Por José Carlos de Assis

Não é apenas a Vladmir Putin que deve ser debitado o sangue dos que são vítimas do morticínio atual na Ucrânia.

Os maiores responsáveis por ele, a meu ver, são justamente as potências ocidentais, Estados Unidos à frente, que estão fazendo da guerra um instrumento de geopolítica para recuperação da hegemonia norte-americana no mundo. Não só isso. É incrível como a mídia “ocidental” dá cobertura absoluta à posição de Washington na guerra, valorizando o papel do presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, como sendo um grande herói da democracia.

A verdade é o oposto. Zelensky está se tornando o verdugo do seu povo. E os países europeus estão jogando com sua vaidade, seu orgulho e sua inexperiência política para acompanhar os americanos na decisão de impor à Rússia a condição, por ela inaceitável, de ter um vizinho hostil nas suas fronteiras, a OTAN, armado até os dentes. A posição russa era conhecida desde o fim da União Soviética e tornou-se explícita em 2014, quando Putin reagiu com a anexação da Ucrânia ao golpe militar que depôs o aliado seu que era presidente democraticamente eleito da Ucrânia.

A mídia internacional praticamente não fala nisso. Cobre a guerra como um espetáculo macabro, distorcendo suas causas e imputando toda a responsabilidade aos russos. É óbvio que Moscou está usando forças desproporcionais na sua invasão da Ucrânia. Mas quem lhe tirou espaço para negociações diplomáticas sobre o principal ponto de suas reivindicações para evitar a guerra, a declaração de neutralidade da Ucrânia entre ocidente e oriente, foram os dirigentes políticos ocidentais, que se curvaram às pressões americanas para abrir as portas da OTAN a Kiev.

A presença de um político inexperiente – na verdade, um gênio de circo – no governo ucraniano facilitou o caminho para os políticos ocidentais provocarem Moscou até um limite extremo. A insistência de Zelensky em entrar para a OTAN não foi contrabalançada pelo “conselho” dos dirigentes europeus da própria OTAN para lhe admoestar que, nas condições geopolíticas do mundo, considerando os interesses de segurança da Rússia, isso seria impossível. Bastaria um único voto na Aliança para impedir a entrada da Ucrânia, apoiada pelos Estados Unidos. Não houve.

Agora que a situação degenerou em guerra aberta, a posição norte-americana, refletida na mídia, praticamente não mudou.

Zelensky escala em pedidos de armas e, irresponsavelmente, de fechamento pela OTAN do espaço aéreo ucraniano, este último recusado por razões óbvias de temor de uma terceira guerra mundial. Entretanto, enquanto na manhã da última quarta-feira a mídia inglesa mencionava a possibilidade de um acordo aceitável pelos russos na mesa de negociações, a mídia mundial anunciava, à tarde, entusiasticamente, mais um apoio de Biden de UR$ 800 milhões em armas para a Ucrânia.

A mídia brasileira acompanha às cegas a posição de Washington. Faz o jogo da tentativa de reafirmação da hegemonia americana no cenário mundial em face das tentativas russo-chinesas de ocupar esse espaço, no novo cenário geopolítico do planeta que está sendo desenhado. É totalmente enviesada. Os comentaristas da Globo – e em especial os da Globo News, a mídia líder em audiência no Brasil -, assumem abertamente sua posição de condenação unilateral dos russos, sem dar ao telespectador qualquer espaço de análise para compreender as causas da guerra.

A impressão é que estamos diante de um espetáculo de circo, em que temos mocinhos de um lado e bandidos de outro. Os horrores da guerra, acompanhados em tempo real, possibilitam o uso sistemático de uma linguagem emocional que coloca o telespectador no próprio centro do conflito, participando diretamente dele. É a prevalência da exibição crua do fato sobre a interpretação dele. Essa, aliás, é a praga da televisão e da internet no mundo das comunicações em tempo real a velocidades da luz. E o ator de circo que faz de Kiev uma praça de guerra não quer sair de cena.

A tragédia é justamente que Zelenszky, já desconfiado de que vai perder, deu sinais de conformar-se às exigências russas de neutralidade, mas essa oportunidade não está sendo aproveitada pelos políticos ocidentais. Os Estados Unidos querem mais sangue. Aparentemente, se a guerra for prolongada com forte supor americano e europeu em armas, a Rússia sairá esgotada do conflito e apenas a China restará como um competidor mundial pela hegemonia geopolítica. Curioso é que a Europa nada ganha, exceto a Ucrânia como aliada altamente dependente financeiramente dela.

O fim da guerra está na mesa de negociações com a Rússia. E os russos, uma vez diante de propostas ucranianas razoáveis, suspenderão logo os bombardeios. É que, pelos indícios dados por Kiev na quarta-feira, tanto a questão da Crimeia quanto a das regiões separatistas do Leste poderão ser acomodadas.

Só resta convencer os norte-americanos disso. E sobretudo o presidente Joe Biden, que parece estar embevecido pela posição de líder mundial da democracia que lhe está sendo oferecida pela guerra na Ucrânia, como se fosse, ele próprio, o dono dos destinos do mundo.

New Simpsons cartoon shows family supporting Ukraine against Russian attack

JOSÉ CARLOS DE ASSIS – Jornalista, economista, escritor, colunista e membro do Conselho Consultivo do jornal Tribuna da Imprensa Livre; Professor de Economia Política e doutor em Engenharia de Produção pela Coppe/UFRJ, autor de mais de 25 livros sobre Economia Política; Foi professor de Economia Internacional na Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), é pioneiro no jornalismo investigativo brasileiro no período da ditadura militar de 1964; Autor do livro “A Chave do Tesouro, anatomia dos escândalos financeiros no Brasil: 1974/1983”, onde se revela diversos casos de corrupção. Caso Halles, Caso BUC (Banco União Comercial), Caso Econômico, Caso Eletrobrás, Caso UEB/Rio-Sul, Caso Lume, Caso Ipiranga, Caso Aurea, Caso Lutfalla (família de Paulo Maluf, marido de Sylvia Lutfalla Maluf), Caso Abdalla, Caso Atalla, Caso Delfin (Ronald Levinsohn), Caso TAA. Cada caso é um capítulo do livro; Em 1983 o Prêmio Esso de Jornalismo contemplou as reportagens sobre o caso Delfin (BNH favorece a Delfin), do jornalista José Carlos de Assis, na categoria Reportagem, e sobre a Agropecuária Capemi (O Escândalo da Capemi), do jornalista Ayrton Baffa, na categoria Informação Econômica. Autor de “A Era da Certeza”, que acaba de ser lançado pela Amazon. Em função das boas práticas profissionais recebeu em 2019 o Prêmio em Defesa da Liberdade de Imprensa, Movimento Sindical e Terceiro Setor, parceria do jornal Tribuna da Imprensa Livre com a OAB-RJ.


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