Por Jeferson Miola –
Nazismo é crime.
Assim como o fascismo de Mussolini, o nazismo de Hitler é classificado universalmente como crime contra a humanidade. Inclusive no Brasil, país signatário de tratados internacionais a esse respeito.
A atrocidade nazista exterminou cerca de 6 milhões de judeus, mas não só. Outros muitos milhões de inimigos do regime, como negros, ciganos, homossexuais e comunistas – a raça inferior – também foram perseguidos, sacrificados e exterminados em campos de concentração.
A Alemanha do imediato pós-2ª guerra proscreveu o nazismo e proibiu o uso de símbolos, linguagens, místicas e propagandas nazistas.
Esta decisão significou o reconhecimento, pela Alemanha, do enorme equívoco da democracia liberal que, nos anos 1930, permitiu a institucionalização e o ascenso do Partido Nazista que, à continuação, destruiu a própria democracia e perpetrou a maior barbárie contra a humanidade.
A apologia ao nazismo, assim como a absurda defesa do direito de organização de partido nazista também é crime. Jamais pode ser confundido com o direito à pluralidade política e ideológica.
O deputado federal Kim Kataguiri, aliado de Sérgio Moro e líder do movimento protofascista [MBL] que catalisou movimentos nazi-fascistas que hoje assombram o Brasil, considera que a Alemanha errou ao criminalizar o nazismo. Ele sustentou esta barbaridade para endossar a opinião do comunicador Monark, que defende “que o nazista tinha que ter o partido nazista, reconhecido pela lei”.
Ambos, portanto, deputado e comunicador, cometeram crime grave e inafiançável.
Não faltou, entretanto, quem, mesmo ressalvando discordar da posição deles, defendeu o direito de ambos proferirem esta infâmia. Tudo em nome da sacrossanta liberdade de expressão, sustentam.
A liberdade de expressão é uma conquista democrática e civilizatória que não se confunde, porém, com a liberdade para propagar e incitar crimes.
O entendimento do direito de alguém defender o nazismo, o que é totalmente absurdo, não se ampara no princípio da liberdade de expressão, mas corresponde a uma perspectiva vinculada ao libertarismo – ou libertarianismo econômico.
O libertarianismo é uma “teoria da liberdade”. Da liberdade capitalista absoluta e irrefreável, da liberdade de um sistema econômico que consagra o direito total, desmedido e incondicional da propriedade privada. Um direito do capital exercido sem travas, sem limites éticos, sem regras, sem regulações ou restrições. Enfim, o laissez-faire total, em estado bruto e puro.
No livro Filosofia política contemporânea, Will Kymlicka diz que o filósofo Robert Nozick, ideólogo do libertarianismo, defende que “a liberdade de conduzir nossas vidas em conformidade com nossa concepção de bem é o valor definitivo”.
Diz Kymlicka: “podemos supor que [Nozick] preferiria os regimes que deixassem os direitos de propriedade tão irrestritos quanto possível” – mesmo que regimes totalitários como o nazismo na Alemanha dos anos 1930/1940, como a ditadura de 1964/1985 e o atual governo militar no Brasil.
Este libertarianismo econômico tem sua equivalência no universo das relações jurídicas, dos direitos civis e de um ideal societário.
E, neste âmbito, também significa uma ideia de liberação total, desregrada e desimpedida dos direitos absolutos do indivíduo – entendido como o possuidor, o detentor de posse e dono de propriedade – acima e à parte da coletividade e do interesse comum.
Como diz Bolsonaro, “nossa liberdade não tem preço, ela vale mais que a própria vida”. Ele não se refere, obviamente, à dimensão nobre da liberdade. Na realidade, ele se refere à liberdade da malta fascista para atacar o STF, o Congresso, defender a intervenção militar com ele próprio, Bolsonaro no poder. Como se observa, Bolsonaro pode ser catalogado como um típico exemplar libertarianista.
Com seu libertarianismo, Bolsonaro também defende a liberdade de todo cidadão se armar para “se proteger”; mas, principalmente, para matar inimigos e poder fazer justiça com as próprias mãos.
Cabem ainda neste breve inventário sobre o libertarianismo corrente no Brasil de hoje a defesa esdrúxula de pessoas recusarem vacinas e de pais negligenciarem a imunização dos próprios filhos.
Sem esquecer a tentativa de desobrigar o uso de cadeira de segurança para crianças em automóveis e o fim do controle de velocidade nas rodovias – afinal, o indivíduo deve ter a liberdade para gozar a sensação de voar baixo, mesmo que se espatife na estrada e carregue de roldão outras pessoas para o cemitério.
Bolsonaro defende a soberania nacional não do ponto de vista de uma inserção altiva e soberana do Brasil no mundo, mas o faz desde uma perspectiva libertarianista, de desobrigar o país de cumprir tratados e protocolos internacionais que têm sentido civilizatório.
Isso vale para questões ambientais e climáticas e direitos humanos, por exemplo. Esta defesa de “soberania ao avesso” significa, enfim, a liberdade absoluta para garimpeiros, grileiros e agropecuaristas destruírem o ambiente e invadirem terras indígenas.
Num domingo de abril de 2015, acompanhando uma manifestação golpista contra o governo Dilma, questionei uma alta autoridade do Ministério da Justiça sobre faixas afixadas pelos fascistas na Esplanada pedindo intervenção militar já!. Algo feito ostensivamente, em frente ao Ministério da Justiça e do Congresso e a menos de 300 metros das sedes do Ministério Público, da Polícia Federal e da Suprema Corte.
Esta alta autoridade então me respondeu que nada poderia fazer. Afinal, “é direito à liberdade de expressão”, me disse! E complementou: “se agir em relação a esta manifestação que pede a instalação de ditadura, terei de reprimir também qualquer manifestação que pede a descriminalização da maconha e do aborto”.
Ponto. Não é preciso dizer mais nada.
É imperativo, de uma vez por todas, que se dê nome às coisas e que as coisas sejam tratadas pelo que de fato são. É preciso, em suma, desnaturalizar a barbárie! A aberração não pode continuar sendo naturalizada.
Desprezar o significado dos movimentos que ameaçam o pouco que resta de democracia e minimizar a prática criminosa de golpistas fascistas nos custou um altíssimo preço, o qual levaremos gerações para conseguir quitar.
JEFERSON MIOLA – Jornalista e colunista, Integrante do Instituto de Debates, Estudos e Alternativas de Porto Alegre (Idea), foi coordenador-executivo do 5º Fórum Social Mundial
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MAZOLA
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