Por José Carlos de Assis

A aprovação pelo Congresso da PEC da Transição, rompendo o chamado teto fiscal, ajuda substancialmente a resolver o problema alimentar das famílias de renda mais baixa, que receberão, a partir do próximo ano, a Bolsa Família de 600 reais com mais 150 reais por filho até seis anos.

Entretanto, não garante a oferta de comida para os muito pobres. É que há um grande risco de desequilíbrio no mercado entre a oferta e a demanda monetária de alimentos, como aconteceu no início do governo Bolsonaro.

De fato, as famílias pobres terão dinheiro para comprar comida, mas não há segurança de que haverá no mercado comida equivalente para vender. Para eliminar essa insegurança, seria necessário que o governo buscasse junto ao Congresso autorização para destinar recursos adicionais para retomar a produção alimentar e os estoques reguladores, inclusive a Conab, resgatando programas agrícolas originais dos primeiros governos do PT. Isso evitaria pressões dos preços dos alimentos sobre o custo de vida, que pesam mais sobre os mais pobres.

Um dos principais problemas que ocorreram nos dois últimos governos na área alimentar foi a migração de culturas destinadas ao mercado interno para o mercado de commodities exportáveis. É o que aconteceu, por exemplo, com a redução das áreas dedicadas ao plantio de feijão e arroz, em geral direcionado para o mercado interno, em favor do milho, destinado ao mercado externo. Com isso, houve grande pressão de preços nos dois mercados, por falta sobretudo de uma ação reguladora da Conab.

Essa questão precisa ser resolvida no curto prazo, pois, do contrário, pode suscitar problemas para a estabilidade social e política do governo Lula. Diante do clima criado por eleitores insatisfeitos com os resultados eleitorais, que não necessariamente vai arrefecer a curto prazo, sempre há risco de que surjam grupos que se aproveitem de qualquer sinal de crise alimentar para jogar o povo contra o governo.

Conversei sobre isso com um investidor da área rural, Rodrigo Rocha, sócio da Agroviva, que está convencido de que a estabilidade política do país depende fundamentalmente do que chamo de “economia da produção”, em contrapartida da “economia da especulação”. No caso da agricultura, é a produção que garante comida no mercado, e comida no mercado assegura equilíbrio entre oferta e demanda alimentar e estabilidade do custo de vida.

Esta, por sua vez, é uma garantia de estabilidade social e política.

CHBAGRO - Agricultura digital: vale a pena investir nessa tendência?

A Agroviva está com vários projetos tecnológicos, inclusive de informatização dos chamados APLs (Arranjos Produtivos Locais), que requerem apenas incentivos institucionais do governo para serem implantados, sem necessidade inclusive de financiamentos subsidiados. Para isso basta que sejam devidamente financiados através da mobilização do mercado de capitais privados, com participação minoritária de agentes financeiros públicos. Esse sistema poderá transformar o Brasil num grande produtor de alimentos para o mercado interno e externo, a custos baixos em comparação ao que resultaria de financiamentos bancários caros, e com grande retorno para o produtor, em razão da eliminação de intermediários através de uma plataforma digital.

É essa plataforma digital que, eliminando custos de intermediação, reduz despesas de financiamento da produção, da logística, dos serviços básicos e da comercialização, mediante informatização das etapas produtivas do APL, e permitirá que o produtor tenha a escolha de vender seu produto diretamente ao mercado, em qualquer dessas etapas, ou deixar que sigam até o fim da cadeia produtiva. Nessa altura, será apurado o lucro de toda a cadeia, o qual será distribuído entre os associados, que terão tido oportunidade de participar de cada etapa do Arranjo de forma independente ou articulada.

Outra forma de financiar a produção agrícola a custo barato é diretamente através de novos instrumentos do mercado de capitais que estão sendo criados. Rodrigo está convencido de que o caminho para isso é o chamado crowdfunding (investidor iniciante), pelo qual um grupo de investidores, articulado por uma plataforma digital e sob supervisão da CVM e do Banco Central, use o mercado de capitais para financiar projetos agrícolas auditáveis, estes para que haja segurança no investimento.

Os mecanismos regulamentares para isso, como disse, já estão sendo institucionalizados pela CVM.

O fato é que, para o sócio da Agroviva, o governo Lula, que vai ter enormes dificuldades de financiar gastos públicos convencionais em razão das restrições fiscais conhecidas, pode perfeitamente encontrar saídas alternativas para mobilizar pelo lado privado áreas estratégicas como a agricultura alimentar. Ele próprio está convencido de que o futuro da Agroviva é o investimento agrícola a partir do mercado de capitais, desde que todo o processo produtivo na área rural absorva e difunda novas tecnologias. E isso ele está disposto a fazer, preferivelmente com apoio institucional do governo.

Entretanto, a questão alimentar não se esgota na agricultura básica. É fundamental ter em conta também a agroindústria. Igualmente nesse caso o instrumento chave é o APL. Projetos agroindustriais de pequena escala ou de tamanho médio devem ser levados a todo o país e associados aos APLs tradicionais, no esquema sugerido de integração de financiamento, produção, comercialização e logística, articulados por alta tecnologia, tudo no sentido de reduzir custos. Dessa forma, há ganhos para todos que participem da cadeia produtiva.

Além disso, os governos e as comunidades locais podem ser inseridos no processo, mediante participação direta e indireta nos Arranjos, inclusive aportando infraestrutura de serviços básicos. Segundo Rodrigo Rocha, que está organizando em Silva Jardim, no Rio de Janeiro, um APL experimental que deverá ser replicado em todo o Estado, as oportunidades estão abertas na área agrícola tanto para financiadores do mercado de capital, que ganharão muito mais do que apenas taxas de juros com o investimento, quanto para produtores e comercializadores, que realizarão lucros no mercado acionário.

Já para o país, esse ambicioso projeto seria uma importante garantia de estabilidade social.

JOSÉ CARLOS DE ASSIS – Jornalista, economista, escritor, colunista e membro do Conselho Consultivo do jornal Tribuna da Imprensa Livre; Professor de Economia Política e doutor em Engenharia de Produção pela Coppe/UFRJ, autor de mais de 25 livros sobre Economia Política; Foi professor de Economia Internacional na Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), é pioneiro no jornalismo investigativo brasileiro no período da ditadura militar de 1964; Autor do livro “A Chave do Tesouro, anatomia dos escândalos financeiros no Brasil: 1974/1983”, onde se revela diversos casos de corrupção. Caso Halles, Caso BUC (Banco União Comercial), Caso Econômico, Caso Eletrobrás, Caso UEB/Rio-Sul, Caso Lume, Caso Ipiranga, Caso Aurea, Caso Lutfalla (família de Paulo Maluf, marido de Sylvia Lutfalla Maluf), Caso Abdalla, Caso Atalla, Caso Delfin (Ronald Levinsohn), Caso TAA. Cada caso é um capítulo do livro; Em 1983 o Prêmio Esso de Jornalismo contemplou as reportagens sobre o caso Delfin (BNH favorece a Delfin), do jornalista José Carlos de Assis, na categoria Reportagem, e sobre a Agropecuária Capemi (O Escândalo da Capemi), do jornalista Ayrton Baffa, na categoria Informação Econômica. Autor de “A Era da Certeza”, que acaba de ser lançado pela Amazon. Em função das boas práticas profissionais recebeu em 2019 o Prêmio em Defesa da Liberdade de Imprensa, Movimento Sindical e Terceiro Setor, parceria do jornal Tribuna da Imprensa Livre com a OAB-RJ.

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