos trouxe; e a outra, na tristeza que se abateu na pandemia do novo coronavírus condecorando a Família Bolsonaro com a comenda do desprezo pela vida humana e da inépcia administrativa na saúde pública.
O “futurista” Millôr Fernandes nos deixou a visão de que “toda alegria é assim; já vem embrulhada numa tristezinha de papel fino”; assim, por mais paciência que tenhamos diante da política e resignação perante a crença na divindade, não podemos aceitar a convivência da alegria com a tristeza.
Por outro lado, discordo do poeta Vinícius de Moraes que gastando o seu lirismo cantou que “a tristeza não tem fim/ felicidade, sim”; para mim, bastará darmos um basta no contratempo bolsonarista que o Brasil voltará a sorrir….
MIRANDA SÁ – Jornalista profissional, blogueiro, colunista e diretor executivo do jornal Tribuna da Imprensa Livre; Trabalhou em alguns dos principais veículos de comunicação do país como a Editora Abril, as Organizações Globo e o Jornal Correio da Manhã; Recebeu dezenas de prêmios em função da sua atividade na imprensa, como o Esso e o Profissionais do Ano, da Rede Globo.
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NOTA DO EDITOR: Quem conhece o professor Ricardo Cravo Albin, autor do recém lançado “Pandemia e Pandemônio” sabe bem que desde o ano passado ele vêm escrevendo dezenas de textos, todos publicados aqui na coluna, alertando para os riscos da desobediência civil e do insultuoso desprezo de multidões de pessoas a contrariar normas de higiene sanitária apregoadas com veemência por tantas autoridades responsáveis. Sabe também da máxima que apregoa: “entre a economia e uma vida, jamais deveria haver dúvida: a vida, sempre e sempre o ser humano, feito à imagem de Deus” (Daniel Mazola). Crédito: Iluska Lopes/Tribuna da Imprensa Livre.
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