Por Ricardo Cravo Albin –
“Não tenho dúvida ao afirmar que ser homenageado pelas escolas de samba é mais importante que qualquer Comenda Federal do Mérito Cultural” – (Embaixador Gilberto Amado).
A convergência de episódios surrealistas no Brasil é certamente uma sina histórica. Um dos melhores talentos de escritor e homem público deste país, o diplomata e faiscante figura humana Gilberto Amado, certa vez me disse em seu apartamento da Rua General Glicério, quando levei até ele o diretor do Salgueiro Fernando Pamplona ao lado da cronista Eneida, ambos prestes a convidá-lo para ser enredo da vermelho e branco da Tijuca. Amado agradeceu muitíssimo mas reconsiderou que sua história pessoal não tinha nada de heroico para uma apoteose de vida na Presidente Vargas (àquela época, desfiles lá se faziam, o que provocava enorme incômodo para a cidade pelo monta-desmonta de arquibancadas e camarotes, razão imediata da criação do atual Sambódromo Darcy Ribeiro, imaginado pelo seu fundador ao lado de Oscar Niemeyer.
– “Mas, meus caros, certamente que sou vaidoso como todos sabem, mas não há um gesto grandiloquente em minha vida como os heróis de essência, e aqui cito Tiradentes. Aliás, vocês já o homenagearam?
A uma só voz, cantarolamos para um emocionado grande brasileiro: “Joaquim José/ Da Silva Xavier (era o nome de Tiradentes) / Morreu a 21 de abril/ Pela Independência do Brasil”. Ao que o escritor retrucou de pronto: “Depois que eu fizer a independência da burrice no Brasil, me procurem”.
Agora, quem diria, Tiradentes foi pinçado a dedo pelos prefeitos do Rio e São Paulo para que as escolas do Grupo Especial transfiram seus desfiles para o dia 21 de abril, dia da morte do protomártir da Independência, exatamente 200 anos depois do brado “Independência ou Morte”, do futuro Imperador Pedro I.
Coincidência ou não, verdade ou não, o Prefeito Eduardo Paes há de ter ouvido considerações de seu assessor Marcelo Calero, deputado e diplomata de sólida formação cultural, que bem sabe de liturgias e rituais históricos.
E assim será o desfile deste 2022, ao que tudo indica, caso o horror dessa tragédia tenha sido mesmo minimizada nos próximos 80 dias.
Por certo que muito me aflige acompanhar, como venho seguindo de perto, a angustia dos operários dos barracões das escolas na Cidade do Samba, que de fato sentem no bolso a falta de dinheiro, trazida pela ausência dos patrocinadores do desfile, inclusive rede internacional de tevês, além de ensaios e festas de milhares de pessoas, hoje suspensas nas quadras e arredores. Além do prejuízo do não desfile de 2021, pique da pandemia.
Observo o surreal tão Brasil: Tiradentes jamais poderia sequer avaliar, ao encontrar o seu destino a caminho do patíbulo infamante, que o dia de seu sacrifício seria celebrado com a explosão dupla das duas maiores festas populares do mundo, os desfiles das escolas de samba do Rio e de São Paulo. Isso sem contar o que virá, caso tudo dê certo, com os múltiplos festejos paralelos de outras cidades do Brasil, a seguirem os passos cautelosos do eixo Rio-São Paulo.
Ao adiar o carnaval mais célebre do mundo para 21 de abril – sim, se os prefeitos ainda não pensaram, já é mais que hora de sacralizar esse dia do protomártir. E também considerar abertos, ao 21 de abril, os festejos do segundo centenário da independência, formalmente marcado para o sete de setembro de 2022. Do qual ainda se ouve falar timidamente. Sem grandes ou mesmo médios projetos pré-programados. Um silêncio, de resto, que fere nossos ouvidos de constrangimento. E de tristeza, pelo injustificável acanhamento em homenagear a data máxima do país.
Por que não se programar o Desfile das Campeãs para a noite de 7 de setembro de 2022?
A magia do conto e da dança do povo poderia acordar, os até agora moucos ouvidos das autoridades culturais de Brasília. As do Rio e São Paulo estarão mais atentas?
P.S nº 1– Reitero aqui não mais uma lágrima, mas o sentido pranto pela morte de Elza Soares, configuração perfeita da mulher resistente e guerreira do Brasil: negra, favelada, mãe aos treze anos e alvo do maior preconceito que já comprovei ao vitimar uma mulher apenas pelo único fato de enfrentar o amor. No caso, concretizar seu casamento com Garrincha. O que, pelo excesso de perseguições (até de sequestro) de que foi vítima, foi obrigada a sair do Brasil e morar longe da família em Roma. Em exílio forçado (ou quase), como os exilados políticos.
P.S nº 2 – Será mesmo que o uso obrigatório de máscaras no desfile de 21 de abril vai abolir o quesito harmonia? Eu concordo. Tudo pela segurança e pela vida.
P.S nº 3 – Nesta terça, 25 de janeiro, ergo um brinde au champagne para celebrar os 95 anos de Tom Jobim, o carioca exemplar do Cristo Redentor, braços abertos sobre à Guanabara. O Jobim dos amores pelo Rio inteiro. E pela Bossa Nova, da qual foi o maior vulto.
P.S nº 4 – Seguindo protocolos de segurança, o lançamento de ‘PANDEMIA E PANDEMÔNIO’ na IPANEMA WINE BAR (Rua Gomes Carneiro, 132/112) novo point da cultura carioca, dos queridos jornalistas e anfitriões Daniel Mazola e Iluska Lopes, casal de editores desta TRIBUNA DA IMPRENSA LIVRE foi sensacional. Presentes: Desembargador Siro Darlan, o militante de direitos humanos e advogado Dr. Cacau de Brito, o atual presidente do MIS Cesar Miranda, entre outros.
Recomendo a loja (com espumantes e vinhos maravilhosos) e o espaço descontraído a céu aberto, é a cara do Rio!
RICARDO CRAVO ALBIN – Jornalista, Escritor, Radialista, Pesquisador, Musicólogo, Historiador de MPB, Presidente do PEN Clube do Brasil, Presidente do Instituto Cultural Cravo Albin e Membro do Conselho Consultivo do jornal Tribuna da Imprensa Livre. Em função das boas práticas profissionais recebeu em 2019 o Prêmio em Defesa da Liberdade de Imprensa, Movimento Sindical e Terceiro Setor, parceria do Jornal Tribuna da Imprensa Livre com a OAB-RJ.
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