Por João Marcos Buch –

O que parece é que nos falta coragem para reconhecer a humanidade atrás das grades, para assumir que quem está preso pertence a um estado que o mata simbolicamente e, muitas vezes, materialmente.

Ao tornar públicos fatos que envolvem minhas idas nas prisões, costumo receber mensagens dos mais variados lugares, que me parabenizam. Mesmo sendo esse um dever e que certamente não sou o único juiz que o cumpre – muitos o fazem, apenas não noticiam -, diante dessas manifestações, talvez efetivamente estejamos atuando mais para os nossos palácios do que para os nossos semelhantes.

Por isso, volto ao tema: inspeções judiciais no cárcere.

A presença do juiz da execução penal nas unidades prisionais é um ato essencial, tanto para a verificação das condições da cadeia, fiscalização no tratamento dos presos e necessidades dos trabalhadores do sistema, como nos encaminhamentos processuais originados de pedidos entregues.

Entretanto, diante de um sistema cruel, muitas inspeções país afora são deixadas de lado, ou feitas virtualmente ou, ainda, restringem-se a uma visita à sala do diretor da unidade.

O que parece é que nos falta coragem para reconhecer a humanidade atrás das grades, para assumir que quem está preso pertence a um estado que o mata simbolicamente e, muitas vezes, materialmente; temos tido medo de olhar para o abismo e por ele sermos engolidos ou, como dizem, de nos tornarmos o abismo. Assim, simplesmente não vamos até a prisão.

Experimento essa realidade há mais de uma década e, para além dos estudos teóricos e acadêmicos, fundamentais na minha contínua formação, sei o que falo quando afirmo que as inspeções nas prisões trazem sofrimento ao juiz.

Ao ir além do gabinete e da tela do computador, adentrando com meus próprios pés em pavilhões, galerias e celas, vidas presas perpassam pelos meus olhos, infiltram-se em minhas narinas, atingem minha pele. Consequentemente, cenas dolorosas se materializam diante de mim, com presos confinados em ambientes superlotados, amontoadas dia e noite, sem postos para trabalho e sem salas para estudo, sem nada! Mesmo assim, em que pese a dor que me atinge, esse proceder é obrigatório, é um dever, sou juiz e tenho que respeitar o poder que me foi conferido. Só desta forma, é que garanto o acesso à Justiça e fortaleço a ética e a civilidade.

É muito difícil encontrar situações tão degradantes, isso não se contesta, mas certamente é incomparavelmente mais difícil viver nessas condições degradantes.

Que as inspeções se disseminem por todas as prisões, que sejam a regra e não a exceção, e que não precisem ser objeto de cumprimentos e elogios, nunca mais!

JOÃO MARCOS BUSH é juiz de direito da vara de execuções penais da Comarca de Joinville (SC) e membro da Associação Juízes para a Democracia (AJD).

A coluna ‘Tribuna dos Juízes Democratas’, dos juízes e juízas da AJD, é associada às colunas ‘Avesso do Direito’ do jornal Brasil de Fato e ‘Clausula Pétrea’ do site Justificando.

Publicado inicialmente no jornal GGN. Envie seu texto para mazola@tribunadaimprensalivre.com ou siro.darlan@tribunadaimprensalivre.com


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