Por Ricardo Cravo Albin

Não de hoje alguns escritores mais sensíveis refletem sobre as grandes tragédias de que a humanidade é acometida. Stefan Zweig, escritor universal de língua alemã, morou em Petrópolis e escreveu o livro “Brasil do Futuro”. Segundo ouvi do seu biógrafo, Alberto Dines, Zweig teria dito que os horrores da guerra lhe sopraram felicidades insuspeitas ao aportar no Brasil. Aliás, em icônica palestra na ABI ele emitiu frase polêmica, “Saí do terror para entrar no esplendor”.

Para mim, a Peste que nos aflige poderá levantar os véus espessos de um Brasil profundo, pouco desvendado na miséria, na fome e na infraestrutura. Mas geralmente surpreendente a quem (a minoria) é capaz de enxergar grandeza na solidariedade de que o povo brasileiro é capaz.

Este viés de compaixão e pureza voluntárias, que estão a se revelar em número surpreendente, nada tem a ver com a máquina burocrática.

A cada eleição os candidatos se comprometem prioritariamente com saúde, educação e segurança, sendo a primeira a mais solicitada pelo eleitor. O país estarrecido está comprovando agora  a falta de material para os hospitais do Brasil. São de comover os clamores públicos do pessoal da enfermagem, que reivindica o que deveria ter: máscaras, luvas e assepsia total. Aliás, o cúmulo das carências hospitalares provoca o desespero dos infectados.

O lado escuro da burocracia estatal não me aprazaria sublinhar. Muito mais justo é comentar esforços individuais dos voluntários, o melhor neste pior em que gravitamos. Gente solidária que agora se multiplica “como flores adubadas pelo estrume cheiroso das almas claras, tal como nuvens de algodão”, frase cunhada pelo escritor católico Alceu de Amoroso Lima, quando Presidente do Centro Dom Vital.

É esse Brasil invisível que está a se descerrar aos nossos olhos.

Há dias li que um jovem pobre e desempregado foi entrevistado quando visto trabalhando 12 horas por dia na Rocinha. Ele organizava sacolas de comida para quem nada tinha o que comer. Questionado, veio resposta piedosa e bela do jovem de 19 anos – “olha aqui, não trabalho não a troco de nada. É claro que sou muito bem pago quando vejo essas crianças famintas, que podiam ser meus irmãos, de barriga cheia. E felizes, mesmo na miséria e na fome que lhes é comum.”

Com o confinamento das cidades, a economia parou. Vejo tempos ainda mais temerários se avizinharem. Mas também comprovo o crescimento da solidariedade da população, fato revelador da alma brasileira que jazia em sombras. Ouso avaliar que a pandemia absorverá mensagens a serem decifradas para melhorar a qualidade da vida no planeta. Um protesto mundial deverá abrir os olhos de países poderosos que dão petulantemente de ombros com a destruição de suas riquezas naturais. Eles, os ricos, impõe combustíveis fosseis, envenenando o ar que respiramos, destruindo o frescor e a limpeza dos rios e da água dos oceanos, incendiando florestas…

Esforço-me para acreditar que a cooperação entre as nações será o melhor destino do bicho-homem. Creio que já em risco de ser varrido do planeta. No Brasil, as mazelas e injustiças para com os mais pobres “clama aos céus e macula em negror as consciências”, como proclamou Santo Agostinho, indignação depois repetida pelo poeta Jorge de Lima.

Volto a Zweig para relacionar estados díspares de sentimentos como o terror e o esplendor. Afinemos gritos de protestos para exigir que a face do terror desta pandemia possa deixar aflorar a face do esplendor.

O sol dando fim à treva.


RICARDO CRAVO ALBIN – Jornalista, Escritor, Radialista, Pesquisador, Musicólogo, Historiador de MPB, Presidente do PEN Clube do Brasil, Presidente do Instituto Cultural Cravo Albin e Colunista do jornal Tribuna da Imprensa Livre.